Amor Platônico
Entra sala adentro, deixando um rastro de perfume pelo ar, banhou-se à pouco. Fecho os olhos por um segundo, buscando recuperar a rotina daquele hábito tão corriqueiro: “despiu-se, tocando-se levemente. Os dedos deixaram pequenas marcas na pele branca, mas não se apercebeu disso. Soltou os cabelos, acariciando-os com as mãos. Liberou os cachos macios que repousaram sobre os ombros. Abriu a torneira sob a fúria das horas, a água irrompeu ruidosa sobre seu corpo. Ergueu a cabeça e deixou-se ficar, afogando-se devagar. De repente, soltou o fôlego, sôfrego...” O telefone toca e abro os olhos de súbito, sua boca move-se lentamente. Seus olhos percorrem a sala, porta, teto, chão. Seus olhos olham para mim, mas não me veem. Fixo aquele gesto, seus olhos por um instante dentro dos meus. Uma onda de volúpia e prazer percorre meu corpo. Vira-se e continua a falar ao telefone, de repente pede algo, uma papelada qualquer. Sua voz ressoa em meu peito, sinto-a amplificada, num eco que reverbera pela sala. Trêmula, recolho folhas, dissimulando o suor sutil de minhas mãos. Caminho em sua direção, seu dorso amplia-se à medida da minha presença. As costas largas envergam um terno fino. O caimento permite ver o movimento dos músculos. Estou a poucos passos dele e o aroma de seu perfume me embriaga. Ele sorri com alguém e continua a falar. Paro a dois palmos e permaneço estática. Enquanto espero, respiro fundo, fundo, até o ponto onde o limite entre o tecido e a pele acaba. Sinto o calor que emana daquele corpo, sinto seu verdadeiro cheiro. Minhas entranhas falam comigo. Por um instante ele está dentro de mim. De súbito, ele se vira e esbarra em mim. E na confusão do atropelo, na tentativa de evitar o inevitável, ele me abraça e me toca as mãos, os braços, o rosto. E, simulando simultaneidade, repito a mimese de seus gestos. Acaricio suas mãos, seus braços, suas costas, seu rosto. Deixo sua barba mal feita roçar meu rosto. Ele se desculpa sem jeito, sorrindo. Ele está visivelmente constrangido e eu secretamente satisfeita.
Lunes, 02:22, Bsb/2011