PRESENTE DE NATAL

“Meu peito todo me treme

Com susto de teu amor,

Como o pássaro que teme

O tiro do caçador. ”

Juan Ramón Jiménez

24 de dezembro, véspera de natal.

Enquanto o carro desliza pela estrada, o rádio toca músicas natalinas melosas, com o claro intuito de alegrar as pessoas. Se fosse semana passada, eu também seria contagiado por este ar nostálgico e feliz. Mas não hoje. Não com Sofia nos meus pensamentos.

Troco de estação e o som de um rock pesado invade meus ouvidos. Atravesso o quebra-mola e avisto minha velha casa, pequena entre dois casarões que a cercam, mas familiar. Há seis meses não venho aqui. Ser professor suga quase todo meu tempo.

Estaciono na garagem e meu pai vem me abraçar. Ao contrário das outras famílias, vamos passar o natal sozinhos. Meu pai nunca foi do tipo sociável e nem eu.

– Que bom te ver, Marcos. – ele diz, me soltando. Depois fica cauteloso – Tudo bem?

Eu contei ao meu pai sobre o término com Sofia. Ela era a mulher com quem queria me casar, e doeu saber que ela não pensava assim. Que não me amava.

– Claro, pai. – minto, não quero estragar nosso dia. – E com o senhor?

Ele dá um sorriso cúmplice, sabe que estou mentindo. Nós entramos e ele começa a me pôr a par de tudo que tem acontecido na cidade: a gravidez da filha do pastor (o que pra mim não era novidade), o novo contratante da mecânica, as festas tradicionais etc etc. Ao ouvir isso, me sinto à vontade, como se nunca tivesse saído daqui.

Sigo para meu quarto, que está exatamente com deixei desde minha última visita. A escrivaninha ligeiramente desarrumada, meus pôsteres de bandas de rock (fase rebelde) e a cama com lençóis brancos. Igual à minha infância, com a diferença que os lençóis eram do Speed Racer. Vou até a escrivaninha e ajeito a foto da minha mãe. Ela morreu quando eu tinha quatro anos. Não me lembro muito dela, mas as poucas lembranças que tenho estão guardadas na mente e sei que nunca vou esquecê-las.

De banho tomado, vou para a cozinha. Não sinto nenhum aroma de comida e normalmente a essa hora meu pai já teria feito a ceia especial. Ele me chama da sala.

Quando chego lá, fico mais desconfiado. Ele está de terno. Isso acontece raramente.

– Pai, o que está acontecendo? E que roupa é essa?

Ele sorri,embaraçado:

– Veja, Marcos, os nossos vizinhos, os Porto, nos convidaram para jantar com eles. Eu aceitei. Eles são os melhores clientes da mecânica, e não quis fazer desfeita.

Os argumentos dele são bastante válidos, mas ele não me engana. Tem outra coisa.

– Como assim? Você nunca aceitou esses convites, por que agora?

– Ah, filho! Eu aceitei porque quis, tá bem? Agora vamos, não quero chegar atrasado.

Eu não ia conseguir mais do que isso do meu pai, então o sigo porta afora.

Os Porto moravam em frente à nossa casa, e quando chegamos, uma mulher simpática nos atende, Júlia. Depois nos apresentou a Rogério, seu marido. No total, eram três: Júlia, Rogério e a filha deles, Juliana, que ainda não tinha chegado.

Enquanto a esperávamos, o casal me bombardeou com perguntas: quantos anos eu tinha, se o trabalho me esgotava... Aquelas perguntas de praxe. Depois de respondê-las (27 anos; você não sabe quanto), a conversa se voltou para a filha deles, Juliana. Ela era enfermeira do centro médico local. Meu pai falava nela com muito ardor, e eu percebi o motivo dele ter aceito o convite. Queria bancar o cupido.

E, afinal, ela chegou. Eu, que estava bebendo meu vinho, quase engasguei. Juliana era muito linda. Tinha os cabelos negros, ondulados, olhos castanhos e um corpo de matar. Usava um vestido vermelho curto, e não tinha maquiagem, o que a deixava natural.

Ela sorriu para todos, se desculpando pelo atraso, e se apresentou para mim. Nos sentamos no sofá e entabulamos um diálogo. Meu pai e os outros dois conversavam entre si. Tal como ela, a conversa era agradável e leve. Juliana é espontânea e fala sobre tudo: Sua vida, seu trabalho, até os seus relacionamentos anteriores (ela está solteira agora). Antes que eu perceba, já se passou duas horas. O relógio dá 12 badaladas. É natal. Nos felicitamos e vamos para a mesa de jantar. A ceia transcorre bem, num clima alegre. Meu pai e eu vamos embora às duas da manhã, agradecendo por tudo. Minha vontade é ficar ali, com Juliana. Não sei como, mas estou completamente fascinado por ela. O plano do meu pai deu certo.

25 de dezembro, natal

Estou apaixonado. Só pode ser isso. Desde ontem não paro de pensar nela. Não é somente atração, é uma coisa que vem do fundo do coração. Estou me sentindo como o Romeu, que num minuto está louco de paixão por Rosalina, e no outro morto de amor por Julieta. E também culpado; nem sequer penso mais na Sofia, parece que nunca a amei. Será que é isso? Eu nunca amei Sofia, por isso foi tão fácil me apaixonar por outra? Talvez, pois o que eu sentia por Sofia é ínfimo se comparado ao que sinto por Juliana agora. Meu Deus, eu, Marcos Veiga, um homem de 27 anos, me apaixonei à primeira vista. Isto é loucura. Mas é uma loucura que sou capaz de suportar.

Suspirando, me levanto da cama e fito o relógio de pulso. 10 da manhã. Bem tarde para meus padrões normais. Entretanto, os meus padrões estão meio desregulados hoje.

Sigo para a mesa de jantar, onde meu pai está tomando café. Há dois pratos de omelete sobre a bandeja e ele devora o seu. Sento na cadeira e informo:

– Pai, estou apaixonado.

Ele para de comer e me olha. Não parece preocupado.

– É mesmo? Por quem, Juliana?

– Sim. – digo.

Meu pai sorri e diz, na verdade, grita:

– Ah, eu sabia que quando você a conhecesse, se esqueceria rapidinho da Sofia, aquela vadia.

– Sabia? Como?

– Eu sou seu pai. Sei do que precisa. Juliana é seu tipo de mulher.

Eu nem desconfio de como ele sabe meu tipo de mulher, e para evitar uma discussão, prefiro confiar na “intuição de pai” dele.

Ficamos em silêncio por uns segundos. Meu pai o preenche, falando:

– Então, quando vai dizer pra ela o que sente?

– Não pressione, pai. Eu a conheci ontem. Não posso chegar para ela e dizer “oi,eu te amo.”

– E por que não?

Titubeio:

– Por que... Porque seria embaraçoso. Eu posso esperar. Não quero assustá-la.

– Meu filho, se você ficar contando as estrelas, nunca verá a lua.

Ele termina de comer e sai.

Fico pensando no que ele disse. Meu pai tem razão, é claro. Ele previu, antes de mim mesmo, quem eu amaria. Decido confiar novamente na sua intuição e vou até a casa dela.

Coincidência ou não, é Juliana quem abre a porta. Ela sorri e eu não perco tempo, seguro suas mãos e a olho intensamente. Meio trêmulo, solto a pergunta:

– Você acredita em amor à primeira vista?

Ela me fita, confusa, mas depois seus olhos brilham e ela afirma com a cabeça, aumentando o sorriso. Eu também sorrio, e a puxo para mais perto, encostando meus lábios nos dela.

24 de dezembro, véspera de natal (um ano depois)

O nervosismo me assola, embora saiba que tudo ficará bem. Meu olhar vai do padre para meu pai e em seguida para as pessoas presentes. Faz oito meses que me transferi para cá, minha querida cidade. Meu lar. Quero que meus filhos cresçam aqui, aprendam com meu pai o que eu aprendi. Sejam felizes, como eu sou. E aqui estou eu, para partilhar essa felicidade com o amor da minha vida, Juliana.

A marcha nupcial toca, e ela entra na igreja. Juliana está fantástica, com o vestido branco de renda e aquele sorriso no rosto. Segura levemente os braços do pai e quando alcança o altar, solta-os e segura os meus. Ela me olha com amor e eu espelho seu olhar.

Não muito distante, ouço hinos natalinos,mas dessa vez deixo-os me contagiar.

Elaine Rocha
Enviado por Elaine Rocha em 30/11/2011
Reeditado em 30/06/2012
Código do texto: T3364980
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