LOLA
LOLA
Mafalda é uma figura! Baixinha, clara, espevitada. Trabalha com faxina desde menina, uns quinze anos só aqui no condomínio. São trezentos apartamentos ao todo, disse que já trabalhou em vinte e nove. Tem cinco anos que trabalha comigo todas as sextas feiras e começa todo dia de trabalho me contando como foi a semana. Dedica um tempo maior para falar do morador do bloco A, o único apartamento daquele bloco em que trabalha. Parece apreciá-lo e de tanto ouvi-la já simpatizo com ele também. É o excêntrico dos excêntricos... imagine que a própria Mafalda vai ao banco sacar seu pagamento e também outros valores que ele precisa. Diz que desde que começou a trabalhar para ele, há dez anos, nunca recebeu uma única reclamação. Tem dias que as únicas palavras que trocam são “bom dia”e “até a próxima quinta feira”. Enquanto ela faz a faxina, diz que ele fica escrevendo, digitando, lendo e algumas vezes, parece, meditando. Invariavelmente é assim. Teve uma única vez que ele parou, olhou nos olhos dela (e ela se emociona sempre que lembra/fala disso) e perguntou quando fazia aniversário. Coincidentemente havia sido no dia anterior, então ele lhe disse que na próxima ida ao banco retirasse o valor do pagamento em duplicidade, como presente. E desde então faz isso todo ano. Outra de suas tarefas, além da faxina, é fazer as compras. A lista está sempre pronta quando ela chega, assim como, quando é o caso, de qualquer outra coisa que ele queira/precise. E faz também, toda quinta feira, doze pãezinhos integrais que embala dois a dois.
Quando pergunto a Mafalda se ele é bonito, ela me responde que parece um artista de novela. Que quando chega, está sempre arrumado como se fosse sair, embora nunca o tenha visto deixar a casa. E que quando está arrumando o escritório ele se levanta e vai para a sala. Algumas vezes ele ouve música “de piano”e só.
Isso me faz divagar e indagar: que homem é esse? Ele mexe com minha imaginação. Mais que isso, ele a ativa e me deixa horas do dia, e as vezes da noite a fantasiar. Pensei muitas vezes em apertar a campainha e tentar uma conversação ...talvez tipo: temos a mesma diarista, ou, desculpe! errei de apartamento.... qualquer coisa assim. Mas Mafalda me disse que ele não atende a campainha, salvo nos horários que está esperando algo que tenha encomendado. E embora minha imaginação normalmente não tenha limites, ainda não achei uma forma de conseguir conhecê-lo. Enquanto isso, vou me “abastecendo”com as informações que a Mafalda me traz e sonhando ...