O resto é silêncio!
O resto é silêncio!
Muitos anos se passaram, mas ela ainda conservava na memória de seus sentidos, a fortaleza de seu abraço, a leveza de suas carícias quando suas mãos passeavam por todo seu corpo, fazendo sua pele se arrepiar de desejo e prazer. Juliete carregava em sua alma, uma sensibilidade nata, uma coragem poderosa, e a profundidade de sentimentos que ela sabia ocultar perfeitamente, cerrando as pálpebras escuras em contraste com um par de olhos verdes, misteriosos e insondáveis como o mar em tardes de tempestade.
Estava com trinta e oito anos. Uma mulher no auge de sua juventude e beleza. Perseguira com dignidade e decência os sonhos de ter uma boa profissão, uma carreira sólida, e certa segurança financeira. Conquistou-os um a um, em pequenos e difíceis passos ao longo de sua trajetória. Jamais se sentiu desanimada diante de qualquer dificuldade ou obstáculo. A tarefa mais difícil tinha sido sua própria escolha: educar, alimentar e manter sozinha, seu único filho Henrique.
Na vida, quando pensamos que o castelo está pronto, ele se desmorona facilmente, aos nossos olhos, com a mais leve rajada de vento. Henrique estava com vinte e três anos. Acabava de concluir o curso de Medicina e pela primeira vez na vida queria saber quem era seu pai.
Juliete não imaginava quais eram os planos de Henrique. E perguntava a si mesma, se ainda guardava em seu íntimo, a profunda mágoa de ter sido rejeitada, pelo pai do rapaz. Vinte e três anos, de muita luta esforço e dificuldades. Os pais da jovem Juliete aceitaram sua história e deram-lhe todo o apoio que ela precisou. Assim, ela pode continuar estudando, e após concluir o curso de Medicina, fez sua residência médica e continuou investindo em sua carreira. Enquanto isso Henrique crescia na companhia dos avós. Um acidente aéreo ceifou tragicamente a vida dos avós do menino e os alicerces de Juliete. Agora ele só queria saber quem era seu pai.
Depois de muito pensar, analisar, ela viu que não tinha motivos para esconder do filho quem era seu pai. Os vinte e três anos a fizeram refletir todos os dias sobre sua vida. A gravidez precoce, a força que seus pais lhe deram para não abandonar os estudos, a coragem de seguir em frente. Só precisava de um tempo para encontrar a melhor maneira de revelar ao filho toda a verdade. Sentia-se nua, desprotegida, e no fundo de sua alma, a dor da rejeição, da mágoa, ainda persistia em machucar, em apertar-lhe o peito. Não era fácil revelar o seu segredo. Um desejo egoísta e ferino de ocultar os fatos ao filho lhe possuía a alma machucada.
Com muitas lágrimas, as mãos cerradas, e muitos soluços, aos poucos ela foi contando para o filho tudo o que havia se passado, entre ela e Marcelo, o jovem por quem tinha se apaixonado de forma ardente e voluptuosa, para quem se entregara sem reservas. Ao final do tórrido romance, como nuvem passageira num dia de verão, ela sentiu-se abandonada. Parecia que ele não a queria mais, começou a evitá-la de certa forma. Juliete passou a procurá-lo em todos os lugares que antes o encontrava com facilidade. Marcelo afastou-se totalmente. Uma tarde conseguiu encontrá-lo e caiu em seus braços. Na hora do amor, mentiu para ele, dizendo que continuava tomando a pílula anticoncepcional e que ele não precisava se preocupar com uma possível gravidez. Ela sabia que ele sempre tomava muito cuidado e assegurou que estava tudo ok.
Três meses se passaram e Juliete ainda não mostrava no corpo os sinais da gravidez. Procurou Marcelo e contou-lhe seu segredo. Ele não quis acreditar, pois ela havia garantido que tomava a pílula na última vez que estiveram juntos. Juliete estava assustada, o que iria fazer? Não medira as consequências de sua insensatez. Enganando Marcelo, prejudicara a si mesma, com uma gravidez tão precoce. Após duas semanas sem vê-lo, voltou a procurá-lo. Ele foi direto, afirmando que não queria ser pai, sem ter concluído os estudos. Faria qualquer coisa para ajudá-la. Ela poderia interromper a gravidez. Desesperada já entrando no quarto mês de gravidez, Juliete sem saber direito o que ia fazer com sua vida, resolveu abortar. Seguiu todas as recomendações que lhe foram passadas no dia anterior. Saiu para o colégio, sem tomar café, com a criança revirando-lhe as entranhas e sentindo muitas tonteiras. Não foi para o colégio, entrou em um ônibus e desceu em Botafogo. Encontrou-se com Marcelo. Ele estava pálido, segurou sua mão como se nada estivesse acontecendo e levou-a para a clínica. Lá observava as pessoas, louca de vontade de sair correndo dali, e ao mesmo tempo, que tudo aquilo se acabasse rapidamente e seu corpo antes tão esguio, voltasse a ser como era antes.
Três horas depois acordava da anestesia, levantou-se, ainda meio tonta. Vestiu suas roupas, calçou seus sapatos. Foi levada por uma enfermeira para outra sala, onde lhe estendeu uma receita já pronta com a relação de remédios que deveria tomar e os cuidados a observar. Encontrou-se com Marcelo. Foram até uma lanchonete. Ela pediu um café forte com um misto quente. Após tomar o café em silêncio, ele a acompanhou até a porta do colégio. Estava quase na hora da saída, eles ficaram do lado de fora conversando, fazendo hora, até ela voltar para casa. Era mais de meio dia, quando ele a deixou na porta de seu prédio, após descerem do táxi. Ela sentia-se vazia, oca.
Henrique olhou diretamente nos olhos da mãe, sem entender. Ela parou de chorar e com um tímido sorriso, explicou-lhe: - Você é um milagre de Deus. Nem mesmo meus pais, souberam o que eu fiz naquela manhã, acompanhada de Marcelo. Um mês depois do aborto. Comecei a sentir seus movimentos cada vez mais fortes em meu útero, e falei com Marcelo. Ele me levou ao medico. E para nossa surpresa, eu continuava grávida. Fiz uma ultrassonografia e constatei que eu estava no quinto mês. Não pude mais esconder a verdade de meus pais. Contei para eles. Meus pais ficaram muito tristes com a minha irresponsabilidade e resolveram não obrigar Marcelo a assumir um erro que também era meu. Você nasceu prematuro e sobreviveu graças a Deus. Após um parto muito difícil tive uma hemorragia uterina muito forte e fui operada as pressas para retirada do útero. Após todos esses acontecimentos eu sempre imaginava como seria o outro bebê que foi abortado, e me sentia muito culpada. Resolvi dedicar-me a você e aos estudos. Marcelo passei muito tempo sem vê-lo. Numa tarde de domingo, quando estava passeando no shopping com você eu o vi. Estava acompanhado de duas meninas bem menores que você e ao lado uma jovem que deveria ser a esposa. Deu-me um frio na alma, eu segurei forte a sua mão, e entrei no primeiro cinema que encontrei. Queria fugir do mundo, e apagá-lo da minha mente para sempre, como se eu pudesse...
Henrique estava perplexo diante das revelações de sua mãe. Não sabia o que falar. Durante toda a sua vida, imaginara conhecer seu pai, agora diante da verdade, ficou meio triste, sem saber o que fazer.
Juliette mostrou as poucas fotos que guardava de Marcelo. Entregou-as ao filho, junto com um papel com o nome dele e o endereço do seu escritório de advocacia.
Henrique decidiu procurar Marcelo em seu escritório, com a intenção de conhecê-lo. Quando estava frente a frente com o desconhecido, olhou-o profundamente sem fazer julgamento precoce. Uma estranha sensação o invadiu. Explicou o que o levava até ali. Queria solicitar uma investigação de paternidade e posterior reconhecimento de paternidade. Foi orientado pelo Dr. Marcelo, quais seriam os documentos necessários e outros detalhes. Ao revelar seu nome e sobrenome, notou a ruga de dúvida que surgiu no semblante do senhor a sua frente.
- Finalmente, o encontrei, depois de tantos anos! O filho de Juliete. O meu filho. Você não sabe o que eu sofri, por tanto tempo... Ficava sempre pensando se algum dia, a vida o devolveria para o meu caminho. Esse dia chegou, e eu não quero errar novamente, fugindo de você.
Abraçaram-se sedentos um do outro, como se num simples abraço pudessem unir vinte e três anos de distância. O resto é silêncio!