"A Volta"

Nos intervalos de aula primário e datilografia à noite, meu pai me colocou na oficina de um amigo para aprender a profissão. Quando terminei o primário, comecei a estudar à noite. Era a firma de manhã até as 15 hs depois datilografia e finalmente ginásio até as 23 hs. Cursava o ginasial, já havia me diplomado em datilografia. Nesta época conheci Maria Celeste, Celeste para os íntimos. Meu nome é Mario, e começou a rolar um pequeno namorico. Em todo lugar se via gravado MC. Namoramos por dois anos, tudo ia às mil maravilhas, até que Celeste mudou. Começou a implicar com tudo, dizia que eu cheirava a gasolina, o que infelizmente era verdade. Por mais que eu tirasse, sempre ficava o cheiro. Tarde demais percebi, o amor nunca houve, ao menos por parte dela.

Aí surgiu o Juninho. Família rica, cheiroso que parecia um bebê. Como ele era um galinha e para me fazer pagar um vexame, se acertaram. Simplesmente Celeste me chamou e falou que eu não tinha ambição, perspectiva, e ela não queria ser uma empregadinha de firma para me ajudar a tratar de uma casa. Nem tentei argumentar, simplesmente mudou de M.C para J.C. Graças a isto, que considerei alta traição, resolvi sair da cidade.

Ao chegar à capital, vim indicado pelo dono da oficina à um primo seu com oficina maior. Embora não tivesse curso de mecânica, conhecia tudo sobre motores e parte elétrica. Sr. Jorge dono da oficina falou:

- Mario estou em fase de expansão e vou precisar de você, mas precisa se qualificar e aprender as novidades do mercado, estão começando a aparecer os carros eletrônicos que pouca gente conhece, vou indicar você para aprender, quer?

- Seu Jorge esta é a oportunidade que estou esperando, sei muito pouco sobre aparelhos eletrônicos.

Dois anos depois, a empresa de seu Jorge abria mais um serviço, que era para os carros com computadores de bordo. Eu dominava as máquinas e assumi esta seção. Repassei meus conhecimentos e em breve a empresa de Seu Jorge triplicou o faturamento. Eu gerenciava esta parte e não trabalhava mais, só fazia a supervisão. Fui chamado pelo Sr. Jorge para um churrasco em sua casa. Durante a festa em presença de amigos ele passou a notícia:

- Estou colocando o Mario na direção da empresa e vou abrir a opção dele adquirir cotas, se tornando meu sócio. Mario sei deu seu amor pela empresa, vejo seu esforço, Só tenho uma filha que mora fora do Brasil. Quero me aposentar em breve e não queria que a empresa morresse.

- Aceito porém com uma condição: quero comprar minha parte, não tenho dinheiro, pelo menos o suficiente, vou dar o que tenho e financio o resto.

- Aí sim, mas só você trabalha, eu não posso ficar com a metade.

- Então nada feito.

- Cabeça dura está bem vou pensar e mandarei meu financeiro passar para você valores, pois nunca gostei de tratar deste tipo de negócio.

Mais tarde recebi um telefonema da esposa do Sr. Jorge.

- D. Samara em que posso ajudar?

- O Jorge passou mal e está internado, não sei que fazer, liguei para minha filha que virá imediatamente, mas vai demorar um dia para chegar.

Corri para o hospital, lá o médico falou:

- O ataque foi fulminante mas graças a alguma força estranha não morreu ainda, tem algo que ele deseja fazer e o está mantendo milagrosamente.

Quando entrei em seu quarto ele pediu para a enfermeira tirar o oxigênio de sua boca. Ela olhou para o médico que autorizou. Eu ia falar e ele pediu:

- Escute com atenção, quero te pedir um favor... - ele demorou parece que não voltaria, a enfermeira fez menção de colocar o oxigênio, ele afastou dizendo:

- Mario te amo como a um filho, quero que me prometa uma coisa.

- Com certeza pode falar.

- Assuma a empresa como você já faz e mais ainda. Minha família, minha esposa, minha filha, promete?

- Prometo sim...

- Então jure....

- Sr. Jorge, juro que cuidarei delas como se fosse o senhor. Eu lhe devo tudo, se sei alguma coisa é graças ao Senhor.

- Você jurou vai ter que cumprir sua palavra. - Apertou minha mão com força. A enfermeira tentou colocar o oxigênio, mas o medico disse que não precisava mais, ele estava morto.

Tomei todas as providencias para o velório e enterro. Como tinha certa intimidade com sua esposa não a deixei um minuto sequer. Sua filha chegou do aeroporto no último momento, não poderíamos retardar mais o enterro. Chorou bastante e eu me afastei par não atrapalhar mãe e filha. Após algum tempo D. Samara me apresentou.

- Mario, esta é minha filha Sabrina. O Mário, é sócio de seu pai e amigo da família.

Não quis contradizer então fiquei quieto. Após o féretro, conduzi as duas à sua enorme casa. Já ia me despedindo quando D. Samara falou

- Fica para um cafezinho ou um lanche. Sabrina disse:

- Estou morrendo de fome. Queria comer um lanche daqueles que a senhora sempre me fazia. Prevendo isto e sei que o Mario tem gosto igual ao seu fiz lanche para todos.

Sabrina era uma cópia de D. Samara que era muito bonita. Seus cabelos e olhos negros denunciavam sua descendência árabe. Enquanto conversávamos, ela olhava dentro de meus olhos. Inspirou-me tanta confiança, que contei minha vida toda. Ela também contou suas dificuldades no estrangeiro, seus namoricos. De repente percebi D. Samara dormia no sofá. Falei para ela:

- Desculpe a indelicadeza, vocês cansadas e eu aqui atrapalhando, foi muito bom conversar com você, falei até demais, agora você sabe todos os meus segredos. Você namora? Tem alguém?

- Tenho.

- Percebi seu olhar de tristeza.. - ela disse - Parabéns a ela tem muito bom gosto.

- Ah mas não é pessoa, é a empresa. Tive alguém no passado, mas eu não era bom o suficiente para ela.

- Conta-me, não é muito tarde e a história é muito longa.

D. Samara acordou:

- Meninos fiquem a vontade vou tomar um remédio e tentar dormir. Mario não ouse falar em ir embora deixando duas donzelas desprotegidas, seu quarto está pronto. Sabrina lhe mostrará o quarto de hospedes.

Saiu e eu fiquei feliz, mas fingi, falei não queria dar trabalho. Só Sabrina ouviu, sua mãe já tinha se retirado.

- Queria tanto um cafezinho brasileiro vamos à copa? - Não tinha café e ela falou – Estou envergonhada não sei cozinhar nem fazer café.

- Modéstia parte cozinho bem e meu café é famoso. Vou mostrar para a senhora porque ganhei o emprego na empresa.

Ela adorou o cafezinho, contei com detalhes meu fracasso amoroso.

- Mario ela não te fez um mal, te fez um bem, não soube valorizar, se não compreendeu, breve, verá o que perdeu.

- Obrigado doutora, agora então tenho uma irmã e uma protetora.

- Protetora sim, irmã, não sei.

- Quero marcar uma reunião com você para passar a presidência da firma, mas não se preocupe estarei a seu lado para ajudar até você conhecer os tramites, depois se você quiser mudar o sistema entendo e apóio também.

- Realmente agora me deu um soninho. E você não me deu um abraço de boas vindas, está me evitando?

- Com a patroa não se deve haver intimidades.

- Então receba uma ordem me dê um quebra ossos.

Seu perfume, seu cheiro, quase coloco tudo a perder, que delícia.

- Aqui no Brasil as coisas mudaram um pouco desde que você foi embora. O empregado dedicado como eu precisa de todos os dias receber muitos abraços do patrão.

Ela gargalhou ficando mais bonita como se fosse possível. Subimos as escadas aí ela falou:

- Seu quarto é no fundo do corredor, este é o meu e aquele do outro lado é o de mamãe. Boa noite meu irmão.

Ela entrou no quarto e fechou a porta ouvi um leve clic D. Samara estava nos vigiando. No quarto de hospedes tinha de tudo, parecia um apartamento, tinha até frigobar com sucos e cerveja. Acordei por volta das sete e trinta, com pancadas na porta. Abri e para minha surpresa a corredora mais linda que eu havia visto até aquela data estava na minha frente.

- Que aconteceu está doente? Mulher, um homem honesto não pode dormir de madrugada?

- Não sei como a empresa não faliu ainda. O senhor devia estar de pé a horas.

- Senhora aqui no Brasil tem lei contra o sossego publico quer ir presa?

- Anda chorão tome agasalho, era de meu pai, te espero na pista, estou me aquecendo. Tomei um banho rápido e as roupas, folgadas demais para mim; aquela briguenta ia ver uma coisa. Sempre fui um atleta nato, adoro me exercitar. Fiz um aquecimento rápido e fui para a pista, ela era ótima atleta também. Corremos uma hora e meia. Ela falou:

- Você comeu baterias?

- Porque princesa? Donde você veio não se exercitavam?

- Sim! Estranhei você, brasileiro, sedentário, só trabalha sentado.

- Mas sou Acemista, nado e corro sempre que posso.

Tomamos um banho e ela pediu:

- Tem jeito aquele café?

Preparei pois os empregados só chegavam às dez horas, era o costume de D. Samara que dormia e acordava tarde. Fiz torradas, café, também um suco de beterraba que é muito saudável. Ela adorou o café.

- De sua patroa que sei é uma megera feia e brava, vou te mandar embora, você já está empregado, para fazer meu café de manhã.

- A senhora se enganou redondamente, minha patroa é uma megera, mata todos de paixão. Só que seu conceito de beleza precisa de reparos ela é linda e se um dia eu tiver coragem direi isto a ela.

D. Samara chegou:

- Que aconteceu? Ficaram loucos? Não foram dormir ainda?

- D. Samara me desculpe perdi o sono e acabei acordando a todos me desculpe.

Ela sorriu gentilmente:

- Você parece um inglês, gentil e cavalheiro. Mas eu assisti a tudo, esta mocinha quebrou o costume da casa. Aqui as coisas só acontecem após as dez horas da manhã. - Mamãe o Mario correu comigo fez café, realmente foi um gentleman, só falhou o abraço quebra ossos.

Ela me agarrou e me deu um beijo no rosto, na verdade assustado desviei o rosto e o beijo no rosto acabou virando um shoquinho. D. Samara fingiu não ver, mas começou a falar da casa de praia que deveríamos visitar e quem sabe reformar, pois estava abandonada. Todos falamos ao mesmo tempo, pois estávamos envergonhados, mas não arrependidos.

- Mario queria te pedir um favor. Só por enquanto você poderia vir morar aqui?

A proposta me pegou de surpresa e Sabrina também só que sorriu.

- A firma ficou fechada por luto de sete dias. Mas os diretores se prontificaram a trabalhar em casa. Teremos uma reunião hoje às 15,00 horas e vocês Mario e Sabrina deverão estar lá. Eu também estarei, pois temos coisas importantes a tratar.

- Tenho que ir em casa trocar de roupa e fazer as malas.

- Não precisa, já está tudo no seu quarto, como sei se que você é um cavalheiro e não ia recusar meu pedido, o motorista de casa o Sr. Antonio, já trouxe suas coisas, só de urgência, pois o apartamento é muito bonito para deixar fechado ou se desfazer.

- Obrigado D. Samara, mas o quarto de hóspedes está vazio. Sim o seu quarto fica ao lado da biblioteca, você vai gostar tem até um mini escritório, você pode comandar a empresa de casa.

Meu quarto que era tudo menos quarto, tinha de tudo, sofás, lareira, computador, TV um barzinho, uma mini cozinha, melhor que no meu apt. Após um almoço leve, o Sr. Antonio, nos levou à empresa. Tudo foi acertado e distribuído os cargos a todo o pessoal de confiança. Só ficaram fora D. Samara, Sabrina e eu. O diretor mais antigo falou:

- Agora a parte mais importante: a presidência da empresa, ficou dividida em três partes. D. Samara que passa a ser presidente de honra e conselheira. D. Sabrina presidente e conselheira e o Sr. Mario presidente principal. O Sr. Jorge doou 33º por cento de todo seu patrimônio ativo e passivo para o Sr. Mario. Como não poderia ser doado fez uma venda das ações a um preço simbólico D. Samara doou fez a doação de 50º por cento para você e 50º por cento para Sabrina então são sócios.

O escrivão velho amigo da família tinha uma carta para ser lida aos três, nela ele agradecia a esposa pelos anos de felicidade e a filha pedindo que e ajudasse a administrar a empresa. Disse também que gostaria muito de ter eu como sócio e que eu fiz com que a empresa ficasse grande como estava . Pediu que eu fizesse o favor de cuidar de sua família e tinha certeza que eles estariam em boas mãos. Pediu pra a família que confiasse em mim.

Trabalhar com Sabrina era uma delícia, assimilava tudo com facilidade. Almoçávamos na firma que tinha excelente cozinheira ou saíamos para algum lugar de sua preferência. À noite eu assistia televisão com D. Samara e já tinha tomado meu banho, só esperava Sabrina para sairmos para jantar fora. Ela desceu as escadas toda cheirosa irradiando saúde, e perguntou:

- Gostou do meu batom?

- Não sei não experimentei. - Ela fez menção de tirá-lo da bolsa.

- Mamãe veja como não se pode confiar nos homens? É só ver uma mocinha sozinha e desprotegida já querem atacar, seu gavião.

D. Samara levantou e disse:

- Sentem ali. - Apontando um sofá de dois lugares. - Estou cheia de ver vocês fazerem provocações. Porque não namoram e pronto estou sofrendo com isto, fico pensando:" é hoje", e chegam os dois irmãozinhos todo cheio de dengo. Eu já dava uma cantada, se a moça topasse bem senão, partia para outra.

- Mamãe se ele partir para outra eu o mato.

- Isto quer dizer que sim?

Ela me agarrou e me lascou um beijo na boca. D. Samara falou:

- Ainda bem. Pensei que ao invés de netos, teria bisnetos. Agora vou dormir, vão jantar sozinhos.

- Mas mamãe!

- Chega de segurar vela me esqueçam.

- Ela ficou brava?

- Não bobinho ficou feliz.

A partir daquele dia nosso relacionamento foi ficando mais quente a ponto de eu convocar mais uma reunião.

- D. Samara, preciso falar com a senhora e com Sabrina. Vocês são tudo que tenho, e meu sangue de cigano me faz perder o controle, quero me casar. - As duas choraram - Quero muitos filhos, meu respeito pela senhora e Sabrina me obrigam a fazer as coisas tudo dentro do respeito, com seu consentimento.

- Vocês dois são jovens, fortes e a vida deve ser aproveitada. A Sabrina me confessou seu sonho de casar com você, mas você nada disse.

- Meu Deus estou perdendo tempo, vocês me aceitam com filho, genro estas coisas? - - Agora vamos jantar pois gostaria de brindar. Mas oficialmente vamos marcar a data pois nossa vida social exige satisfações.

Agarrei D. Samara e a beijei no rosto várias vezes, calma rapaz sua namorada é ela. Mas eu a amo também. Ela sorria mas percebi que seus olhos ficaram vermelhos e ela ia chorar. Após aquele jantar a vida ficou melhor, passeávamos bastante. Certo dia peguei algumas fichas de candidatas ao emprego de secretária. Reconheci, a foto e o nome da candidata. Falei para Sabrina que aquela foi à moça que namorei no passado. Vendo a ficha ela falou:

- Tem qualificação? Você quer dar chance a ela?

- Amor, não tenho raiva, mas prefiro que não tinha parâmetros, pensei ser ela uma pessoa especial. Ela é apenas uma pessoa legal e eu só quero secretária, para desafogá-la do trabalho, para namorar já tenho.

Senti que era isto que ela queria ouvir. Quando saíamos encontramos Maria Celeste.

- Oi Mário tudo bem?

- Tudo bem, passeando?

- Não tentando um emprego.

- Ah Amor, esta é Maria Celeste, uma colega de estudos do passado, apresento minha noiva.

- Prazer, foi legal te encontrar.

- Também.

Saímos e da rua percebi a funcionária falando para ela quem éramos nós (os patrões). Dei um beijo em Sabrina e falei:

- Estou vingado, mas não sei se gostei.

- É que você tem um bom coração, mas com certeza o outro que ela arrumou não tinha.

Mudamos o escritório para os Estados Unidos, porque fechamos com várias agências de países vizinhos e a diretoria achou que seria bom para o Marketing. Conseguimos levar minha sogra-mãe conosco que hoje é governanta da casa por opção e ajuda as babás e cuida dos nossos bebês. Nosso time ainda está incompleto, mas já temos quatro, quando falo que quero dez, apanho como mau menino que sou.

- Você não tem dó de mim?

- Não porque você está mais bonita ainda.

D. Samara veio em defesa do Jr. Porque tinha feito má criação.

- A senhora está estragando as crianças.

- Mario vou esquecer que sou sua sogra e mãe e lhe dou uma surra.

- Desculpe eu retiro tudo que disse, se a senhora me der um abraço.

- Sim mas nada daqueles de urso, quebra ossos, as crianças tem ciúmes.

Eu a abracei beijei e falei muito obrigado.

- Graças à senhora sou um homem feliz, pois tenho tudo do melhor, filhos, esposa, mãe, emprego.

À tarde gostamos de correr no parque próximo de casa. Falei para Sabrina:

- Você está correndo muito forte diminua um pouco.

- E aí campeão você pensou que me enchendo de filhos ia acabar comigo?

- Desculpe amor eu é que me acabei, peço água e jogo a toalha - Puxei-a pelo pé e caímos na grama. Um policial com um bastão na mão falou:

- Com este calor todo porque não se casam, quero ver se continuariam assim depois de um ano.

Agradeci a ele o conselho e prometi me comportar, falei:

- Vou casar com ela.

Saímos do parque rindo. Este mesmo guarda nos viu outro dia com as crianças e falou:

- Já?

- Pois é, o fogo não acabou.

D. Samara nos deixou, morreu feliz cercada de amor filial.

Agora as crianças cuidam da empresa e eu estou aposentado. Não corremos mais, só caminhamos no Central Park. Mas nosso amor continua gigante na mente, porque o corpo às vezes falha.

Este conto é uma pequena homenagem aos casais que ficam juntos a vida toda sem perder a jovialidade até que papai do céu resolva separá-los ou levá-los para outros jardins

OripêMachado

Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 25/11/2011
Reeditado em 25/11/2011
Código do texto: T3356370
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