"Dulcinéia".

Acho que deveria ter treze para catorze anos. Eu era um crioulo, ajeitado, quase um metro e setenta, dançava bem, corria bem, mulher chovia.
Mentira, tudo mentira.
Eu tinha um metro e coisa, magro eu era, mas mulher nenhuma dava bola. Na rua de minha casa morava uma menina, Dulcinéia. Pensa num avião, pensou baixo meu irmão, aquilo era para encher um caminhão, melhor que qualquer destas que dançam no... Ou no..., sabe? Um dia passou por mim e deu risada. Se eu não fosse jovem teria morrido na hora. Depois da olhada foi toda reboloza, para os lados do campinho de futebol. Pensei.
– É tua cara vai lá, joga ela na grama nego bobo. Venci o medo e fui. Ao chegar ao campinho, o maior desgosto, da minha vida. Dulcinéia, a Néia, tudo que eu achava de perfeição, estava fumando um baseado, com o Jalecão. Jalecão o pior elemento da terra, nocivo, ladrão, traficante, só não era pior porque não encontro a palavra certa. Passei por eles e dei um Oi. Se não cumprimentar o bicho pega. O bicho não anda de oitão, anda de quatro ponto cinco e já zerou um monte. Pela decepção resolvi sair dali. Tinha um primo que sempre me chamava para morar com ele e eu não pensei, fui. Lá na casa dele virei empregado. Porque eu quis, para pagar o favor entende? Minha tia, minhas primas, gostavam de mim. Para provar que eu era gente comecei a estudar, Ripei só tirava dez. Arrumei um emprego bom e saí da casa de minha tia. Ganhava muito bem, ajudei minha tia, meu primo, e minha família. Entrei na faculdade. Certo dia voltando da faculdade, parei em um farol. Tinham umas moças se virando, uma encostou. Quase morri de susto.
-Dulcinéia? Era ela. Uma mulher gorda, fora de forma, com dentes estragados, fumando feito uma chaminé.
-Você me conhece?
-Eu te vi algumas vezes com o Jalecão.
-Aquele F.D.P. me explorou, me viciou, tinha um corpo bom, ele me encheu de filhos, e agora estou aqui.
-Mas vou reagir, o ano que vem vou estudar.
-Você tem cigarros?
-Não eu não fumo.
-Que pena tava com vontade de dar um péguinha, me empresta dez?
- Claro empresto sim, dei-lhe uma nota de cinqüenta.
Ela falou.
-Você quer ir a algum lugar?
-Não fica pelos velhos tempos. Ela desceu e eu fui embora. Dei um grande suspiro e pensei
– Tinha tudo para ser e fazer um homem feliz.
Hoje tenho uma família, vivemos bem, moramos em bairro nobre. Não sei por que me lembrei disto, parte da minha vida quando conheci. Dulcinéia, a mulher violão.

OripêMachado.
Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 24/11/2011
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