No Começo do Século
Ela cantava. Ele: um poeta apaixonado e às vezes louco. A física talvez colabore para essas coisas. Pois ali havia de tudo: desde forças opostas que se atraíam em planos invisíveis a objetos em quedas livres com velocidades que não só dependiam das leis da gravidade. Sim, ele era um poeta e como tal foi vítima de quedas vertiginosas dos momentos de maior esperança àqueles de puro desencanto.
Ele escrevia. Ela: dona da voz que comandava seus sonhos. Poucos se aventuraram a descobrir o simbolismo que tantas vezes ele queria que fosse descoberto. Perguntava-se, atônito, se ninguém havia reconhecido aquela flor a mais no fim de seus contos ou a chuva torrencial que persistia por três poemas seguidos. E se reconhecessem? Pobre homem.
No alto de suas emoções escrevia. Escrevia quando chorava a pensar que ela nunca mais seria sua. Escrevia quando alegre imaginava o amor no coração dela também. Usava sua máquina de escrever. Achava romântico que assim o fizesse. Mas vivia também em espera. Cada dia deixava uma marca de dúvida. Não tinha o sim que sonhava, nem o não que o libertaria.
Era uma tarde de primavera quando viu que já não podia esperar. O calor de início de tarde o oprimia enquanto pensava nos casais sentados numa praça, num parque, numa calçada a jurarem amor eterno. Pela janela viu um Mustang passar pela rua. A chuva que caiu algumas horas depois, por sua vez, lançava lágrimas a seus olhos. Pela janela entrava um vento gélido. Sentiu a falta de ter suas mãos aconchegadas nas mãos da amada. A seu lado apenas uma velha máquina, enquanto ele pensava nela lá no outro lado da cidade. Se desesperou. Correu pela casa, tomou dois goles de Coca-Cola e fingiu se distrair com um livro – até que percebeu que o livro era um romance tão triste quanto aquele dia. Concentrou-se por um instante. Lembrou da voz de sua musa, da sua inteligência e a ironia que sempre a acompanhava, das palavras ditas e escritas que o faziam sonhar com um futuro a dois, da sua beleza que só ela, e mais ninguém, tinha. Por alguns momentos, duvidou da própria sorte de tê-la conhecido. Disse seu nome mais uma vez.
Quando enfim despertou já era noite. Percebeu que havia dormido. Entrou novamente em um de seus voos livres por suas emoções. Dessa vez sorriu. Teve esperança. Calmo, caminhou a seu quarto e sentou-se na cadeira. Escreveu uma anotação em um pedaço de papel e depois, com um toque do mouse, descobriu que ela havia deixado um novo email. Não sabia responder emails. Sempre os escrevia como cartas, mas no final das contas lhe faltava a coragem de apertar uma tecla. Talvez era assim porque tudo acontecia muito rápido. Nem teria tempo de ficar ansioso e se preocupar com cartas perdidas e carteiros esquecidos.
O mundo havia mudado, mas este era o único que conhecia. Leu a mensagem e saiu do quarto. Fingiu não perceber. Tanto o mundo quanto o email. Fingiu não deseja-la mais que tudo. Era um poeta. Perdeu a noite a pensar numa resposta. Resolveu, por fim, escrever de madrugada, quando sabia que a próxima resposta demoraria, pelo menos algumas horas, a chegar.
- Hoje, senti sua falta – ele digitou.
Teve uma surpresa quando a resposta chegou antes que se deitasse. Também estava acordada. Também sentia sua falta? Não sabia. Um raio atingiu os cabos de luz.