Entreolhares

Todos os dias eu ia para aquele ponto de ônibus, às três horas da tarde, e todos os dias eu a via passar por ali. Nunca trocamos uma palavra, mas eu conhecia seu tom de voz pelos dias que passava por mim falando ao telefone. Nossos olhos se encontravam e os dela, cor de chocolate, me contavam sua vida, seus momentos, alegrias e tristezas. Como ela era? Ah! Meu amigo, uma perfeição dos céus; pelo que eu saiba, tinha mais de trinta.

Quando andava com aqueles seus vestidos curtos e floridos, sorriso alegre e serelepe no rosto, os cabelos castanhos presos em um rabo de cavalo, eu sabia. Seus olhos, que se demoravam nos meus, me contavam sobre a noite prazerosa que passara com o seu marido e como ele a fizera se sentir bela e jovem. Nessas vezes, eu sorria de volta como quem não quer nada, escondendo aquela ponta de invejinha de querer estar com ela, no lugar do seu marido.

Alguns dias eu precisava amarrar minhas mãos com cordas invisíveis de boa vontade para não juntar meu coração ao dela, estancando o sangramento visível em seus olhos marejados. A calça jeans mais antiga, uma camiseta qualquer dos anos 80, a mão nos cabelos, indicando que algo estava fora de lugar; um anel, uma blusa, uma vontade, um desejo, um sentimento. Seus olhos transmitiam mágoa e pediam ajuda. Passava lentamente, demorado suas íris sobre as minhas, como se de alguma maneira, o meu olhar a acalmasse, nem que por um milésimo de segundo.

Depois disso, desfilava pela minha frente, de vestido vermelho que deixava suas belas pernas torneadas à mostra, uma maquiagem em seu rosto delicado, os cabelos com a escova que ela fizera no cabeleireiro pela manhã. As unhas pintadas, e os pés em uma linda sandália dourada de tiras. Seu sorriso malicioso, a mordida no lábio inferior me excitava, e eu não podia deixar de imaginar o gosto saboroso daquele corpo, as curvas que eu adoraria beijar, morder, abusar e lambuzar. Ela ria alegremente, percebendo o efeito inebriante que tinha sobre mim. E eu, pobre alma, o que poderia fazer?

Então, algo aconteceu. Não sei o que houve, mas pude imaginar. Naquele dia, meu ônibus atrasou, e só assim pude vê-la, pois passou por ali mais tarde do que normalmente. Usava calça jeans, um blusão de mangas compridas, tênis, e óculos escuros nas mãos. Encostou perto de mim, como se quisesse conversar, mas não soubesse o que dizer. Nossos olhares se cruzaram novamente, e pude vê lágrimas tímidas querendo sair. Segurei em suas mãos, percebendo que aquele dia ela parecia mais chateada e nervosa do que o normal.

- Por que uma mulher tão linda como você, está tão triste assim? – perguntei em uma voz baixa.

- Ele... Nós brigamos, por causa daquele dia que saí... Eu... Não sei o que fazer.

- Não fica assim. Você é uma mulher extraordinária, quem me dera se eu pudesse estar no lugar dele... Nunca deixaria você sozinha, nem permitiria que se sentisse assim. – ela sorriu para mim, respondendo:

- Obrigada, você é uma garota linda, sabia? E muito especial também. Quem sabe um dia...

Seus olhos se fecharam e ela se aproximou de mim. Seus lábios tocaram os meus, eram tão macios! O seu beijo me deixou extasiada, suspirando de desejo, suas mãos tocaram meus cabelos e minha nuca. Ela mordiscou meus lábios e deu um mínimo sorriso. Olhou dentro dos meus olhos e então eu entendi. Tão rápido como veio, se foi, e eu desejei-lhe boa sorte.

Quando a vi novamente, dali a dois dias, percebi o sorriso em seu rosto. É, ela tinha voltado com o marido. Vai ver ele a estava fazendo feliz, era o que eu realmente esperava. Andava com um vestido comprido, azul claro, os cabelos esvoaçando, rasteirinha nos pés, uma correntinha no pescoço, e um sorriso no olhar. Baixou a cabeça lentamente quando me viu, e me deu uma tristeza no coração. Eu queria tanto segurá-la nos braços, fazê-la minha e beijá-la infinitamente, fazer todos os seus desejos e desfrutar daquele corpo e daquela mulher inebriante!

Soprou-me um beijo no ar, trazendo com a brisa um pouco do seu doce perfume. Seus lábios sussurram um algum dia e seus olhos transmitiram um obrigada. Apesar de desejar com todas as forças, nunca mais a vi. Mas ainda continuava a pegar o ônibus das três, com a esperança de vê-la naquele mesmo ponto. Dia desses, entrei no ônibus, meio sonolenta, senti em um banco e ao meu lado estava vazio. Ótimo! Poderia descansar sem ser incomodada. De repente, senti um perfume no ar e as lembranças a invadirem minha mente, avassaladoras.

- Posso me sentar? – sentou-se. Com aquele sorriso e aquele olhar, não precisou dizer com palavras, mas eu já sabia. Sorri de volta, e pela primeira vez, senti-me confiante para concretizar meus devaneios mais secretos com aquela doce mulher.

Laris Neal
Enviado por Laris Neal em 12/11/2011
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