(capa:Rafael Velloso)


     “Alô? Alô?... Luciana atende! Olha,já é a sexta vez que ligo hoje e só cai na secretária. Ontem liguei nove vezes, inclusive depois das dez da noite. É impossível você não estar em casa, em plena segunda-feira, às dez da noite! Pensei que tivesse dito que seríamos amigos... Mas enfim, não quero brigar contigo. Não liguei pra isso. Liguei para saber se na quarta-feira, amanhã no caso, eu posso passar aí na tua casa pra pegar minhas coisas. Deixei um monte de roupas e livros, e posso precisar agora que estou solteiro, né? Espero sua resposta.”
 

     Luciana se levantou do sofá equilibrando o prato de salgadinhos e o copo de Coca-Cola na mesma mão, enquanto apertava o botão que apagava as mensagens da secretária eletrônica. Enquanto fazia isso, pensava e agradecia ao inventor de tal aparelho, mesmo que não fizesse ideia de quem teria sido.
     Com um sorriso de satisfação, colocou o prato sobre a pequena cômoda onde o aparelho ficava, e pegou algumas mini coxinhas de galinha. Adorava aquilo. Era o tipo de coisa que comia sem se importar com algumas celulites ou estrias que surgissem devido a sua ingestão. Mastigou sorridente e engoliu-as calmamente, aproveitando cada sensação que o sabor lhe proporcionava.
     Era uma mulher tranquila. Aproveitava todas as chances que tinha de se divertir, e tinha um bom astral. Suas amigas a adoravam por seu bom humor e senso de compaixão. Luciana adorava ajudar os outros, e isso fazia com que todos sempre fizessem questão de tê-la por perto.
     Uma dessas pessoas foi Bento, seu namorado por três anos. Conheceu-o numa balada de sexta-feira, no bairro da Lapa. Estava parada em frente ao banheiro químico, segurando a porta enquanto sua amiga Carla, totalmente bêbada, urinava. A porta estava quebrada, e se saísse dali, provavelmente entrariam ali e a veriam naquele estado, filmariam, colocariam no youtube, e pronto! Estaria feita a desgraça!
     Foi então que Bento se aproximou, falou sobre como ela era bonita, sobre Elton John (que tocava num jukebox ao fundo), e os dois conversaram durante toda a noite. Tinham muito em comum, gostavam das mesmas coisas, e eram apaixonados por coxinha de galinha, principalmente com catupiry ou requeijão dentro. A paixão foi tamanha, que em menos de três meses, estavam morando juntos num apartamento simples no bairro de Copacabana. Foram três meses intensos. Muito amor, muito sexo, descobertas, declarações, passeios em lugares românticos, mais declarações. Tudo estava maravilhoso, mas Luciana, irreconhecível.
     No primeiro ano de namoro, os dois viajaram para Buenos Aires. Foi a viagem dos sonhos dos dois. Ali, viram que o amor estava presente e que seria eterno. Lu sabia que Bento era o cara de sua vida.  E Bento, esse só sabia elogiá-la. Ficava impressionado pelo poder de sua namorada em agradar a todos com pequenas coisas, pequenos gestos. E isso o fazia sentir orgulho, se sentir presenteado por ter ao seu lado alguém tão especial.
     Mas se por um lado um se dedicava ao outro, por outro, os dois se isolavam do mundo cada vez mais. A moça já não saía com seus amigos. sempre negava aos convites de encontros, sempre inventava uma desculpa. Já Bento, nunca podia sair, e na verdade também não gostava. Sabia que no fundo não queria dividir sua namorada com ninguém. Sabia que com tal poder de simpatia, logo surgiriam engraçadinhos que iriam desejá-la. Bento se sentia ameaçado.
     E, depois de quase dois anos, o casal brigou feio pela primeira vez. E não briguinhas bobas como as poucas anteriores, como quando brigaram por não brigarem, o que para ela seria algo que demonstrava desinteresse e comodismo de ambos. Ou da vez em que Bento cismou que Luciana estava estranha e fria, o que gerou uma briga em que os dois choraram e transaram loucamente depois. A briga feia, que enfim os separou, foi pelo fato de estarem juntos, apaixonados, mas fechados para o mundo. Bento vivia para Luciana, e Luciana vivia para Bento.
     Os sonhos e planos de ambos estavam estagnados. A faculdade de propaganda trancada há dois anos cada vez se afastava mais de um retorno. E a viagem para conhecer todo o Brasil, que ele tanto programava, cada vez ficava mais impossível. Os dois então discutiram, trocaram acusações, se ofenderam, e desmancharam a união.
     O pedido de término partiu da moça. Ela se sentia sufocada. Ela queria saber como estava a vida lá fora. Como estariam suas amigas, seu afilhado Douglas, que não visitava-o há meses e meses, quase anos. Bento ficou perplexo. De repente, se viu ali sozinho, encarando-a enquanto tirava suas gavetas do lugar e juntava todas suas roupas sobre a cama dos dois. Ela parecia ansiosa para se livrar daquilo tudo.
     -O que você está fazendo, garota? Deixa minhas roupas aí! –pediu se aproximando da namorada e puxando suas blusas de suas mãos.
     -Você vai embora hoje. Não quero passar mais nenhuma noite contigo aqui. Vai pra casa do seu irmão, da sua mãe... Mas sai daqui, Bento.
     -Não acredito que vamos terminar assim, Lu. São três anos...
     -Ótimos anos, mas hoje você disse algo que fez sentido. Você disse que não queria olhar pro passado e se arrepender, não foi? Pois é, eu fiz isso em alguns segundos e vi que tô arrependida. Por favor, pega suas roupas e saia. - pediu calmamente, apontando para o monte de roupas emaranhadas.
     -Você tá sendo egoísta...
     -Sai Bento! Leva suas roupas, leva tudo que você comprou pra casa. Mas sai!
     -Olha como você está falando comigo! Que raiva toda é essa, Luciana?
     -Eu estou sufocada! Estou de saco cheio! Bento, chega! Quero viver minha vida, quero ver meus amigos. Sai! Por favor.
Não havia o que se fazer. O rapaz juntou as roupas de qualquer modo, e saiu.
     No elevador, ele chorou ao se lembrar de tudo que havia vivido ao lado de Luciana. E queria consertar as coisas. Estava disposto a tentar, mas não naquele momento. Esperaria ela ligar e dizer que tinha exagerado. Ou então, ele mesmo ligaria. E sabe, não se pode dizer que o rapaz tenha tentado.
 
     “Luciana, é sério, atende esse telefone. Eu preciso te entregar as chaves. Eu tô tentando falar com você há dias, poxa. Ontem encontrei o seu primo Nilton no Shopping Tijuca, ele não sabia que a gente tinha terminado. Estranho, pois no seu Facebook tá escrito solteiro né? Você não pensou duas vezes antes de trocar o status daquilo. Aliás, você sumiu do Msn. Não quero acreditar que tenha me bloqueado. Enfim, me atenda. Preciso falar contigo. Até logo.”
 
      “Eu não sei por que não desisto, mas olha, abriu inscrição para estágio numa agência de publicidade lá em Ipanema. Se você quiser te levo lá de carro. O meu pai conhece o dono e já falou de você. Qualquer coisa me liga, Lu. Querendo ou não, tô com saudade. Queria te ver. A gente podia sair, ir ao cinema. Enfim, apareça.
 
   “... Oi, sou eu de novo. Esqueci de te dizer... Mês que vem vai estrear a continuação daquele filme que a gente viu... Esqueci o nome do primeiro. Mas vai estrear. Pensei que podíamos nos encontrar, ver o primeiro... Eu alugo. Aí depois víamos o segundo. Deve ser legal, o elenco é o mesmo. Ah, e fazem quatro meses que terminamos. Feliz aniversário de ex-namorados. Beijos.”
 
   “... Luciana? Sou eu, Bento. Você deve saber que sou eu, afinal, quando ligo você não atende. Não sei o que está acontecendo. Não sei o que houve. Estávamos bem até pouco tempo depois de terminarmos. Se tiver conhecido alguém, tudo bem. Eu tenho que entender que você resolveu seguir a sua vida. Só quero que você me diga isso. Não quero que apenas me ignore e siga. Por favor, me ligue. Minha mãe quer falar com você. Ela disse que tá com saudades. Até mais!”
 
     Outra vez Luciana se levantou e foi até o aparelho apagar as mensagens deixadas por Bento. Ela precisava fazer aquilo por mais que machucasse. Queria se desligar, ao mesmo tempo queria falar com Bento. Ouvir sua voz. Queria conversar como antes, sem os climões e pausas que surgem em conversas desse tipo. Mas não podia. Pois o final era o começo.


     “Oi Lu. É, sou eu novamente. mas esta é a última vez que te ligo. Passei hoje em frente à sua casa e vi você beijando aquele seu amigo do colégio. Justo aquele que você dizia ser só amigo. Não queria me sentir triste. Não queria ligar, mas não tem como. Acho que para você finalmente a fila andou. Espero que consiga ser feliz ao lado dele. Amigos se tornam ótimos namorados. Namorados podem se tornar ótimos amigos também, mas pelo visto não é o que você quer...”
 
     Cansada de fugir, Luciana resolveu atender o telefone.
 
     -Fala, cara! O que é que você quer?
     -Ei, calma! Só estou me despedindo.
     -Você já se despediu milhões de vezes nesses meses. Sempre diz que não vai ligar, que não quer mais nada. Mas sempre liga, sempre me procura, e agora, como se não bastasse, fica me seguindo...
     -Eu não te segui! Nem vem com essa! Passei de ônibus e te vi com...
     -E daí? Me viu, beleza! Mas e daí? E daí se estou beijando ele? E daí? Nós terminamos? Eu estava cansada de me sentir presa. Satisfeito? Caraca! Às vezes parece que você sente tesão em sofrer!
Bento ficou em silêncio.
     -Era mais legal quando você não atendia.
     -É o que vou fazer! Amanhã vou mudar meu número e quero que você siga sua vida. Você é meu ex! foi bom tudo que rolou! Mas chega!
     -É o que estou fazendo...
     -Não Bento. Você sabe que não é.
     -Desta vez é verdade. Espero que seja feliz. Eu tô saindo pra caramba, conhecendo gente nova.
     -Não parece, Bento. Pois nesse tempo todo você parece que me segue. Poxa, siga a sua vida. Suba um degrau.
     -Você esqueceu tudo que vivemos. Tudo de bom...
     -Não esqueci. Juro que não. Só não quero é transformar meu carinho, que tá aqui guardado, em raiva de você. Não quero sentir raiva de tudo que você faz, seja até pra me agradar! Não quero mais falar sobre isso! E se continuar me ligando, vou evitar falar com você! Não é possível!
     -Pode deixar...
     -Daqui à pouco eu começo a namorar outra pessoa, e não vai ficar nada bem você me seguindo, me ligando o tempo inteiro!
     -Ok, Luciana! Eu desisto!
 
     E ele realmente desistiu. E ao passar dos meses, ela começou a sentir saudades da única pessoa que mostrava amá-la mesmo após tantos problemas. Seu ex.
     Mesmo tentando se aproximar só pelo prazer de não se afastar com o tempo. Querendo apenas estar por perto, e talvez, aos poucos ir se afastando e perdendo contato, sentindo muito menos do que uma perda súbita como Luciana queria, Bento resolveu seguir sem ela. Doeu muito mais do que esperava. Doía querer e não ter. Mas isso fortaleceria sua vida, seu caráter e suas escolhas. E também tornaria Lu uma das pessoas mais importantes de sua vida. Inesquecível sim, mesmo que sendo sua ex. Sempre seria ex. Os ex sempre serão ex. Mas ela tinha seu mérito, e acima de tudo, mesmo o destratando a fim de tentar magoá-lo e afastá-lo, seu amor eterno.
 
FIM
 
Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 08/11/2011
Reeditado em 08/11/2011
Código do texto: T3325069
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