Cedo ou Tarde
Já era tarde quando ele resolveu aparecer.
Digo tarde não somente pelo momento da noite em que se transparecia uma escuridão sem fim. Nenhuma luz acesa, nem ponto claro no céu. A lua, somente, refletia sua particular luminosidade. De resto, todos dormiam, ao menos naquele canto do mundo em que eu me encontrava, já que no lado oposto era ainda dia.
Era tarde também porque já fazia muito tempo e, desde então, muita coisa havia mudado, inclusive a inquietação que se passava no meu peito no momento em que ele havia partido.
Quando entrou em meu quarto, se desculpou pela hora, mas certamente não havia se dado conta de que ele estava mais atrasado do que de costume. Era tarde demais. Tarde demais para os nossos erros se tornarem acertos. Tarde para iniciar aquela conversa com o intuito de finalizar a nossa ultima palavra.
Ele se sentou na beirada da cama e parecia curioso ao olhar para o modo com que eu levava a minha vida.
- Por que está aqui? – ele rompeu o silêncio.
Eu não consegui dizer nada. Analisava o seu rosto que tentava compreender o meu, e nessa troca de olhares confusos ele se levantou e caminhou ate mim.
- Eu não sei como começar a me desculpar.
Eu respirei fundo.
Ele pegou em minhas mãos, as beijou.
- Eu fui um idiota. Um completo idiota.
Eu ainda não dizia nada, então ele prosseguiu, acreditando que aquilo era ainda necessário.
- Sabe como dizem, não é? É necessário a distância para dar às coisas o seu devido valor. Eu precisei perdê-la para me dar conta de que jamais conseguiria...
- Pare.
Ele parou então, como eu sugeri e me lançou um olhar curioso, que permaneceu a me analisar mesmo quando eu mesma fechei os meus olhos na tentativa de encontrar as palavras certas.
- Acredite, - ele prosseguiu, - eu falo sério.
- Sei disso. Eu nunca duvidei.
- Então me deixa terminar...
- Já terminou, Antônio. E não foi a sua partida que determinou o nosso fim, foi o tempo.
- Eu...
- Não quero que fale. Não percebe o quão desnecessária é essa conversa? – eu sorri para acalmá-lo. – Perceba, eu não sinto raiva, eu não sinto ódio.
Então ele compreendeu, mas à seu modo, que era oposto ao meu.
Quando eu disse as ultimas palavras ele interpretou errado e tentou me beijar, mas eu recuei.
- Eu não estou entendendo. Se você diz me perdoar, o que há de errado ainda?
- Eu lhe disse que não existe mais ódio ou magoa, mas você não me deixou terminar dizendo que também não existe perdão. Não existe mais nada, Antônio, só lembranças.
- Você não acredita mais em mim...
- Acredito. Confie em mim, eu acredito. Eu só não preciso mais das suas palavras para viver. Há um tempo atrás, você era como o ar pra mim, e quando partiu me faltou tudo, inclusive vida. E eu sonhei tanto com esse momento. Tinha na minha cabeça todas as coisas que queria lhe dizer, todas as feridas que queria compartilhar na esperança de que você se arrependesse. Foi quando eu me dei conta de que eu era capaz de curá-las sozinha, porque elas não ardiam mais como antes. Agora, quando você finalmente retornou, não me restam mais feridas, muito menos a vontade de revivê-las.
- Mas nada do que se foi será como antes!
- É claro que não.
- Escute o que eu tenho para lhe falar, eu tenho tanta coisa pra dizer...
- Eu também tinha, mas nada mais importa.
- Como não? Talvez se você compreender o que se passava dentro de mim naquela época, eu...
- Guarde.
Seus olhos encontraram os meus depois de percorrer o chão e o ar, perdidos. Ele abriu a boca para dizer alguma coisa – qualquer coisa, - mas não saiu nada. Ao invés disso, ele começou a chorar.
- Acho que tudo o que quisemos dizer um ao outro durante todo esse tempo cabe dentro desse único momento. Portanto, não diga nada. Se quiser ainda falar, fale com a lua, ela é a melhor ouvinte que você irá conhecer durante toda a sua vida. Depois, quando nada mais estiver guardando dentro de si, volte pra cá. Quero que volte vazio, sem nada, como o começo de um livro que se inicia sem nenhum passado nem presente, mas apenas na ansiedade de começar um novo capitulo.