"Professora Bernadete"

Não sei quando começou, mas estava apaixonado.

Estava eu com nove anos, entrei para o primário atrasado, pois com nove anos normalmente as crianças já estão na terceira série.

Só consegui entrar para a escola porque minha mãe, que nunca exigia nada de meu pai, pois era ele seu deus e senhor e suas palavras em casa eram lei, pasmem, aquela baixinha encarou o velho e disse: "O menino vai para a escola e está acabado!". Houve vários argumentos, tínhamos uma roça para cuidar e perder uma colheita embora pequena para uma família como a nossa, seria o caos.

Mesmo assim, fui para a escola.

Vocês já viram uma fruta temporona?

É mais ou menos assim: são enormes, as outras são pequeninas e só ela aparece, pois nasceu primeiro, fora de época.

Em relação aos primeiro-anistas, eu era temporão.

Sempre fui desenvolvido, pois o trabalho da lavoura é uma academia.

Formávamos uma fila indiana para entrar para a classe, de qualquer lugar que você olhasse via eu, o temporão.

Mas se na minha classe era o maior, os meninos de minha idade tinham motivo de sobra para as chacotas, e eu não escapava.

Não pertencia a classe nobre da cidade, pois era do sítio e tudo que fazia era motivo de risos.

Como paciência não era o meu forte o “pau comia”, chegando na classe em frangalhos.

Aí apareceu a princesa, devia ter uns quarenta anos, não sei, mas como era linda.

Me pegou no colo e passou um remédio que ardia pra burro, mas para mim, era suave e doce.

- Está doendo?

- N..não ta não... - senti o cheiro de seu cabelo era suave, doce, talvez lavanda, não sei, mas era o máximo.

Bernadete era seu nome, alta. Talvez um metro e... Sei lá, assim sabe? Deste tamanho. Uma princesa!

- Se eles te baterem de novo me avisa ta?

- Tá.

Depois deste dia chovia presentes. Mexerica, manga, o que eu conseguisse, entregava para ela que talvez até jogasse fora, pois todos a presenteavam.

Foi para mim o melhor ano de minha vida.

- Toninho, você é muito inteligente! - Pronto. Ganhei o dia. Então me esmerava, estudando de dia, de noite, de madrugada, não gostava de estudar, mas os elogios... Estes me davam enorme prazer.

No mato trabalhando, ou apartando os bezerros, sonhava com ela, em nos casar e ir morar no sitio, não sei onde colocaríamos meus pais e minhas duas irmãs, mas esse problema era menor.

Muitas vezes chorei, choro de homem, por vê-la fazendo carinho em algum colega, aquilo me mortificava.

Certa vez, vi um professor chegando e segurando sua mão, o danado não largava, não sei o que conversavam, mas ela ria e ele também, não largava a mão dela, tive sanha assassina.

Fiquei com raiva e não quis mais estudar, só que a coisa tinha tomado proporções, lá em casa meu pai me exibia para os amigos:

- Este não vai ser burro não, vai estudar, ser doutor, médico, ah esse vai!

Sem opções, voltei a estudar, pois tinha que ser melhor que aquele professorzinho de merda.

Realmente me sobressai dos demais e assim foram o primeiro, o segundo e terceiro, daí, ela saiu de minha vida, não sei para onde foi.

Sonhei com ela por muitos anos.

Me formei e realmente me tornei médico, consegui trabalhar no Hospital da Clínicas no Instituto do Coração.

Casei, tive filhos, certo dia me falou um colega estagiário:

- Tem uma paciente de sua cidade. Você fala tanto de lá, não quer vê-la?

Como chefe de equipe não tinha tempo e falei:

- Acho que não, depois talvez..

Passaram-se os dias e não tive tempo de ver o paciente de minha cidade.

Fui chamado às pressas no meu bip, complicações na cirurgia e os plantonistas não conseguiam resolver.

Como estou acostumado a estes problemas corri para lá.

A equipe estava aguardando e fomos direto para a sala de operação:

- Que houve? Por que saiu do controle.

Enquanto bronqueava com a equipe, mas sem deixar de dar o melhor de mim, trabalhamos incansavelmente por mais de quatro horas conseguimos salvar o paciente.

Alguns dias após fui visitá-la que estava em franca recuperação.

Ela sorriu para mim e eu não sei porque, tive um choque. Embora muito diferente, aquela senhora me lembrava alguém.

Ela falou:

- Doutor Antonio, desde que cheguei tentei lhe falar, pois tinha muita esperança em ser operada pelo senhor.

- Sabe quem sou eu?

- Fui sua professora lembra?

De repente eu a vi como a anos atrás. Ela estava bem velhinha, mas seus traços eram bem parecidos com meu grande amor, irônico não? Ela por muitas vezes me socorreu e agora pude mesmo sem saber salvar a vida de minha amada. Perguntei:

- E a senhora casou? Acho que a senhora era solteira naquela época.

- Não, nunca me casei pois tinha mamãe que era paralítica e cuidava dela. Nunca tive tempo de namorar, hoje sou sozinha. Na cidade tenho muitos amigos, quase todos da escola, mas parentes não.

Carinhosamente beijei sua testa e me despedi do passado que me perseguiu por tanto tempo.

ÔripeMachado

Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 06/11/2011
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