NÃO MAIS ME VERÁS ! Parte V
Estação rodoviária, em Neves. Parece um ébrio, ou mambembe. Bilhete de embarque no bolso. Recosta-se à parede e aguarda o ônibus das nove horas. As dores o impedem de dormir.
Lá vem Maria, célere, pés arrastando as sandálias desgastadas pelo uso. Vestes molhadas, grudadas no corpo negro. Sabia do horário de embarque de Fred Trouxe-lhe a mala. Também umas flores, que Irma lhe pede para oferecer – ”com amor” – à sua Mabel.
Abraçam-se os dois. Ele agradece tudo com uma prece.
Estação rodoviária, em Mauricea. Um banho de água fria. Mesmo contundido, paramenta-se para o sacrifício da festa no clube dos antigos engenheiros da ferrovia. Perfuma-se. Mabel disse estar lá à sua espera. Lê o jornal, enquanto engraxa o sapato. Vê o anúncio: “UM DIA INTEIRO DE FESTA”. – Como vou suportar?...
Corpo moído. Ela pedirá explicações. Inventará uma desculpa. – ”Seja o que Deus quiser!”.
Toma um táxi, leva as flores e, no caminho, conjetura: – “Ela adornará a mesa e sua vaidade. Até se assemelham, em beleza e função! A flor: órgão reprodutor do reino vegetal. Ela: órgão reprodutor de uma bela árvore genealógica. Um gineceu ávido da presença do estame que está em mim”.
Chega ao clube. Não tem o convite. – “Minha mulher já deve ter entrado!” – desculpa-se. Um amigo facilita o ingresso. As dores o obrigam a encontrar, logo, a mesa reservada.
Reconhece alguns velhos “amigos prediletos”. Começa a ouvir canções remexidas na poeira da história. Lamentos cantados, asfixiados... Poemas – até escritos na hora, rebuscados da memória.
Contorce-se em fisgadas no corpo. Troca de posição na cadeira. Outro sedativo, gelo e água mineral. Pingados risos à socapa. Vê que todos escondem o mesmo mal.
– “Que é de Mabel?”
Aí, vê obesos que não caminham sem o auxílio da bengala ou da muleta companheira:
– “Que homem vive sem muletas? Sejam infantes ou quedos longevos, todos carecem desse suplemento feminino para caminhar” – deduz, circunspeto.
Vê, também, mulheres pintadas da cabeça aos pés, exibindo seus anéis e os retratos amarelados da juventude. Uma forma de disfarçar os próprios retraços “em branco e preto”, ou enganar a si mesmas, caçoando do seu novo jeito. Mais pra rosas, preferem ser “as moças... da janela”, achando que as cantadas eram só pra elas.
Veem-se outras, noutras. Repudiam a beleza que a privilegiada longevidade lhes doa.
“Parou para ouvir” de mais perto as cantigas amigas do seu tempo. Quase todos cantam: “velhos moços”. E, no entanto, é preciso cantar!... “Velhos fracos”, dançam.
Fred canta, aplaude e imagina a companhia de sua “muleta insuperável!”. Larga as flores sobre a mesa e vai em busca de Mabel. – “Ela não pode perder esta festa!”.
A casa está vazia. Acende a luz da sala de jantar. Sobre a mesa, há algo escrito num papel de receituário, preso por uma caneta gravada com o nome de IRMA.
Assusta-se e lê o conteúdo, datado de 08 de outubro de 1993:
“Fred: Acho triste o desamor. Igualmente triste é o amor que não foi. Mas o amor que não foi tem a compensação de gerar poesias e belos contos. Então, se isso é tudo, vale a pena a separação. Aí, a dor da separação enseja novos poemas, que dizem valer a pena sentir saudade. E a saudade dá à luz um sentimento que fica, residual, ainda vivo. E me pergunto: se estivéssemos juntos, será que o amor seria para nós tão AMOR? Por isso, digo que, mesmo sofrido, o maior de todos os amores é sempre aquele que não foi, o que não aconteceu. Acho até imprescindível que ele continue vivo como prêmio de consolação pelo desgaste natural do cotidiano com o outro amor, o escolhido. Fica em nossas memórias a sensação do que teria sido melhor. Réstia de uma juventude que já não existe... Beijos. Irma”
Fred não acredita, mas se sente traído pela criatura mais querida de sua vida:
Estação rodoviária, em Neves. Parece um ébrio, ou mambembe. Bilhete de embarque no bolso. Recosta-se à parede e aguarda o ônibus das nove horas. As dores o impedem de dormir.
Lá vem Maria, célere, pés arrastando as sandálias desgastadas pelo uso. Vestes molhadas, grudadas no corpo negro. Sabia do horário de embarque de Fred Trouxe-lhe a mala. Também umas flores, que Irma lhe pede para oferecer – ”com amor” – à sua Mabel.
Abraçam-se os dois. Ele agradece tudo com uma prece.
Estação rodoviária, em Mauricea. Um banho de água fria. Mesmo contundido, paramenta-se para o sacrifício da festa no clube dos antigos engenheiros da ferrovia. Perfuma-se. Mabel disse estar lá à sua espera. Lê o jornal, enquanto engraxa o sapato. Vê o anúncio: “UM DIA INTEIRO DE FESTA”. – Como vou suportar?...
Corpo moído. Ela pedirá explicações. Inventará uma desculpa. – ”Seja o que Deus quiser!”.
Toma um táxi, leva as flores e, no caminho, conjetura: – “Ela adornará a mesa e sua vaidade. Até se assemelham, em beleza e função! A flor: órgão reprodutor do reino vegetal. Ela: órgão reprodutor de uma bela árvore genealógica. Um gineceu ávido da presença do estame que está em mim”.
Chega ao clube. Não tem o convite. – “Minha mulher já deve ter entrado!” – desculpa-se. Um amigo facilita o ingresso. As dores o obrigam a encontrar, logo, a mesa reservada.
Reconhece alguns velhos “amigos prediletos”. Começa a ouvir canções remexidas na poeira da história. Lamentos cantados, asfixiados... Poemas – até escritos na hora, rebuscados da memória.
Contorce-se em fisgadas no corpo. Troca de posição na cadeira. Outro sedativo, gelo e água mineral. Pingados risos à socapa. Vê que todos escondem o mesmo mal.
– “Que é de Mabel?”
Aí, vê obesos que não caminham sem o auxílio da bengala ou da muleta companheira:
– “Que homem vive sem muletas? Sejam infantes ou quedos longevos, todos carecem desse suplemento feminino para caminhar” – deduz, circunspeto.
Vê, também, mulheres pintadas da cabeça aos pés, exibindo seus anéis e os retratos amarelados da juventude. Uma forma de disfarçar os próprios retraços “em branco e preto”, ou enganar a si mesmas, caçoando do seu novo jeito. Mais pra rosas, preferem ser “as moças... da janela”, achando que as cantadas eram só pra elas.
Veem-se outras, noutras. Repudiam a beleza que a privilegiada longevidade lhes doa.
“Parou para ouvir” de mais perto as cantigas amigas do seu tempo. Quase todos cantam: “velhos moços”. E, no entanto, é preciso cantar!... “Velhos fracos”, dançam.
Fred canta, aplaude e imagina a companhia de sua “muleta insuperável!”. Larga as flores sobre a mesa e vai em busca de Mabel. – “Ela não pode perder esta festa!”.
A casa está vazia. Acende a luz da sala de jantar. Sobre a mesa, há algo escrito num papel de receituário, preso por uma caneta gravada com o nome de IRMA.
Assusta-se e lê o conteúdo, datado de 08 de outubro de 1993:
“Fred: Acho triste o desamor. Igualmente triste é o amor que não foi. Mas o amor que não foi tem a compensação de gerar poesias e belos contos. Então, se isso é tudo, vale a pena a separação. Aí, a dor da separação enseja novos poemas, que dizem valer a pena sentir saudade. E a saudade dá à luz um sentimento que fica, residual, ainda vivo. E me pergunto: se estivéssemos juntos, será que o amor seria para nós tão AMOR? Por isso, digo que, mesmo sofrido, o maior de todos os amores é sempre aquele que não foi, o que não aconteceu. Acho até imprescindível que ele continue vivo como prêmio de consolação pelo desgaste natural do cotidiano com o outro amor, o escolhido. Fica em nossas memórias a sensação do que teria sido melhor. Réstia de uma juventude que já não existe... Beijos. Irma”
Fred não acredita, mas se sente traído pela criatura mais querida de sua vida:
– “Uma carta para o meu ego. Por que razão, Irma, trouxeste-a pra Mabel?”
Há algo mais escrito por Mabel
– com a tinta vermelha da caneta de Irma –
no verso do mesmo papel:
“NÃO MAIS ME VERÁS !”
Há algo mais escrito por Mabel
– com a tinta vermelha da caneta de Irma –
no verso do mesmo papel:
“NÃO MAIS ME VERÁS !”