NÃO MAIS ME VERÁS ! Parte IV
Sexta-Feira. Consegue, por empréstimo, a escada do velho Nô. Prepara-se para a desfruta solene das mangas reservadas. Está ansioso. Terminada a palestra, terá o prazer de segurar nas mãos e beijar as rugas da rainha do seu sonho.
São quase dezesseis horas. O auditório repleto de jovens e longevos. Ela não deve demorar. Descalço, apruma a escada rente ao tronco da mangueira e sobe. Ninguém o vê. Lá no alto, largada a escada, já não sente nas pernas a firmeza jovem de há alguns anos.
O galho desejado está a seis metros do solo arenoso. Agarra-se ao mais próximo, enche-se de mais coragem e ergue-se. Pé ante pé, avizinha-se mais e mais da apanha dos benditos frutos.
– “Será para Irma e para a humanidade este divinal presente de Maria, que traz o suor do homem misturado ao leite que se derrama sobre sua parte carnosa. Doação da natureza. Colhido de um pé que nasceu de uma semente. Uma semente que veio de outro pé... Nessa caminhada inversa, também se chega ao Criador – da primeira semente e do universo. Drupa que vem da terra – resulta de um ovário fecundado – e traz no ventre uma semente pra ser enterrada novamente. Fenômeno que se sucede, através dos tempos. Desta mesma semente, no porvir, infinitas gerações hão de se servir...” – Pensa e se pesa, achegando-se cada vez mais das deíficas frutas.
– “Ela precisa dizer aos jovens que o amor verdadeiro, o que frutifica, não nasce do simples ato de fazer amor, mas da fecundidade e do amadurecimento que o auge do amor exige”. – Aumenta o vozear vindo do auditório. – “Não posso perder essa palestra”. Mais um passo. Alcança a primeira manga. Não a sustenta.
O baque chama a atenção de Maria, que desce o batente da cozinha e se esforça para apanhá-la. Ela olha para o alto e – Fred!... – grita, como uma mãe desesperada – você não é adolescente pra ficar aí encima dependurado nesses galhos molhados!... Desça, rapidamente, antes que . . . já não há tempo pra nada. Quando ele alcança a última das mangas, tentando apô-la na sacola amarrada à cintura, larga o galho que lhe dava equilíbrio. Rola sobre outros galhos mais fortes, escondidos pela folhagem.
Cai estatelado no chão arenoso.
Acorre muita gente do auditório. Olhares atônitos para o corpo inerte de Fred, desacordado e asfixiado. Ambulância indisponível. Chega a palestrante, disponível. Retira corpo estranho das narinas e da faringe do acidentado. À falta de material adequado, remove-o com o próprio lenço.
É premente a aplicação da técnica de ressuscitação. Puxa a mandíbula do acidentado para a frente, para facilitar a corrente de ar. Enche o pulmão e coloca seus lábios sobre os da vítima, soprando forte, empurrando ar para as vias aéreas. Repete. Sabe não estar beijando, porque, quando o beijo é de verdade, não se medem o tempo nem a quantidade.
O marido assiste a essa altaneira missão de salvamento.
O “doutor” Uílio escarnece do ato, mas se oferece para transportar o paciente até o hospital, em Neves. Irma e Maria agradecem pelo belo gesto do gentil-homem.
Caminhadas apressadas num silêncio hospitalar. Procedimentos emergenciais de uma equipe médica proficiente. Ninguém responde pelo acidentado, ali largado como um indigente anônimo. Pouco e pouco, ele começa a dar sinais de vitalidade. Recobra a consciência. Como pretende viajar, sábado, para Mauricea, caso receba alta hospitalar, oculta suas dores e se deixa cuidar mesmo na enfermaria dos indigentes.
Não dorme. Acha que o inferno é exatamente ali, em torno dele. Choros. Gemidos. Gritos de dor. Um homem chega mutilado. Corre-corres em busca do cilindro de oxigênio. Nada. – “Nada a fazer”, sussurra o médico.
Fred se agasta: – “os indigentes precisam ter, pelo menos, uma forma digna de morrer!” – Martiriza-se, quando alguém volta pra casa, com suas dores, à falta de leito. E está ocupando um deles, só para especular a miséria alheia.
Envergonha-se e pede alta hospitalar. Consegue-a. Sai à rua sem rumo e a pé, ainda antes do nascer do sol. Pés desnudos sobre os pedregulhos, carrega uma pesada cruz pro seu calvário.
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A seguir: parte V
Sexta-Feira. Consegue, por empréstimo, a escada do velho Nô. Prepara-se para a desfruta solene das mangas reservadas. Está ansioso. Terminada a palestra, terá o prazer de segurar nas mãos e beijar as rugas da rainha do seu sonho.
São quase dezesseis horas. O auditório repleto de jovens e longevos. Ela não deve demorar. Descalço, apruma a escada rente ao tronco da mangueira e sobe. Ninguém o vê. Lá no alto, largada a escada, já não sente nas pernas a firmeza jovem de há alguns anos.
O galho desejado está a seis metros do solo arenoso. Agarra-se ao mais próximo, enche-se de mais coragem e ergue-se. Pé ante pé, avizinha-se mais e mais da apanha dos benditos frutos.
– “Será para Irma e para a humanidade este divinal presente de Maria, que traz o suor do homem misturado ao leite que se derrama sobre sua parte carnosa. Doação da natureza. Colhido de um pé que nasceu de uma semente. Uma semente que veio de outro pé... Nessa caminhada inversa, também se chega ao Criador – da primeira semente e do universo. Drupa que vem da terra – resulta de um ovário fecundado – e traz no ventre uma semente pra ser enterrada novamente. Fenômeno que se sucede, através dos tempos. Desta mesma semente, no porvir, infinitas gerações hão de se servir...” – Pensa e se pesa, achegando-se cada vez mais das deíficas frutas.
– “Ela precisa dizer aos jovens que o amor verdadeiro, o que frutifica, não nasce do simples ato de fazer amor, mas da fecundidade e do amadurecimento que o auge do amor exige”. – Aumenta o vozear vindo do auditório. – “Não posso perder essa palestra”. Mais um passo. Alcança a primeira manga. Não a sustenta.
O baque chama a atenção de Maria, que desce o batente da cozinha e se esforça para apanhá-la. Ela olha para o alto e – Fred!... – grita, como uma mãe desesperada – você não é adolescente pra ficar aí encima dependurado nesses galhos molhados!... Desça, rapidamente, antes que . . . já não há tempo pra nada. Quando ele alcança a última das mangas, tentando apô-la na sacola amarrada à cintura, larga o galho que lhe dava equilíbrio. Rola sobre outros galhos mais fortes, escondidos pela folhagem.
Cai estatelado no chão arenoso.
Acorre muita gente do auditório. Olhares atônitos para o corpo inerte de Fred, desacordado e asfixiado. Ambulância indisponível. Chega a palestrante, disponível. Retira corpo estranho das narinas e da faringe do acidentado. À falta de material adequado, remove-o com o próprio lenço.
É premente a aplicação da técnica de ressuscitação. Puxa a mandíbula do acidentado para a frente, para facilitar a corrente de ar. Enche o pulmão e coloca seus lábios sobre os da vítima, soprando forte, empurrando ar para as vias aéreas. Repete. Sabe não estar beijando, porque, quando o beijo é de verdade, não se medem o tempo nem a quantidade.
O marido assiste a essa altaneira missão de salvamento.
O “doutor” Uílio escarnece do ato, mas se oferece para transportar o paciente até o hospital, em Neves. Irma e Maria agradecem pelo belo gesto do gentil-homem.
Caminhadas apressadas num silêncio hospitalar. Procedimentos emergenciais de uma equipe médica proficiente. Ninguém responde pelo acidentado, ali largado como um indigente anônimo. Pouco e pouco, ele começa a dar sinais de vitalidade. Recobra a consciência. Como pretende viajar, sábado, para Mauricea, caso receba alta hospitalar, oculta suas dores e se deixa cuidar mesmo na enfermaria dos indigentes.
Não dorme. Acha que o inferno é exatamente ali, em torno dele. Choros. Gemidos. Gritos de dor. Um homem chega mutilado. Corre-corres em busca do cilindro de oxigênio. Nada. – “Nada a fazer”, sussurra o médico.
Fred se agasta: – “os indigentes precisam ter, pelo menos, uma forma digna de morrer!” – Martiriza-se, quando alguém volta pra casa, com suas dores, à falta de leito. E está ocupando um deles, só para especular a miséria alheia.
Envergonha-se e pede alta hospitalar. Consegue-a. Sai à rua sem rumo e a pé, ainda antes do nascer do sol. Pés desnudos sobre os pedregulhos, carrega uma pesada cruz pro seu calvário.
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A seguir: parte V