Regina
Quando Gina acordou, já era umas 9h37 da noite. Abriu os olhos, virou-se acomodada com sua coberta azul marinho e olhou para a janela que ficava à sua direita e notou que havia chovido, uma chuvinha bem sutil, o vidro estava um pouco embaçado e as gotas da água que escorriam faziam o quarto ficar com um aspecto mais frio, vazio e solitário. As luzes lá fora brilhavam intensamente, amareladas e calorosas. E lá Gina ficou, quentinha debaixo do azul profundo e macio de sua coberta, e olhava para aquele vidro imaginando o que acontecia lá fora, o que as pessoas estavam fazendo, o que seus amigos estavam fazendo, o que ‘Ele’ estava fazendo.
Ela ainda se indagava demasiadamente se as pessoas se lembravam dela, se ela ainda era alguém que os outros notara no passado, se ela era a boa amiga, a boa pessoa, se ela era o bastante para ‘O’ fazer feliz.
Gina se mexia tanto debaixo da coberta, que até seu pijama de algodão finíssimo dera um barulho de rasgo quase imperceptível, mas ela também não se importava com isso. Afinal ela não tinha nada mais a perder, já que também nada possuía.
E continuando à pensar sobre tantos problemas em sua vida, ao mesmo tempo ela notava que nada adiantava fazer, a não ser esperar por algo que também não sabia.
Regina, esse era seu nome. Mas gostava de ser chamada de Gina, até hoje não se sabe o porquê. Ela era uma moça com seus 23 anos, morava sozinha, havia abandonado os estudos e caiu no mundo. O que ela realmente queria era sentir era a vida da sua própria maneira e foi isso que ela fez. Havia perdido os pais em um acidente há 5 anos e nada mais importava para ela. Não tinha família. Não tinha ninguém.
Mas voltando aos devaneios de Gina... Bom, aquela noite ela queria fazer algo de diferente. Algo que a motivasse a se sentir viva novamente. Mas para variar, ela não sabia o que fazer, e então levantou de sua cama desarrumada e se sentou à beira da mesma. Seus pés mal tocavam o gélido mármore do chão, seus braços pousados com todo o peso de seu corpo no colchão faziam suas mãos deixar uma marca na coberta amassada e assim estava ela, olhando fixamente para o chão, com seus cabelos loiros despenteados jogados à face.
Já quase 20 minutos passados naquela mesma posição, ela se levanta na maior lentidão que se possa imaginar, tirou o pijama velho e o jogou no chão, colocou seu jeans surrado de 3 dias atrás, sua camiseta que ainda tinha uma mancha do vinho ‘daquela noite’, sua jaqueta de couro que nunca tirara do corpo e calça seu coturno e nem os amarram, e quanto aos seus cabelos?! Quem ligava? Ficou despenteado mesmo. E tudo isso levou quase 5 minutos. Não muito tempo para quem já gastara toda noite em uma cama solitária...
Ela se sentia tão desesperada para sair, que só pegou a chave de seu apartamento, o maço de cigarros e o isqueiro. Nem gostava de pensar em nada naquele momento, ela só queria sair de lá.
Correndo demasiadamente escadas a baixo, chega finalmente na porta de vidro daquele humilde hall, o lustre principal mal funcionava, apenas aquelas 3 lâmpadas antigas eram grudadas à parede e que também era única coisa bonita que ela achava daquele lugar. Só simples lâmpadas... vai entender o motivo da sua fixação por elas...
Quando Gina gira a fria maçaneta e abre a porta, imediatamente sente aquela brisa gélida cortando seu rosto, ela amara aquilo até fechava os olhos para sentir-se mais acolhida pelo vento.
Esses momentos de que tinha, ela mesma nunca entendera porque gostava de coisas tão banais – aos olhos dos outros – da vida.
E então, saiu do hall e fechou a porta com um único pensamento em mente: Que hoje algo mudaria em sua vida.
Caminhando pela calçada úmida com o cheiro da chuva exalando da mesma, ela só olhava para o chão com as mãos esquentando nos bolsos de couro da jaqueta. Ás vezes ela olhava para aqueles incríveis postes de luz muito famosos na década de 30, com a lâmpada lá dentro brilhando com toda a sua força que pudera, e ficava encantada.
Inúmeras pessoas passavam por ela, amigos rindo, casais de mãos dadas, jovens com bebidas dentro de sacolas, outros mesmo só estavam ouvindo música.
E ela lá caminhando sem destino, totalmente do mundo.
Acende um dos seus cigarros, encosta em um poste bem em uma esquina muito movimentada da capital, e olha para a lua, que era querendo ou não uma solitária como ela, mesmo tendo tantas estrelas por perto. Ainda era a “grande” solitária que observava as almas desse mundo.
Pensando em muitos problemas de sua vida, o maior deles era aquele que ela sabia que jamais poderia resolver.
Dado mais um trago, ela solta toda aquela fumaça para o alto.
Deu boa noite à lua e começou a fazer companhia à ela.
E assim, ainda pensando naquilo. O que era aquilo? O problema dela tinha um nome. “Ricardo”. Ela o havia conhecido há 6 anos em uma viagem e então ela nunca mais o esquecera. Nunca. Eles sempre se falavam pelo telefone, mas a distância era um grande empecilho, afinal eram estados que os separavam. Ela realmente sentia um afeto muito, mas muito grande por ele. Não era amor. Mas sim algo muito forte e verdadeiro. Nem ela mesma sabia o nome aquilo. Durante todos esses longos anos ela sempre sentiu a falta dele... ‘daquilo que ela nunca teve’. E sempre que pensava nisso, uma dor no peito sentia. As lágrimas desciam sem o menor esforço, afinal seus olhos já estavam tão acostumados que as lágrimas já sabiam o caminho de sua face. A revolta de não poder tê-lo a matava por dentro. Estranho não?! Mas doía.
Em inúmeras tragadas, seu cigarro acaba e o joga na rua, junto com as outras bitucas de outras pessoas que já haviam ter ficado onde ela estava...
Enxuga as lágrimas com a camiseta, e coça os olhos com os dedos... apertando-os demasiadamente. E assim olha para a lua e fala:
- Obrigada por ter ficado comigo mais essa noite... amiga.
E assim, abaixa a cabeça, respira fundo e atravessa a avenida sem olhar para os lados. Andando no meio dela sem se importar, Gina escuta bem de longe uma buzina soando com
muita persistência. Era um caminhão. Apavorada e sem saber o que fazer, Gina sem reação ficou parada ali, agachou-se e colocou os braços em frente ao rosto como se fosse protege-la. Mas nada adiantou, o caminhão não conseguiu parar e seguiu em frente, atropelando-a .
Ela, pobre moça, conseguia sentir a vida deixando de seu corpo antes mesmo do caminhão acerta-la em cheio. Era como se ela soubesse o que iria acontecer e se conformara com isso naquele mesmo instante. Sabe por que ela já se conformara? Porquê para ela mesma, já estava morta há muito tempo...
Pois é. E esse foi seu fim. O Ricardo até hoje não soube de sua morte e parece que nunca saberá, pois eles não tinham nenhum amigo ou qualquer outra pessoa em comum. Ninguém dos conhecidos dela jamais soubera da existência dele. Ela nunca contou sua história para ninguém, apenas a levou consigo para seu eterno sono da vida.