SIMPLESMENTE ALZINA

Ela se aproximou da rede, olhou-me carinhosamente e expressou um sorriso que me fez sentir vontade de pular em seu colo, mas logo se afastou dizendo: - ainda é muito cedo, filhinha, dorme mais um pouquinho. Fiquei quietinha olhando-a se afastar... era minha mãe, meu coração pulava de alegria. É assim que lembro das primeiras imagens dela quando comecei a me entender como pessoa, não sei quantos anos eu tinha, talvez 3 ou 4. A partir daí, ficava sempre observando seus movimentos, e às vezes seguindo-a pela casa enquanto cuidava dos trabalhos domésticos, que não eram poucos.

Deitada em uma rede, ficava olhando ela passar de um lado para outro, às vezes com panelas nas mãos levando para o fogão de lenha, às vezes com lata d’água na cabeça vindo do igarapé, outras vezes com roupas sujas em trouxas para serem lavadas, com roupas limpas tiradas do varal, varrendo a casa... na lida do dia a dia como ela dizia. Muitas vezes a vi cantando baixinho enquanto costurava alguma roupa, enquanto dobrava as roupas limpas, parecia estar sempre alegre, eu gostava quando cantava cantiga de roda, como ela chamava, eu pedia sempre para repetir. Era uma mulher bonita, apenas um pouco maltratada, quando ela estava com os cabelos molhados, os cachos caiam-lhe aos ombros, deixando-a ainda mais bonita. Vaidade nenhuma se via, mas expressava simpatia, e com seu sorriso meigo agradava sempre quem estava ao seu redor. Envolvida nos trabalhos domésticos e de roça, em um lugarejo no interior do Amazonas, ela passava sua juventude não muito feliz, talvez.

Sempre carinhosa dedicada e cuidadosa com os filhos; Com o marido era atenciosa e discreta.

Fui crescendo e aprendendo com ela: boas maneiras, respeito, obediência, amor e temor a Deus, orações, amar ao próximo, cuidar do corpo e outros princípios que foram e são fundamentais na minha vida até hoje. Via nela uma grande força interior, apesar das dificuldades que a vida lhe oferecia, parecia estar bem, não ouvia ela reclamar, xingar ou demonstrar insatisfação.

À noitinha contava histórias e sorria com agente, em seguida ensinava-nos a rezar para o papai do céu e o nosso anjo da guarda antes de dormirmos.

Sempre agradecia a Deus pela minha mãezinha, tinha muito medo de perdê-la.

Cresci, eu mocinha, ela feliz...Com poucas palavras, orientou-me para a vida adulta, de vez em quando, meio encabulada falava-me sobre o certo e o errado e como uma moça de família devia se comportar.

Preocupava-se com a saúde, alimentação e estudos dos filhos. Dizia que não teve oportunidade para seguir seus estudos, mas os filhos teriam, e se quisessem, seriam alguém na vida.

Sem estudo não podia ter um emprego bom, como ela mesma dizia. Para garantir o alimento dos filhos, enquanto o marido estava fora (trabalhando em uma fazenda); ela trabalhava dia e noite, lavava e passava roupa para várias famílias, numa rotina incansável. Não se ouvia reclamações ou lamentações, e ainda encontrava disposição para nos fazer carinho e contar histórias antes de dormirmos, histórias essas jamais esquecidas.

Perdeu três filhos – Deus levou, dizia...sofreu muito, mas sua força, a necessidade de permanecer vivendo para seus outros três filhos, parecia maior do que seu sofrimento, a vi muitas vezes triste, mas nunca desanimada.

Muito meiga e amorosa conosco, mas quando necessário nos repreendia com autoridade, e nos acolhia com tamanho amor.

Algumas vezes a vi chorando, e ao me aproximar, limpava o rosto, sorria e conversava um assunto qualquer como se tudo estivesse bem.

Lembro-me de uma época que marcou muito o início de minha adolescência. Ela sofreu durante um mês aproximadamente dentro de um hospital, onde foi desenganada pelos médicos, pensei que íamos perdê-la. De joelho eu rezava ao “papai do céu”, o qual ela me ensinou a amá-lo, implorava para que a deixasse viver e cuidar de nós.

Ela reagiu e resistiu. Saiu do hospital magrinha e fraca, mas com o mesmo sorriso que eu conhecia, e a força de vontade de viver por nós. Superou a doença e ganhou muita saúde. Continuou vivendo intensamente, com aquela alegria e força espiritual que só ela tem.

Hoje sei que ela é feliz com sua família, continua nos paparicando, sempre mãezona, procurando nos ajudar a todo o momento que precisarmos e até quando não precisamos...esbanja carinho aos netos e bisnetos..

Ela é a mulher que mais amo na vida... é minha mãe... meu pedacinho do céu...

É mulher, é amiga, é guerreira...com seus 71 anos É SIMPLESMENTE ALZINA.