"A Pedra"

Naquela época, beirava os dezessete anos e era muito forte. Meu trabalho era braçal, de colheita até colocar e arrancar mourões de cerca. Por isto desenvolvi uma musculatura que só se adquiri em academias. Graças ao físico privilegiado e o rosto imberbe, era olhado de maneira diferente até por mulheres casadas. As solteiras então eram demais, todas pleiteavam casamento ou senão um flerte para contar para as amigas. Acostumado com o assédio filtrava escolhendo e namorando apenas com as melhores de corpo rosto e outros quesitos. Embora semi analfabeto tinha muitas fãs. Era o tipo “Jacinto” com exceção que se não era bonito pelo menos era apresentável e de corpo dava de dez a zero nos concorrentes. Ah meu nome é Jerônimo, igual ao famoso índio americano.

Nos bailes era disputado tanto que aprendi a dançar com as melhores professoras.

De todas as músicas a preferência geral era pelas músicas lentas onde era apalpado beliscado, encoxado enfim a vida estava maravilhosa. Foi num destes bailes que conheci, Maria Dolores. Estava acompanhada do noivo e numa dança que chamam de passar o lenço, normalmente o cavalheiro que passa depois o lenço é passado para as damas que escolhem um parceiro e entrega o lenço à acompanhante que perde seu par.

Assim é feito até o final onde cada um retorna ao seu par. Estava bastante disputado até que fui escolhido por Maria Dolores. Quis me insinuar, mas ela dominadora me conduziu em direção à porta do salão. Nunca tinha visto Anjo, mas se existissem o anjo estaria em minha frente. Seu cheiro, seu olhar, sua boca tudo inebriava me conduzindo ao país dos sonhos. Num forte puxão ela praticamente me jogou para fora do salão.

Do lado de fora me arrastou para um canto escuro. Passivo eu deixava ela me conduzir.

Pulando no meu pescoço, enfiou a língua na minha boca. Neste agarra, agarra, ela conduzia o ataque de forma que só acontecia o que ela queria, era uma mulher muito experiente. Finalmente nos entregamos a uma luta canibal. Não importava se fossemos vistos e fomos. Ela não voltou para o noivo e eu não voltei para a namorada.

Seguimos direto para minha casa. Depois de muita luxuria que ela me ensinou, pois eu era um bebê em termos de relacionamento. Por causa do escândalo do baile, seu noivo interviu junto à meu patrão que me dispensou. Com o pouquinho que havia guardado comprei uma venda, um pequeno mercadinho e vendia para os colonos. Quase tudo era vendido fiado e eu péssimo negociante, iria à falência breve. Foi quando Maria Dolores interviu. Assumiu a parte escrita da venda. Realmente as coisas melhoraram, mas perdi a maioria das amizades, pois ela não perdoava ninguém. Recebia as dívidas em animais, bens materiais, enfim tomava tudo que os devedores tinham. Os negócios agora prosperavam, a freqüência da venda mudou. Ela assumiu também as compras, e eu virei um empregado dentro de meu próprio negócio. Já tínhamos empregados e fornecíamos a várias fazendas. Também era fiado, mas pagavam religiosamente. Eu fazia as entregas e ficava quase o dia todo fora. Maria ficava cada dia mais bonita. Quando recebia os vendedores era um mel só. Reclamei, falou esta bem de agora em diante você tem os negócios nas mãos. Seus amigos vagabundos, aqueles que só pedem fiado e não pagam.

Fiquei quieto e a vida continuou. Vinham administradores de fazenda, sitiantes ricos beber e conversar. Ficavam em conversa por longo tempo. Pensei aí tem. Fingi que fui fazer entregas e voltei rápido, dei um flagrante. Estava no maior amasso com o ex noivo. Na raiva bati nos dois. Ele saiu correndo com um olho roxo e alguns dentes quebrados. Quando quis colocá-la para fora de casa falou. - Aqui tudo é meu, você que vai embora. Realmente com muita habilidade ela havia passado tudo para seu nome.

Como não era nem seu marido, ela disse que iria casar com o noivo. Que eu fui só uma aventura, que a tesão havia acabado, que eu não era homem para ela. E outras ofensas que não vale a pena lembrar.

Falei para ela – Mulher vou embora de sua vida. Se algum dia nos encontrar o único sentimento que verá em mim será de pena, pois te amei demais, mas isto acabou.

Eu aprendo fácil. Naquela noite saí dali, fui embora para bem longe, num local próximo do Pará.

O Garimpo. .

O garimpo era entre duas montanhas numa serra. Chamavam-na de Babilônia, Eldorado enfim o rio dava ouro e diamantes a todos que se aventurassem. Os homens viviam como minhocas na terra e ali faziam suas necessidades comiam, bebiam e dormiam sem nunca poder abandonar o local com risco de perder tudo que tinham e até ser ocupado seu lugar. Ali viviam prostitutas, bandidos, afeminados, enfim todos os tipos de gente.

Se o diabo tem casa, ele morava ali. Deixava no barro e lodo do rio a saúde em troca de umas pepitas de ouro. Às vezes conseguiam algum diamante, no local vinha gente de todos os lados, pois acreditavam ter achado um veio de ouro ou uma mina de diamantes.

Isto quando não eram roubados e mortos por causa do vil metal. Com muita procura consegui comprar a sociedade num garimpo de no máximo vinte e cinco metros.

Meu sócio era um homem louco e que precisava de proteção. Segundo ele nunca poderia abandonar o garimpo, pois ali tinha mais ladrão que formiga. Meu negócio na sociedade era cuidar da cozinha fazer as compras e cuidar para que ninguém o pegasse pelas costas. Também deveria fazer as compras, pois ele não sairia dali. Tinha uma carabina papo amarelo quarenta e quatro que não largava nunca. Nos momentos de lucidez falava – Sabe Jerônimo, eu vou embora, quero ver meus filhos. Faz quinze anos que estou aqui. Estou doente, mas sei que aqui tem a maior gema encantada a mãe de todas, a rainha, parece um ovo de avestruz. Com ele você compra uma fazenda e fica na área fumando um cachimbo e vendo o gado pastar. Se você trabalhar direito comigo será meu sócio. Tenho uma filha moça, que te dou em casamento, aí você fará parte da família. Trabalhando no barro o dia todo, parecíamos caranguejo, minhoca, sei lá uma coisa nojenta. Uma vez por quinzena, eu ia ao mercado onde vendia algumas pepitas e pegava em troca comida e bebida. A cada dia que passava o senhor Geraldo ficava pior.

Trabalhava com uma mão só usando a bateia e com a outra usava segurava a spingarda.

O desabamento.

Eram comuns os desabamentos, mas ao invés de socorrer os soterrados a primeira coisa que faziam era o saque. Houve caso de cortarem a vitima ao meio para ver se ela não tinha escondido nada dentro do próprio corpo. Neste dia choveu muito, patinávamos no barro. Por volta das onze horas da manhã fui beber água fora do buraco que chamamos mina. Minha ferramenta tinha ficado dentro e o desabamento prendeu o senhor Geraldo com elas. No desespero comecei a cavar com as mãos até chegar às primeiras escoras que haviam quebrado. Usando pedaços de madeira que serviam de escora, fui cavando a entrada até conseguir alcançar os pés dele. Como estava de bruços ainda havia esperanças. Precisava chegar rapidamente até ele e tirar a terra que obstruía suas vias aéreas, talvez ele sobrevivesse. Mesmo com rapidez demorei mais do que o suportável.

Mesmo achando que havia morrido, continuei, pois tinha esperança. Arrastei-o para fora e lavei seu rosto bem como o nariz, tentei reanimá-lo. Dei-lhe uns murros nas costas e ele tossiu. Com a tosse toda sujeira saiu de sua boca bem como de seu nariz. Ele começou a respirar. Na barraca havia uma pequena cama de campanha. Coloquei-o ali, dei-lhe alguns goles de cachaça, embora ele não bebesse. Passei com ele velando seu corpo por toda tarde e noite. No dia seguinte ele acordou e falou estou com fome.

Fiz um angu com pedaços de carne que ele comeu tudo. Ele falou e você? Com tudo isto, perdi o apetite. Ele sorriu e pela primeira vez me olhou como um filho.

Jerônimo eu queria te contar uma coisa, mas tinha medo, na verdade não é contar é mostrar. Estava quase pegando a rainha quando tudo desabou, mas ela está lá eu vi.

É do tamanho de um ovo de avestruz. Nunca se viu por aqui um diamante tão grande e perfeito. Ela vai nos tirar daqui meu filho, vamos aposentar. Ele apontou para o fundo do pequeno barraco e falou. Ali naquele canto a um metro abaixo deste saco de terra, tem vários sacos de lona, cheios de ouro em pó. Também têm umas tantas pedras que dariam para parar, mas eu queria a rainha. Agora que ela veio acabou a procura vamos embora. Cavei e realmente encontrei a pedra que levei para ele. Deu um sorriso amarelo que mais parecia uma careta. Mostrou-me um pano que usava de toalha estava sujo de sangue. Você salvou meu corpo, mas minha vida ficou naquele buraco. Pegou a pedra e falou com ela. -Minha menina, minha rainha, você é maior que eu pensava. A pedra é linda sim, mas só para quem conhece, para os leigos é uma pedra comum, mas a gente é como ela ficará depois de lapidada. De repente ele estremeceu e morreu. Percebi depois que ele tinha várias costelas quebradas, provavelmente perfuraram seu pulmão. Nas coisas de Seu Geraldo tinha uma carta testamento.

O Testamento.

Jerônimo, nesta vida que levamos não existe saída. Se você levar na vila alguma coisa de valor vão te pagar certinho, só que não conseguirá gastar. Troque alguns sacos de ouro em pó. Apenas o suficiente para sair daqui. Vá depois a um lugar chamado Vulcânia. Lá tem um inglês muito rico e honesto. Ele é comprador, você receberá o que o ouro vale inclusive os diamantes descontados lógico o imposto obrigatório que é vinte por cento. Pode escolher até como quer receber. Se quiser ele abre uma conta para você e deposita o valor da venda. Fazendo isto vá visitar minha família, não fala em dinheiro.

Se puder ajude-os como lhe aprouver. O endereço do inglês está aí e o de minha família também. Se você gostar de minha filha eu dou a minha benção, pois gosto muito de você. Faria muito gosto neste casamento. Enterre-me fundo para que ninguém ache, nunca fale que eu morri. Você será preso para tomarem tudo que lhe pertence.

Fiz tudo como ele mandou e um mês depois barbeado e bem vestido visitei o inglês.

Contei tudo como aconteceu. Ele ficou me olhando depois falou. - Você tem olhos de homem honesto, será um prazer, faremos negócio. Entreguei tudo para ele menos a rainha. Ele pesou calculou e falou você tem uma pequena fortuna, não tenho todo este dinheiro aqui. Falei a respeito da conta bancária, ele respondeu. -Assim dá pensei que você quisesse dinheiro vivo, geralmente as pessoas não confiam. Senhor Jom. Quem me mandou procurá-lo disse que era honrado e cavalheiro. Agora vejo que tinha razão.

Jerônimo tem mais uma coisa que gostaria que soubesse. Não sou dono da empresa sou só um agente. Minha empresa não tem dono tem associados, brasileiros, americanos e também ingleses. O seu dinheiro no banco vai render de três a cinco por cento no máximo, se o senhor investisse na minha empresa teria uma rentabilidade maior, embora todos os dois fossem confiáveis. Nesta empresa que trabalho tem até um Lorde inglês que garante os investimentos. Gostei tanto do senhor que queria mostrar e coloquei um lenço que tinha enrolado a rainha. Ele se emocionou, nunca peguei pedra tão grande e não dará trabalho, a perda na lapidação será mínima. Esta pedra Jerônimo vale cem vezes mais o que você me mostrou. Se quiser na empresa poderá ser sócio majoritário, realmente você tem uma fortuna nas mãos. Só que este negócio eu não posso fazer sozinho. Tenho que fazer uma reunião de sócios majoritários e se me abonarem entende? Vai demorar mais de um mês para decidir isto. Por enquanto se quiser te hospedo em minha casa. Aceito e fico feliz por fazer um negócio honesto.

Após o jantar saímos para a varanda da casa e ele me falou. - Você não precisa trabalhar, mas se quiser seu salário será de diretor e maior que de qualquer funcionário até da embaixada.

Lógico que temos que fazer alguns cursos e treinamentos, pois terá que conversar com associados estas coisas. Após alguns meses, já empossado como diretor eu era sócio majoritário. Praticamente era da alta sociedade. Em dois anos de empresa e com vários cursos de especialização. Senti-me capaz e fui visitar a família do Sr Geraldo.

Fiquei sabendo que sua esposa havia morrido e seu filho saiu de casa com destino ignorado. Sua filha Rosileine, com quem falei dava aulas em uma escola particular, mas estava tendo problemas com o dono da escola, era assediada. Aproveitando a situação financeira da moça sempre saía com piadinhas capciosas. Como o Sr. Geraldo havia me dito para não comentar nada só disse que era amigo e convidei-a para dançar e jantar em um clube chique da cidade. Ela disse apreciar o convite, mas tinha algumas coisas para fazer. Nossa simpatia foi mútua então a convidei para lanchar. Ela aceitou, fui ao hotel e coloquei uma roupa esporte. Quando fui buscá-la tive enorme emoção, embora com roupas simples estivesse maravilhosa. No clássico beijinho de cumprimento voltou a minha cabeça o cheiro que me perseguia por tanto tempo. Do único amor de minha vida Maria Dolores. Ela percebeu e perguntou – Que houve algum problema? Não lembranças do passado, - desculpe lembranças ruins? Não muito boas, saímos caminhando pela avenida em direção ao centro, onde havia uma lanchonete muito badalada. Pegamos uma mesa e fui pedir os lanches e refri. Quando voltei um senhor conversava com ela. Sr. Oscar este é meu noivo Jerônimo. Ele fechou a cara e antes de sair falou. –Está despedida. Eu ainda era muito forte, peguei-o pelo braço. Você foi indelicado com a moça peça desculpas. Ele tentou reagir, mas viu que a dor era mais forte e falou. - desculpa. Eu disse acho que ela não ouviu. Ele falou gemendo Desculpa.

Ela pediu para soltá-lo o que fiz. Saiu dali correndo, ela começou a chorar. Por favor, desculpe se a ofendi, você gosta dele? Não lógico que não, é que pela primeira vez alguém me defende. Vamos sair daqui?, Vamos. Saímos, disse - estraguei sua noite né?

Não, você me deu a noite de presente estou radiante. Vamos comer uma pizza em casa? Topa? Peguei uma pizza e um refrigerante e fomos para sua casa. Sua casa era muito simples, muito arrumada, mas as coisas estavam precisando de uma reforma. Ela disse – tenho que trocar os móveis, mas meu salário é pequeno, quer dizer agora nem tenho salário. Comemos alguns pedaços de pizza então falei – Quero que você saiba que vou embora amanhã. Foi algo que eu fiz, juro que nem sei, mas não tive a intenção.

Você foi maravilhosa, está tudo maravilhoso, preciso te contar uma história, e contei tudo, não omiti nada. Depois falei minha intenção seria lhe dar a metade do que investi, mas não tenho o dinheiro. Ia pedir ser minha sócia, garanto que poderá comprar a escola daquele camarada a vista e dar aulas grátis para seus alunos. Dei o papel que o Sr. Geraldo escreveu para ela. Li tudo e vi que ele me deu em casamento para você e agora você vai me deixar abandonada nas mãos daquele velho? Se existe amor a primeira vista, estou amando de verdade. Gostaria de namorar você e se der certo queria que fosse a dona de minha casa e da minha vida. Ela falou vou pensar, e pulou no meu pescoço. Pensei perdi a diária do hotel. Depois de muito abraço e beijo ela falou – Eu tenho uma cama de casal e durmo sozinha. Para dormir comigo só se for meu marido ou a força. Como não sou seu marido tirei a camisa e falei prepare para se defender.

Ela olhou para mim e disse, nem pensar eu me entrego. Com um físico destes!

E nos entregamos realmente ao mais maravilhoso honesto e inocente amor.

A casa dela foi colocada a venda em uma imobiliária. Aos móveis demos em doação.

Fui à escola com ela receber seus atrasados, que, diga-se de passagem, foram pagos religiosamente. Voltamos para minha casa que ela adorou. Era uma casa velha que foi restaurada por uma firma de decoração. Tinha até um pequeno lago. Em brevíssimo tempo nos casamos e tivemos o Sr. Jon e esposa como padrinhos. Ele ficou muito feliz, pois era conservador.

Em uma viagem de negócios, a minha empresa tinha comprado enorme quantidade de terras e precisariam de meu aval. Parei em um pequeno empório para comprar água mineral e talvez lanchar. Enquanto o motorista providenciava o abastecimento entrei na mercearia. Tomei um susto como se tivesse tomado um soco no estômago. Sentada em frente à caixa estava uma mulher bonita. Maltratada pela bebida e o cigarro, mas ainda bonita. Num exame rápido a reconheci, sou vaidoso, me visto bem e gosto de usar bons perfumes. Ela também me reconheceu. Olá Jerônimo, lembra de mim? Lógico Maria Dolores os amigos a gene não esquece. Como vai a vida? Pelo jeito as coisas deram certo. Sim trabalho bastante. No que? Faço de tudo um pouco. Nisso entrou seu marido, o homem estava estragado. Um barrigão, estava careca, dentes amarelos e podres dava dó. Jerônimo né? Ela me escolheu cara ta vendo? To, Bem, estou com pressa só queria água mineral. Nisso meu motorista entrou, Dr. O carro está pronto a hora que o senhor quiser. Já vamos peguei a água e falei para os dois. A gente se vê falou? Triste porque embora me houvessem feito o que considero uma traição, não desejava isto para eles.

Mas tive sorte lembrei-me de minha esposa e sorri. Ao manobrar o carro vi que eles me olhavam. Sai dali e do meu passado onde nunca mais retornei. Hoje estou com cinqüenta anos, os cabelos ficando grisalhos nas têmporas, mas ainda dou para o gasto.

Estou na Europa, vim eu e a esposa para a formatura de nossa filha e como a mãe a está ajudando a se vestir, comecei a escrever e lembrei se não fosse aquela pedra...

Oripê Machado.

Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 30/10/2011
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