FRAGMENTOS NA MADRUGADA
Ao som de “ Run to you”, na voz de Whitney Houston
: Psiu! Essa foi a mensagem que recebi, depois de ter passado o domingo todo no caos. Apenas ri ao ler. Quer dizer: fiquei encantado. Nunca um psiu fez tanta diferença em minha vida. Algumas horas depois, recebi outra mensagem: Psiu 2. Fiquei encantado 2 vezes. Logo em seguida o meu celular tocou:
- Oi, guri!
Nunca, nunca mesmo me chamaram assim. Meu nome? Não o tenho, pois podem me transformar em uma coisa que eu não quero. Dêem o nome que quiserem. Até porque, agora me chamo “guri”. Alguém me intitulou assim. Foi você:
- Você me transformou num menino.
- Isso não é bom?
- Acho que sim.
- ideia de alegria e sorrisos e molecagem e pureza.
Conversamos um pouco e perguntei:
- Quando enviarás o 3º psiu?
- Hoje após as 23:00h
Despedimo-nos e foi assim que desliguei o celular, na verdade foi você que assim o fez, eu continuei com o celular ao ouvido esperando um eco de sua voz. Será que você também quis escutar meus ecos? Não poderia deixar que você o fizesse, pois descobriria mais de mim.
...
...
Fiquei esperando e nada. Era mais ou menos meia noite. De repente chega uma mensagem no meu celular vindo de você: Cheguei em casa. Será que isso era o 3º psiu? O celular toca:
- Oi, guri.
Ouvir isso me deixava encantado. Eu já falei isso antes, porém gosto de ser redundante. Ser chamado de guri por alguém 10 anos mais jovem que eu rejuvenescia minha alma.
- Você realmente tem uma voz boa para trabalhar com telefonia. Eu disse.
- Nada disso. Haja paciência com os clientes. (Pausa) Adoro escutar sua voz.
- Por quê?
- Não sei explicar.
- Eu te explico. Tenho o dom de tocar na alma.
- Falas coisas que me aproximam mais de ti
- Faça-me alguma pergunta?
- prefiro te ouvir.
- falo muito.
- Prefiro assim. A não ser que me perguntes.
- Não tenho perguntas.
- então fale.
- Tudo bem, eu perguntarei. O que está lendo nesse momento?
- “O outro lado da meia noite”, de Sidney Sheldon.
- hum... eu...
- deixa te dizer algo.
- Pensei que você queria me ouvir. Tudo bem, diga.
- Quando eu for trabalhar sentarei e ficarei pensando em ti, guri. O meu trabalho fica num prédio em frente ao seu. E pensarei em nós dois. O que divide o meu prédio do teu é apenas um rio com águas verdes, talvez indicando esperança.
Eu fiquei pensando no que ouvira. Como você me surpreende. Fiquei olhando sua foto e a sua boca. Beijei-a, só podia ser assim, pelo menos por enquanto. E você nesse momento estava realmente falando ao meu ouvido, pelo celular, mas estava. Isso é fato. Perguntei se podia ler algo que por acaso havia anotado dia desses, apesar de não acreditar que o acaso exista. Eu disse isso a você. As coisas simplesmente acontecem. Só que fiquei com vergonha de começar a ler. Acho que na verdade não era vergonha, e sim, plasticidade. Falo no sentido de ser ouvido e depois ser jogado fora. Queria era ler olhando pra você, assim tipo me vendo em seus olhos. Aí você falou que eu não ficasse com vergonha. E li o texto do escritor Caio Fernando que dizia assim: “...e de tudo
indo embora e fugindo e se perdendo — e o amor sem acontecer, quando estou
assim todo maduro, e limpo, e pronto, e luminoso como uma maçã no galho,
pronta para ser colhida. Ninguém estende a mão para a maçã, pouco antes de
começar o processo de apodrecimento.” Ficamos em silêncio. Quase que as lágrimas desciam de mim: não quero apodrecer! Você falou-me de profundidade. Aí pensei: alguém tocará em meus vazios? Não. Ninguém consegue. É muito obscuro e abissal. Você olhou-me nos olhos, pelo menos foi assim que imaginei com o celular ao ouvido e disse-me: fiquei feliz pela leitura. Foi aí que você falou que era hora de dormir:
-Você concorda?
- Tudo bem, vamos!
Despedimo-nos, trocamos beijos e xaus. Desligamos-nos, pelo menos materialmente, pois espiritualmente continuávamos ligados... Ainda disse a você:
- Depois te colocarei um nome, já que me transformastes em algo que acreditavas ou acreditas que eu seja.
Mandei uma mensagem ao teu celular: Por enquanto, agora, meus vazios são flores. Obrigado!
Você respondeu-me:
- Psiu... bons sonhos.
E...
Dayvson Fabiano