"Meata""Um Caso de Amor".

Há muito tempo atrás, eu devia ter uns trinta beirando os trinta e cinco.
Tinha um pequeno sítio, que recebi de herança de meu avô.
Como era meio largado, nunca pensei em casar.
Às vezes quando estava com muita precisão, visitava uma casa de mulher dama.
Destas casas que você bebe, namora, escuta moda de viola e faz bobiça.
Estava chegando à época da colheita e eu precisava de empregados.
No sítio só tinha eu e quatro capiauzinhos, que me ajudavam na lida do gado em algum serviçinho pequeno.
Mas a colheita, se não arrumasse pelo menos umas quinze pessoas, perderia grande parte dela.
De tardezinha, passou pelo sítio um tal, de Seu Quinzinho e na prosa ele disse que tinha chegado à cidade, um “Pau de Arara” (caminhão cheio de gente) procurando trabalho.
Falei para ele:
- Passa lá hoje, porque alguém pode contratar este pessoal e o prejuízo vai ser grande.
Ele prometeu e cumpriu.
De madrugadinha começaram a chegar às pessoas. Acertamos a empreitada, mas eu tinha que dar comida e não estava preparado.
-Vou fazer compra no armazém hoje, enquanto o pessoal não conhece vocês.
Por agora se tiver uma mulher que me ajude a fazer um café reforçado e cozinhar?
Do meio daquele pessoal saiu uma baiana, morena jambo, de boca grande e lábios grossos, ajeitada de corpo, era mais uma menina que mulher.
Ela falou:
- Se trabalho na cozinha, não trabalho na roça.
Achei a proposta boa, pelo menos por enquanto aceitei.
Seu nome era Meata e se mostrou muito trabalhadora. O banho em casa era de bacia, como não tenho casinha (banheiro), a gente fazia as necessidades no mato.
O café foi servido para todos e o almoço, como não tinha comprado mercadoria ainda.
Mandei Meata servir carne com farinha para o pessoal, que aceitou contente.
À tarde fui fazer as compras que seriam entregues no dia seguinte, voltei por volta de três horas, o pessoal ainda estava na roça.
Desacostumado com mulher em casa fui entrando, Meata estava na cozinha tomando banho de bacia.
Eu ia sair de novo, mas não se incomodou, aí eu puxei conversa, foi me dando um calor, uma coceira, ela olhava com olhos tortos, rindo a toa.
-Quer tomar banho também?
Trouxe bastante água do rio.
Não prestou, a vista escureceu, e pela primeira vez na vida achei que estava amando.
De noite eu não a deixei ir embora, ela reclamava, mas aceitava tudo que eu queria.
Nos dias que se seguiram ela praticamente assumiu a chefia de tudo.
O pagamento era semanal e quando fui fazer o acerto com ela quase caí de costas.
Ela queria receber o salário de dois homens.
Aí eu falei:
- Pêra aí, nos não tratamos isto.
- Mas você gostou?
- É tava bom, mas você também não gostou?
Ela deu uma risada.
Se pedisse três salários eu pagaria então ela falou.
 - Por enquanto vou ficar só com um, mas eu não tenho parada, assim que enjoar vou embora ta bom?
Não gostei do que ela disse, mas fiz um meneio de cabeça concordando.
Meata me falou de sua vida, da fome que passou, do que teve que fazer para comer.
Você ainda é bonito, precisa ver com cada velho feio que tive que dormir.
Fiquei com dó, porque sabia que em alguns lugares, as meninas logo cedo tinham que cair na vida, obrigadas pelos próprios pais.
A colheita foi chegando ao final e toda vez que voltava da roça, pensava, ela já foi.
Numa tarde de domingo, disse que queria conversar. Falou que nunca tinha sido tratada assim, embora eu fosse um homem rude.
Nesse pouco tempo que passei aqui, você me respeitou e nunca me obrigou a nada só fiz e se fiz foi porque quis.
Está ficando difícil, de noite eu choro muito, porque não queria ir embora.
Mas também sinto falta da farra, da musica, coisas que aqui não tem.
Cada dia que passa fica pior e logo não vou mais conseguir, bem falei demais, vou embora hoje.
Parece mentira, mas ela tão materialista, não tinha recebido nem um salário ainda.
Paguei tudo que lhe devia, e coloquei o dobro, falei você mereceu cada centavo que estou lhe dando, com você conheci a felicidade que nunca tive.
Pegou suas poucas coisas, o pessoal já tinha ido embora.
Ela saiu e eu fui para a beira do rio.
Fiquei umas duas horas olhando as águas.
Pela primeira vez na vida chorei de amor.
Sou chorão.
Já chorei de fome, de frio, de raiva, de dor, mas nunca havia sentido tanto o fato de ter perdido a Meata.
Se eu tivesse pedido, implorado, dado mais dinheiro, ela é mulher dama teria aceitado, porque não fiz isto?Porque você sempre a tratou como mulher, não podia tratá-la de outra forma.
Voltei para casa triste, o mundo tinha acabado para mim.
Quando cheguei perto, vi fumaça na chaminé e falei deve ser estes moleques que estão fazendo comida. Mas por um instante tive a esperança de ser ela.
Quando cheguei à varanda vi as coisas de Meata no chão, ela tinha voltado.
Perdi a razão, agarrei-a com loucura e a beijei, ela nunca deixava beijar na boca, mas retribuiu, ficamos por longo tempo nos beijando, e chorando ela falou:
- Não consegui, me deixa ficar?
Te dou tudo que tenho e me deu o dinheiro amassado, que ela gostava tanto.
Só vou ficar mais um pouco, depois você pode me mandar embora, deixa vai?
E ela ficou, não por mais um dia, semana, ficou meses. Levei-a ao cartório e me casei com ela de papel passado.
Meu sítio foi reformado.
Comecei a trabalhar mais e guardar dinheiro, reformei nossa casa e nasceu Maria da Graça, mas confesso que para mim ainda é Meata.
Nosso amor, nossa paixão foi tanta que começamos a estudar, aos filhos que vieram ela quis contar do passado, eu falei por quê?
Nosso passado começou no dia que nos conhecemos. Na cidade ninguém a conhecia, todos a tratavam de D. Maria da Graça, com muito respeito.

Esta pequena história é fictícia, mas de repente pode existir por aí muitas Maria da Graça que saíram da vida chamada fácil, para um lar e devem ser respeitadas por isto. Todos podem errar e ter direito de começar outra vez.

OripêMachado.
Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 28/10/2011
Reeditado em 19/05/2012
Código do texto: T3302510
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