A moça e o cão

Enquanto a lágrima caía, o cão olhava-a.

As lágrimas embotavam o rosto dela, desfaziam a paleta de cores que a tornava estável.

No olhar do cão doía a sua dor. Olhos fixos nos dela, profundos olhos negros perdidos entre pêlos murchos e encardidos. Uma cúmplice tristeza no olhar.

Uma miserável existência canina, desprovida de zelos, misturando-se a uma existência humana questionável.

Ela depôs sobre a mesa um lenço de papel usado. Deformada bola de papel, untada de suor, borras e lágrimas. O pequeno latifúndio de suas desilusões.

Mas, a sua face continuava sendo lavada por contínuas e úmidas ondas de calor. Suas mãos percorriam, em vão, o rosto molhado. Parecia-lhe impossível conter a compulsão da dor. Deixou-se estar.

Nesse tempo de não ser, dela, o cão aproximou-se da mesa e mesmo hesitante, ergueu o focinho, aproximando-o da bola de papel.

O gesto do cão rompeu o transe involuntário que a dominava. Seu olhar fitava-o, como se quisesse dizer: “Não!”

Mas o som de sua voz não ousava escapar-lhe da garganta. Consentiu o que poderia parecer sem sentido.

O cão recolheu delicadamente a bola de papel, como se recolhesse dela a matéria bruta. Em passos silenciosos, dirigiu-se à sua casinha, ocultando o que a ela parecia entristecer.

O gesto instintivo do cão despertou-lhe o desejo pelo tempo de curar.

Adelaide Paula
Enviado por Adelaide Paula em 22/10/2011
Código do texto: T3291724
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