A moça e o cão
Enquanto a lágrima caía, o cão olhava-a.
As lágrimas embotavam o rosto dela, desfaziam a paleta de cores que a tornava estável.
No olhar do cão doía a sua dor. Olhos fixos nos dela, profundos olhos negros perdidos entre pêlos murchos e encardidos. Uma cúmplice tristeza no olhar.
Uma miserável existência canina, desprovida de zelos, misturando-se a uma existência humana questionável.
Ela depôs sobre a mesa um lenço de papel usado. Deformada bola de papel, untada de suor, borras e lágrimas. O pequeno latifúndio de suas desilusões.
Mas, a sua face continuava sendo lavada por contínuas e úmidas ondas de calor. Suas mãos percorriam, em vão, o rosto molhado. Parecia-lhe impossível conter a compulsão da dor. Deixou-se estar.
Nesse tempo de não ser, dela, o cão aproximou-se da mesa e mesmo hesitante, ergueu o focinho, aproximando-o da bola de papel.
O gesto do cão rompeu o transe involuntário que a dominava. Seu olhar fitava-o, como se quisesse dizer: “Não!”
Mas o som de sua voz não ousava escapar-lhe da garganta. Consentiu o que poderia parecer sem sentido.
O cão recolheu delicadamente a bola de papel, como se recolhesse dela a matéria bruta. Em passos silenciosos, dirigiu-se à sua casinha, ocultando o que a ela parecia entristecer.
O gesto instintivo do cão despertou-lhe o desejo pelo tempo de curar.