SUBLIME AMOR
Corria o ano de 1959. Estudávamos na mesma classe desde o primeiro ano primário. Tinha um carinho muito especial por Catarina. Ela tinha a mesma idade que eu e era um pouco mais baixa.
O colégio em que estudávamos ficava na quadra em frente da minha casa. Ela morava quase no final da minha rua. No ano anterior combinamos irmos juntos para o colégio, quando as aulas recomeçassem. Catarina saía de casa com seus passos cadenciados e estudava o percurso de sua casa até a esquina da rua que nos levava ao colégio. Ali ela me esperava quando eu me atrasava. O mesmo procedimento eu adotava, com o intuito de ir conversando com Catarina até o portão do colégio.
Ao final daquele ano, num impulso, tentei segurar a sua mão e fiquei surpreso e desiludido com a sua resposta : “ Eu te considero meu melhor amigo...acho que devemos continuar assim...!”.
Alguma coisa muito forte acontecia comigo quando estava próximo de Catarina. A minha química ficava alterada. As mãos ficavam frias e a minha testa úmida.
Eu a admirava todinha. Seus cabelos negros tinham um brilho especial. Seus lábios perfeitos e úmidos lembravam a suavidade de um pêssego. Sua voz aveludada penetrava em meus ouvidos como se fosse o dedilhar de uma harpa.
Durante as férias, ao final daquele ano, seguimos caminhos diferentes. Cada um de nós se envolveu com programas familiares, viagens para casas de parentes e a gente acabou não se encontrando naquelas férias escolares.
No primeiro dia de aula de 1960 notei que Catarina estava muito mais bonita. Usava um par de brincos e uma pulseira muita delicada no pulso direito. Trocamos abraços e durante o recreio conversamos um pouco. Irritava-me o fato de Catarina estar sempre rodeada pelos rapazes de nossa classe. Juro que não era ciúme. Durante toda a minha infância fui um menino tímido. Achava que seria mais um a paparicar Catarina e isso eu não queria... Ela poderia ficar muito convencida de seus encantos e começar a esnobar-me.
Na sexta-feira daquela primeira semana de aulas , Catarina, pela primeira vez, ultrapassou o limite da esquina que ficava entre as nossas casas e bateu palmas em frente à minha casa.
Minha mãe avisou : “ Aquela tua amiga ... lá do colégio ...a filha da Dona Eunice... está te chamando lá no portão! “.
- Quem ???? – perguntei surpreso.
Terminei de me arrumar rapidamente. Apanhei o material escolar,deixando quase toda a comida no prato e fui ao encontro de Catarina.
- Tenho uma surpresa para você! – disse-me ela sorrindo.
Abriu o embrulho que trazia nas mãos e mostrou-me o bolo de chocolate que ela mesma tinha feito.
Naquele dia, Catarina e outros alunos estavam encarregados de levar bolo ou doces para o lanche comunitário do colégio.
- Gostaria que você provasse o bolo que eu fiz ! Depois diga se está bom.
Ali mesmo, em cima do muro, começamos a comer o bolo de chocolate que ela já havia cortado em fatias.
Comíamos e nossos olhos não se separavam. Era a comunhão de nossos sentimentos. O mundo poderia acabar naquele momento. Nada mais importava ou fazia sentido, a não ser a leitura de nossas almas, que íamos fazendo pouco a pouco, através de nossos olhos. Se aquela sensação que eu estava sentindo era o amor, que já tinha ouvido os adultos falarem, eu tive a certeza que a amaria para o resto da minha vida.
Demos as mãos e começamos a caminhar em direção ao colégio.
O que sobrou do bolo ficou esquecido em cima do muro.
Como dois pombinhos apaixonados, iniciamos, naquele momento, o caminhar luminoso em busca do nosso DESTINO.
Murilo Garcia Pereira.