"Quem dera eu fosse mesmo um anjo"
Ela era uma menina que todos achavam bonita! Embora ela mesma não se achasse bonita. Tinha cabelos cacheados castanhos e alourados. Uma pele que de tão rosada, às vezes ficava vermelha demais. Sempre ouvia elogios, estava acostumada já. Mas um dia recebeu o elogio mais singelo de todos, elogio que nunca mais esqueceu.
Seu pai tinha um negócio que empregava várias pessoas, homens, mulheres e até crianças. Sempre tinha um engraçadinho no meio dos rapazes, um mais abusado que passava um pouco dos limites. Elogios masculinos a assustavam, não sabia bem por quê. Ficava aterrorizada com as gracinhas e corria para perto de alguém, só assim se sentia segura.
Os homens a desejavam, e faziam comentários, na verdade todos tinham medo e não se achavam dignos da beleza doce e tímida dela. Então uns por despeito ofendiam, outros por insegurança fingiam indiferença.
Entre eles um chamou sua atenção, ele era alto, loiro e tímido. Tímido, mas corajoso. Simples, mas digno. Era pobre, era bem pobre. Seu pai gostava dele, na verdade todos gostavam dele, inclusive ela. Ele saiu da empresa do pai dela, arrumou emprego na prefeitura da cidade, ele era inteligente demais para trabalhar ali.
Uma tarde ensolarada ela estava sentada no banquinho da pracinha, observando, esperando, o quê, ela nem mesmo sabia. Ele veio em sua direção, passos lentos, tímidos, inseguros. Ele sempre ficava mais inseguro perto dela, mas não conseguia resistir, tinha que falar-lhe, tinha que chegar perto, sentir seu perfume de bebê, imaginar-se acariciando aquela pele aveludada, imaginar-se beijando aquela boca bem feita, com sorriso fácil de dentes alinhados e brancos.
Ganhou coragem e a convidou para sua casa. Tinha que pegar qualquer coisa lá para levar na prefeitura. Ela aceitou o convite. Ele não entendeu bem por quê. Na verdade não fazia idéia do que se passava naquela cabecinha, ela tinha o mundo aos seus pés e ele era só um reles empregado do seu pai, na verdade ex- empregado.
Mal sabia ele, que ela se sentia segura ao seu lado. Sentia que podia confiar nele, se ele tivesse um pouco mais de coragem e falasse o que sentia, ela aceitaria namorar com ele. Mas ele não falava nada. Então ela achava que era pouco, que não servia pra ele, que ele queria alguém melhor, diferente dela. Aceitou o convite, achando que ele a convidara só por convidar e ela iria só por ir. Foram caminhando lado a lado, ele fervia por dentro, ela se divertia com as piadas dele. Ele era forte, tinha braços fortes, o trabalho na empresa do pai dela era pesado. Ele era um bom empregado, era o melhor de todos. Ela sentia que poderia ficar com ele para sempre. Abraçadinha, só ouvindo ele falar. Aquele jeitinho simples de moço da roça. Aquelas histórias ingênuas. Ele era perfeito para ela. Tinha todas as qualidades que buscava num homem. Força, coragem, honestidade. Sim ele transpirava honestidade. E seus olhos azuis eram os mais meigos que ela vira na vida. Quando olhavam para ela bem direto, bem profundo, faziam-na corar, desviando rapidamente os olhos. Sentia-se dominada.
Chegaram na casinha dele.Um velho casebre de madeira, o mais simples que já vira. Uma pequena cozinha limpa e arrumada, com toalhas brancas de doer os olhos, fazia o papel de sala também. Cadeiras simples de madeira e panelas amassadas e brilhantes. Os cômodos eram separados por cortinas estampadas de pano barato. Imaginou-se morando ali, rindo com ele, planejando o futuro dos filhos lindos, que teriam. Ela era mestre em imaginação, se perdia em seus pensamentos, ficava aérea, se desligava do mundo ao redor. Foi tirada dessa divagação gostosa, a avó dele entrou na cozinha, ela não vira de onde. Era uma velhinha baixinha, de cabelos branquinhos, olhos azuis como os dele. Correu para ela em seus passinhos trôpegos. Segurou suas duas mãos. Ele a apresentou: _Essa é minha avó, eu moro com ela. A avó ficou encantada, falou: _ Que moça linda, meu filho, parece um anjo! Ela se apaixonou pela avó. Aquele dia acreditou que era de fato bonita. A velhinha foi tão sincera e seus olhinhos brilhavam tão intensamente. Ela se sentiu mesmo um anjo. Queria morar ali com eles para sempre!
Mas ele, disse irônico para a avó:
_Não se empolgue não vó; ela não é pro meu bico!
O que ele queria dizer? Ela só queria que ele convidasse, ela viria morar ali com ele na hora. Mas calou-se e apenas sorriu, sorriu seu sorriso radiante, que colocava as pessoas longe dela, embora ela nem tivesse consciência da beleza de seu sorriso, da força que ele tinha de fazer com que as pessoas se sentissem indignos da beleza dela. Sorriu e quanto mais ela sorria mais ele se sentia menor. Ela se despediu da avó, deu um beijo doce nas faces enrugadas, e saíram pela porta. Ela nunca mais o viu, nunca mais falou com ele. E nem se lembra mais do que conversaram na volta, ou sobre o que conversaram. Apenas guardou na lembrança a frustração que sentiu ao ouvir dele que os dois não tinham chance juntos. E a doce velhinha chamando-a de anjo.
Hoje quando se sente triste, e mal aceita pelas pessoas, gosta de se lembrar daquele dia. Daquela velhinha que a recebera em sua casa como se ela fosse mesmo um anjo.