O Amor é Frágil como a Flor
Palma estava só, aliás, era só. Unia-se ao cosmos recostada à calçada de sua casa. Muitos passavam. Entretanto, em todos os olhares ela via era o que lhe ia n`alma. O dia terminava vermelho com amarelo. Ali ela se perdia no ato de se iluminar.
Lampejos como trovões. Relâmpagos clareavam-na? Era ver os outros e enxergar-se a si mesma. E nisso, ela repugnava-se: da beleza do mundo, da improbabilidade do mundo.
Era uma mulher forte, chegava-se diante ao espelho: eram os muitos anos de vida. Acreditava em sua solidão como trunfo de seus desejos, poder com eles na liberdade. Palma era mão abanando,. Indefinida repetição sonora.
Ah... Ela se transformava... Mulher-palma, flor passageira, regada de expectativas. Era liliácea perfumada e alva. Naquele gesto estendido dela mesma para ela mesma diante do mundo, germinavam imagens de um único homem. Pela primeira vez na vida ela amava. Pela primeira vez então a vida era curta demais.
A mulher emudecia-se, fingia-se distrair. Assim ela observava os humanos no ir e vir. Observava o dia virar noite e as gentes buscar abrigos. Era isso, atormentava-se em sua felicidade: “todos correm para ligarem luzes dentro quando elas se apagam fora”.
“Insisto comigo para acostumar a amar, quero transparecer-me na escuridão. Pensava Palma. Quanto tempo ele me vem ficando dentro em mim? Quantos dias ele é branco em meus ouvidos? Há quantas horas meu coração vive batidas que ele provoca? Quantos balanços, ventos, risos e levezas e cochichos? Quais os minutos o edificaram em todos os homens do mundo? Em qual segundo exato a sua alma se enlaçou à minha?”
A vida da mulher estava jogada aos pés dela mesma: como se depois de tanto lutar pela independência, achasse razoável sofrer de felicidade. Mas, por que Palma não corria para seu poeta-amor? Não, ela não poderia, havia sido livre demais da força dos sentimentos que entregam uns aos outros; havia fugido demais da doce despreocupação de se deixar viver inadvertidamente. “Ah, lógico, ela pensou, quase todos são tão parecidinhos, riquinho com riquinha; branquinho com branquinha; negrinho com negrinha. Os casais de mesmo filme, mesmo teatro, mesmas ruas. Amar! É perigoso e muito feio. É indecoroso”.
Assim estava lá aquela mulher travando a insensatez do amor. Eu que acredito ser a única pessoa que notou o amontoado incrédulo e brilhante na visão de Palma, pude ser narrador intruso do seu conto, mulher de tardes atrás. Contemporizei-me de seu tormento.
Mas, ela se saboreava nas árvores do perigo. De flor sutil crescia palmeira.
De repente, ela me surpreendeu, perderia o controle da personagem. Levantou-se altiva e ainda ouvi seu pensamento falando ao amado: “Não me importa, agora eu me confirmei. Todos passantes confirmaram para mim. Eu amo mesmo você. É mais belo que todos. Sei do calor de minha pele quando se aproxima da sua. Minha alma precisa de muito tempo para contar-me tudo que fez por ela “.
Estranho, ficou lívido o rosto da Palma. O tempo e a vivência em enfrentar-se diante do mundo, pequeno, mas seu mundo transformou-na. Confessou-se abstratamente, como se juntos – ela e ele numa bastilha-rezassem à missa da reparação dos enganos e fossem perdoados do amor impossível.
Porém, escapou-me o poder da onisciência. Ela se retomava, inteira... Quando um jovem tropeçou-se em seus pés, ela emitiu um riso enigmático e difícil. Pareceu-me ler em se coração: “ah! Ah! Nunca podemos e não poderemos; abraço o amor pelo amor”.
Reergueu-se do tronco da natureza e entrou nobremente em sua casa.
Segui minha rotina. Um dia, estava indo ao meu estúdio de “ipês floridos” e a vi. Sentava-se num banco do jardim. Próximo a ela, havia um coreto e pessoas cantando: “...meus olhos são negros, negros, como a noite de luar...”Uma palma de cor laranja amparava serenos noturnos, do lado contrário a ela. E ela ali, só e ali. Tinha o ar tranqüilo de natureza feliz e permanecia ali. Branco e laranja contrapondo-se e formando um único cenário da melodia.
Duas vontades imensas me ocorreram: a primeira de perguntar-lhe: “quem era ele, quem era o homem que ela amava tanto no momento em que a observei dias atrás?”; a segunda, pintá-la junto à flor, cada uma no seu mundo, palmas tão diferentes: uma, suor e sangue; outra, cor e leveza. Duas flores que se ignoravam soberanamente.
Olhei mais delicadamente: ela serenava. Que importava? Nada havia a indagar.
Naquela madrugada pintei a Palma e a flor. Talvez, pensei: “a beleza da mulher misturada à flor revela metáforas da antítese do amor, não o explica, não o define”...
Palma hoje está em uma tela na varanda de minha casa. Outro dia bem cedo, acordei com um canto magnífico. Eram vários beija-flores que pareciam querer arrancá-la do quadro.
Que nada, nutriam-se de seu néctar.