Wookie, meu amor

Quando o conheceu ele lia Richard Bach. Era carinhoso e de uma fé profunda. O amor era sobrenatural. Tinham programado algo como uma viagem de passeio ou coisa assim, ele fechava os olhos por um instante depois dizia: podemos ir tranqüilos, tudo vai correr divinamente. Outras vezes depois desse curto instante de meditação: não iremos. Não pude visualizar a nossa chegada. Não iam e tinham depois notícias de contratempos ocorridos aos que haviam ido. Esse jeito de ser foi o que mais o atraiu no namorado. Ele a chamava de Leslie. Ela amava o apelido carinhoso. Era lindo. Ele mostrava-se decidido e dono de si. Nas conversas nas rodas de amigos ele era o centro das atenções. Leitor ávido que era, dominava qualquer assunto.

O tempo do noivado foi um encanto. Ele estava lendo Erico Veríssimo e a chamava agora de Clarissa, que também era um nome muito lindo. Ele não tinha mais aquele jeito místico, mas todos os seus gestos eram de ternura para com ela. Costumava surpreende-la com um buquê de rosas vermelhas, ou uma caixa de bombons. Foi nessa época que aprendeu a tocar violão e numa madrugada fria, em que a lua cheia iluminava as flores do pequeno jardim, molhadas de sereno, acordou-a cantando a Noite do Meu Bem.

Quando se casaram ele havia se enveredado pelos romances de Sidney Sheldon e a chamava agora de Kate. Era então muito solícito e procurava fazer todas as suas vontades. Sei que minha senhora é uma pessoa exigente. E a abraçava com muita reverência. Haviam construído uma casa modesta num bairro da periferia, mas o altruísmo do marido não a deixava se sentir pobre. Referia-se ao minguado patrimônio como nosso império. Fazia-a sentir-se mesmo uma rica senhora.

Ele agora lia Machado de Assis. Não podia acreditar em mudança tão terrível. Não o reconhecia mais. Chamava-a de Capitu e tornara-se rabugento. Fechado. Parecia haver brigado com o mundo. Definitivamente aquele não era o homem com quem se casara. Deixou de lado as responsabilidades. Já não ia mais ao emprego, sempre fiscalizando-a com um ciúme infundado.

Foi diante de tal quadro que ela aceitou a sugestão dos amigos. Disseram que aquela clínica era bem conceituada, que ele seria bem tratado e voltaria curado. Que seria o mesmo homem de antes. Foi quando ela começou a refletir: qual deles? Ele havia sido tantos! Todos apaixonantes. Só Dom Casmurro não veio a exceler...

..........................................................................................................

_ Como se sente hoje? Perguntou o homem de jaleco branco com cabelos desgrenhados e olhos arregalados de gente doida.

_ O que parece ao senhor?

_ Parece bem.

_ Bem, a autoridade no assunto é o senhor.

_ Vou te dar alta. Sua esposa virá te buscar.

O homem de jaleco saiu sem mais explicações. Ficou ali sentado na sala fria. As paredes nuas nada lhe diziam do futuro, que lhe parecia incerto. Não sabia de quem exatamente o médico falara quando se referiu à sua esposa. Fechou os olhos e imaginou sua volta. Pode visualizar a sua saída da clínica, mas não a chegada em casa. Fez várias tentativas. Debalde. Só se via saindo de mãos dadas com uma antiga namorada.

A porta se abriu de repente e ela entrou intrépida e linda. Léslie Parrish era tipo de mulher que passa uma idéia de sol nascente. Sempre radiosa. Ela compreendeu com quem voltaria para casa quando ele fez a antiga brincadeira:

_ Wookie, meu amor! É você?.

_Sim, sou eu Wookie. Vamos embora.

_ Não posso ir. Você sabe. Não me pude ver chegando em casa.

_ É porque não vamos para casa, seu bobo. Vamos passear por aí. Não sabe que dia é hoje?

É verdade. Era doze de junho. Como pôde esquecer uma data tão importante para eles?

Carlinhos Colé
Enviado por Carlinhos Colé em 06/10/2011
Reeditado em 06/10/2011
Código do texto: T3260979
Classificação de conteúdo: seguro