Uma Nova Descoberta

Depois de um bom tempo na “geladeira” a Leda resolveu que era hora de eu tirar minhas merecidas férias. Bem, isso era apenas um problema de justiça do trabalho porque eu tinha acumulado três períodos. Ou seja, me esfalfando de trabalhar naquele pasquim indecente. Despedi-me de meus companheiros e lhes disse que precisavam morrer de saudades porque um mês passa bem depressa. Que maravilha. Fui até o Alaor e pedi cerveja para comemorar.

Voltei para meu bairro. Para meu apartamento de fundos. Que linda visão. Aquele caos glorioso. Fechei um baseado e coloquei um pouco de Ottis Redding para rolar. Nada mal. Abri a geladeira e tinha uma garrafa de vinho argentino refrescando. Saquei a rolha e bebi um longo trago pelo gargalo celebrando minha liberdade de um mês. Liguei para a Layla no celular. Ela estava no escritório. Perguntei se ela queria passar a noite na minha casa e combinamos de nos encontrar no Bar Eslavo para mais vinho. Ela aceitou e disse para esperá-la depois das cinco de meia. Ótimo. Seria uma bela noite de inicio de férias. Fiquei fumando e bebendo. Drenei aquela garrafa de ótimo tinto argentino merlot e encontrei outra. Não constituiu em grande problema para eu mata-la. Quando cheguei ao Eslavo já estava pra lá de chumbado e pedi mais vinho. Coisas da vida. Fiquei na porta fumando cigarros e tomando uma taça atrás de outra. Quando a Layla chegou eu tinha mandado abrir a quarta garrafa do dia. A noite iria ser longa. A Layla sorriu para o bartender quando chegou seu copo e nos transferimos para uma mesa. O eu gosto de vinho. Não tenho muito o hábito, mas como era a única coisa que minha bela dama bebia às vezes eu comprava algumas garrafas. E explica perfeitamente o que vou narrar a seguir. Como não tenho o costume diário da bebida inventada por Noé era rapidinho para eu ficar de porre e ousado. Como naquele começo de noite.

Quando eu já estava na sexta garrafa de para lá de Teerã não sei o que me deu na cabeça de começar a provocar a Layla. Só de farra. Típica brincadeira estúpida de bêbados. Claro que aquilo não iria acabar bem. Não restava dúvida. Sugeri que fossemos até a minha casa o que aceito de pronto consciente do meu estado. Não me pergunte o que falei para ela quando comecei a caminhar, mas mesmo travado como eu estava vi lágrimas brotarem dos seus olhos. Ela fez uma expressão de horror e disse que não iria conviver com esse traço perverso do meu caráter que ela ainda não conhecia. Com bom descendente de pai irlandês rígido e católico de mãe indígena da região de Ponta Grossa não fugi a luta e falei mais umas tantas merdas para a garota. Ela me encarou longamente e soltou um “tudo acabado”. Deu-me um basta. No ato ela puxou seu celular e pediu um táxi. Fiquei ali parado falando tudo que vinha na minha cabeça embotada daquele delicioso merlot. Ela me mandou calar a boca. O táxi chegou rápido e ela pulou dentro como se sua vida naquele momento dependesse disse. Gritei-lhe um sonoro “filha da puta” quando o carro de praça arrancou. Voltei para o meu apartamento e abri a geladeira e encontrei uma lata de cerveja que bebi. Desmaiei na minha cama a até a manhã seguinte em que acordei numa ressaca dos diabos. Fui fazer um inventário para ver se não tinha perdido nada na noite anterior e estava tudo no lugar. Espalhados pelos bolsos da calça preta de veludo cotele. Havia uma mensagem de texto no meu telefone celular. Peguei um cigarro para disfarçar aquele gosto de cabo de guarda chuva da minha bota e li o que estava escrito:

“Ontem conheci um traço seu que em nada me agradou. Não posso conviver com isso. Basta! Carlo, seja feliz do seu jeito enquanto eu dou um jeito de continuar a levar minha vida. Não me procure. Minha resposta será “não”. “ Merda. Eu tinha arruinado tudo. Contudo ao invés de ficar triste eu fiquei puto. E com a Layla. Porra, ela não me conhecia o suficiente para saber que de vez em quando sou irônico e sarcástico? Ora, foda-se ela, foi o que eu pensei. Fui tomar um banho para ver a ressaca passava um pouco e para colocar a cabeça no lugar. “Layla, sua piranha” – eu pensava – “estava a algum tempo arranjando pretexto para me largar e eu dei a deixa ontem, cadela, vadia, piranha”. Era isso que passava pela minha cabeça. Decidi dar um tempo de Curitiba. Precisava sair um pouco da cidade. Bares, show de blues, casa da Olga, tudo isso já tinha me enchido e eu precisava de praia. Afinal estava de férias! Vesti-me, preparei uma pequena mochila com duas bermudas pretas, um tênis furado e fodido, produtos de higiene pessoal e algumas camisetas. Tinha dinheiro e cartão na minha carteira. Peguei meus óculos escuros, fechei todo o apartamento e toquei rumo à rodoviária num táxi. Comprei passagem para Florianópolis e peguei a estrada num ônibus da Pluma. Em três horas estava na capital insular de Santa Catarina. Queria ver o que as gatinhas praieiras têm. Achei uma pousada bem em conta no esquema cama e café da manhã. Estava instalado e fui dar uma banda pela cidade. Achei um botequinho bem aconchegante e pedi cerveja. Gostava da fala cantada dos “catarinas”. Fiquei bebendo até me fartar e voltei para o quarto alugado. No dia seguinte um pouco de surfe e descobri onde ficava a zona. Iria me inebriar dos vapores baratos das putas. Eu tinha verdadeiro faro para esses lugares. Já cheguei me apresentando como “Carlo Malta, escritor curitibano” e foi o maior sucesso. Quem disse que dinheiro é problema. Dinheiro é a solução de todos os meus problemas. Subi duas vezes para o quarto, paguei a dona do pedaço me agradeceu. Enquanto caminhava pelas ruas ouvi um reggae pesado vindo de um bar. Entrei. Fiquei curtindo o som. Voltei para pousada com o dia amanhecendo e cantando Queens of the Stone Age em latim arcaico.

Passei nove dias em Floripa. Sol. Som. Surfe. Areia. Sol. Peixe frito. Sal. Vida Mansa. Ervas. Era tudo que eu precisava para recarregar. E uma vez recarregado aquilo todo começou a encher profundamente o meu saco e decidi voltar para a neurose de Curitiba. Voltei para o meu apartamento de fundos carregado de mofo e loucura. Mas pelo menos era MINHA loucura. Quando fui checar os e-mails percebi que não tinha nenhum da Layla. Deixei estar. Fui ao bar Eslavo no fim da tarde e tive o desprazer de encontrar o Rato e Sabugo. Os malucos onipresentes do bairro. O Rato veio em minha direção e perguntou se eu estava a fim de fumar haxixe. Claro que o macaco quer banana. Fomos até a esquina e ele passou um cachimbo para mim. Fumei até doer meus pulmões. Três pegas e eu estava Chapadíssimo da Silva. O Sabugo se aproximou e em tom conspiratório disse:

-Vi sua namorada no maior dos amassos com um sujeito lá no Maneco.

-Que namorada? Pirou? Perguntei.

-Aquela sua namorada bonita e novinha de cabelos enormes, porra! Tá viajando de haxixe já, Malta?

Dei mais um pega e um gole no meu copo de cerveja. Merda. Uma semana e a vaca da Layla já estava de historinha com outro filho da puta? Quem ela pensava que era? Dei uma de durão, mas meu peito acusou o golpe. Tomei um porre horrendo só de raiva e voltei para casa e não conseguia dormir. Liguei para o número do celular da Layla. Ninguém atendeu. Eram quatro e quarenta da manhã. Vi o dia raiar e me peguei escrevendo versos de amor perdido. Dupla merda. Eu estava irremediavelmente apaixonado por aquele garota vinte anos mais nova que eu. Só percebi isso com a perdi definitivamente. Era isso que eu achava. Merda outra vez. Às dez da manhã eu não tinha pregado o olho ainda e liguei para Layla. Ela atendeu:

-Alô. Quase desabei quando escutei sua voz suave.

-Lay. É o Carlo. Dei uma pausa.

-É. Eu sei. Respondeu.

-A gente pode sair para conversar?

-Quando? Ela quis e saber e muito mais – Por onde você andou? Te liguei duas vezes.

-Em Florianópolis, mas isso não tem importância.

-Quando você quer me ver?

-Agora mesmo. Atalhei.

-Tá. Aonde? Fiquei surpreso com a resposta da Layla.

-No meu apartamento? Sugeri com um fio de voz.

-Passo aí em vinte minutos. E desligou.

Esses foram alguns dos vinte minutos mais longos de toda minha existência. A gente tinha terminado uma vez e eu tinha pedido para voltar. Bosta. Eu estava amando! Quarenta e três anos na cara e agora que eu tinha acordado para o fato de que apreciava estar na companhia dela, que ela era agradável e educada e fina, que ela era muito mais madura e esperta do que eu. Que ela tinha uma família que lhe amava e que lhe apoiava em qualquer decisão que tomasse. Ela aguentou milhares de noites de bebedeiras, grosserias e insultos e tinha me perdoado até aquela fatídica noite de seis garrafas de vinho. Ela aturava minha beatiniquices e minhas castañedices mesmo que não as compreendesse. Ela me proporcionava a liberdade que eu tanto precisava e ao mesmo tempo que sexo maravilhoso fazíamos. Ela sacrificou quase um ano de existência por esse velho escroto. Na outra briga que tínhamos tido e que ficamos um tempo sem falar um com o outro eu não tinha notado que era amor o que sentia e que devia comunicar isso a ela o tempo todo. Então isso é que tanto eu ouvia falar em amor? Esse vazio que fica no peito da gente quando a gente perde o ser amado. Se ele não quisesse voltar eu colocaria meu rabinho entre as pernas e iria curtir a minha dor. Amor. Era isso que eu sentia por ela. Amor. Também sentia que ela não era um troféu, uma extensão do meu ego. Amor. Se ela quisesse me repelir eu estava preparado. Fui buscar uma cerveja no refrigerador. Amor. Aquela sensação de ter uma miríade de borboletas voejando em meu estomago era amor, porra! Aquela sensação de sentir meu coração disparado quando ela vinha ao meu encontro era amor. Amor. Amor. Que coisa de louco! Até aquele momento eu amava os meus heróis do cinema, da arte, da música e da literatura. Eu ficava doente quando não escrevia e sentia que se não dissesse para a Lay que finalmente era amor o que eu sentia eu iria ficar igualmente doente. Ela que tomasse a decisão que quisesse. À dez meses ela estava do meu lado. Dez meses é um bom tempo. Agora eu entendia porque ela vinha com o papo de compromisso. Porque ela devia estar sentindo a mesma coisa. E o porco machista e insensível aqui não compreendia e taxava como caretice. O interfone na cozinha tocou enquanto eu estava nos meus devaneios. Abri a porta e fui recebê-la. Ela estava linda em sua roupa de audiência. Meu coração disparou quando ela entrou e comecei a despejar toda essa conversa naqueles ouvidos delicados. Ela apenas me olhava e me ouvia. Por fim eu disse:

-Se você quiser ficar com seu novo namorado, eu aceito, tudo bem. Agora que eu sei o que é amor posso curtir minha dor em paz. Não queria que ficasse nada pendente entre nós. Siga seu caminho, babe.

-Que namorado, Carlo? Ela me perguntou meio cabreira.

-O cara que estava te amassando no Cachorro Quente! Exclamei.

- Quem? Ah, aquele era um advogado do escritório que ficava a um tempão me cantando e naquele dia eu estava muito puta com você ainda e achei que você nunca iria me procurar pelo teor da mensagem que tinha lhe enviado. Mas foi só naquele dia. O cara não tem personalidade própria. O coitado é daqueles que nasceram para receber ordens e acatá-las e eu não quero uma pessoa assim ao meu lado.

O que ela esta me dizendo? Que o que eu sentia era reciproco? Olhei bem dentro dos seus olhos e disparei um “eu te amo, babe, e juro que não é ego”.

-O que você disse, Carlo?

Repeti.

Ela levantou-se de onde estava e me deu um lindo beijo na boca. Nossas línguas se entrelaçaram. A dela se debatia como um peixe num saco. As borboletas pareciam estar retornando ao meu estomago. Ficamos nos beijando por um longo tempo e nos apartamos. A Layla falou:

- Eu sabia disso. Só que você é muito teimoso para admitir. Juro que não vou te sufocar. Mas se você ousar falar merda para mim outra vez eu vou embora para nunca mais voltar. Não é ameaça. É fato. Entendeu o recado?

Levei para meu quarto e proporcionei-lhe um orgasmo delicioso ( ela me disse depois ). Ficamos fumando na cama. E sorrindo um para o outro. Eu disse para ela:

-O babacão fazia isso com você? Te beijava desse jeito? Fazia amor com você desse jeito? Hein, gostosa?

-E você acha que eu vou para a cama com qualquer um, seu escritorzinho menor? Disse-me em tom brincalhão, porém firme.

Descobri o amor muito depois dos quarenta. Quem diria?

Carlo Malta estava amolecendo?

Não quero sofrer porque não sou besta.

Ou quero?

Curitiba 29 de setembro de 2011, 29 graus celsius –primavera.

Geraldo Topera
Enviado por Geraldo Topera em 29/09/2011
Código do texto: T3248287
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