* F R I E Z A

Uma neblina forte não deixava nada ser visto naquele momento. Mas tudo já tinha passado mesmo. Nada, tudo, momento, passado. Era guiada por esses contrastes. Detestava passividades, mas agia passivamente quando o assunto era saudade. E não daria um passo para correr para os braços dele. Orgulho e cansaço. Cansou-se de falar de amor pra quem não sabia nem sequer amar e orgulhava-se desta atitude. “Superei.” Um sorriso falsamente contagiante tomava sua face. “Não superou não.” Era o que o coração, ou qualquer parte do corpo mais sensata que as cordas vocais, dizia.

Para entender o que havia acontecido não é necessário ter muita experiência no quesito coração partido, ele a trocou por outras, um prenúncio que ela decidiu não escutar. As cicatrizes no rosto e no ombro direito estavam visíveis, já que usava uma regata. Ele a amava, ela podia perceber pelos sms desesperados que vinha recebendo durante as últimas semanas. Doía nela também, mas estava disposta a seguir em frente, para evitar a dor, por mais pavor que tivesse da solidão. Sentou-se embaixo de um carvalho castigado pela estação gelada e suspirou, tremendo.

Ele não sentia tanto quanto parecia naquelas mensagens de texto, o falso drama sempre o acompanhou. Estava no bar com os amigos, tomando a quarta dose de vodka distraidamente, lembrando-se de quando a controlava para que não bebesse demais. Fizeram um pacto: nenhuma gota de álcool os dois beberiam a partir daquela data. Mais uma promessa quebrada, o que àquela altura não significava nada.

Muitas brigas, cacos de um relacionamento abalado espalhados pelo chão. Explosões de raiva por parte dele e gritos de dor por parte dela. Não devia ter acertado aquele vaso de porcelana em seu ombro, mas era o único jeito de calá-la. Onde estaria agora? Uma ruiva passando o tirou de qualquer pensamento. “Psiu!” – Chamou-a. A ruiva sentou-se a seu lado, enquanto os amigos admiravam a atitude dele. “Que belo par de... Olhos!” – Disse encarando o decote do vestido igualmente vermelho.

Não demorou muito para que saíssem do bar rumo ao apartamento dele. Esquecera o celular sobre a mesa. O aparelho vibrava sem parar. “Ih, gente! Oito ligações da maluca.” – O menos embriagado falou e os outros começaram a imitá-la. “Que ela fique bem... bem longe da gente, aquela manguaceira!”

Ela ali. Frio, solidão, desprotegida. A ignorância dele venceu. Desistiu de ligar e de viver também. Sempre dizia que adorava o inverno, deixaria ser levada por ele. O corpo foi encontrado três dias depois.

Lisandra Lopes
Enviado por Lisandra Lopes em 22/09/2011
Código do texto: T3235516
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