O Amor de Clarice. Parte – III - Final




Com o coração apertado, Clarice partiu para Paris. Parecia que estava tendo uma parte do seu corpo amputada com aquela separação. Ficou imaginando como tudo poderia ter acontecido para que chegasse a aquela realidade. Antes era apenas uma gratidão, ou julgava que fosse assim. Mas ao se dar conta do seu amor por Fernando, tudo mudara. Já não o olhava como alguém que lhe estendera a mão, mas como um homem que completava a sua vida. Um homem que significava mais que sua existência.
Ao chegar a Paris, dois homens que faziam parte da companhia que a contratou, a esperavam. Um deles era um brasileiro, Ricardo Sampaio. Simpático, sempre muito sorridente, muito atencioso, medindo 1,75 de altura não tinha um corpo atlético, pelo contrário, era magro para a sua altura. O outro era um espanhol, Gonzáles Bozos, estatura baixa, pele rosada, cabelos ralos, aparentava ser mais jovem que Ricardo.
- Como vai Clarice? Fez boa viagem? – cumprimentou Ricardo.
- Fiz uma ótima viagem.
- Este é nosso colega Gonzáles.
- Como vai Gonzáles.
- Estamos com um veiculo da companhia a nossa espera.
Logo entraram no veiculo e enquanto Gonzáles dirigia, Ricardo informava Clarice.
- Vamos levá-la ao seu hotel. À tarde vamos buscá-la para conhecer o teatro e depois iremos ao escritório da companhia. Nosso gerente, o senhor Edmond a aguarda.
- Será um dia corrido, pelo que vejo.
- Só mais um detalhe... A senhorita Nicole fará companhia a você e tem instruções para que nada lhe falte. Ela já deve estar no hotel a sua espera. Ela fala razoavelmente o português e poderá ser-lhe de muita ajuda.
De fato Nicole aguardava Clarice no hotel. Era uma mulher de 35 anos, alta, cabelos ruivos e olhos castanhos bem claros. Muito gentil recebeu Clarice com amabilidades.
Ricardo e Gonzáles se despediram e assim Clarice foi para seu quarto em companhia de Nicole. Logo se tornaram amigas. Nicole tinha este dom de fazer com que as pessoas a aceitasse de primeira.
- Me parece triste, minha cara Clarice.
- Nada não. Vai passar. È efeito da viagem – desculpou-se.
Nicole era uma mulher muito experiente e foi fácil perceber que Clarice estava com saudade de algum amor ou algo parecido. Ficou calada e apenas sorriu diante daquela resposta tão vazia.
A tarde Ricardo e Gonzáles foram apanhá-las. Leram como havia combinado ao teatro e depois ao escritório da companhia. Edmond a recebeu desmanchando-se em carinhos e atenção. Disse então que todos os dias depois pela tarde, Ricardo a levaria ao teatro para ela ensaiar. Entregou-lhe uma lista com a relação das musicas que ela deveria executar e perguntou:
- Pode tocar estas musicas? Se desejar poderá mudar alguma delas.
Clarice leu e disse:
- Gostaria de começar com Sonata ao Luar de Beethoven. Nada a mudar. Dou conta de todas elas.
- Tudo bem. Então que seja Sonata ao Luar a musica de abertura. Uma belíssima escolha – concordou Edmond.
O recital seria dentro de cinco dias, mas Clarice conhecia muito bem todas as músicas da relação que lhe haviam sido passadas. Não teria dificuldades em executá-las.
Ela e Nicole se tornaram muito amigas. Estavam sempre conversando e trocando idéias. Na noite que antecedeu a sua estréia, Clarice deitada não conteve as lágrimas. A saudade que sentia de Fernando era muito grande e apertava seu coração.
Nicole percebendo que Clarice chorava, sentou-se na beirada de sua cama, passou as mãos em sua cabeça e disse:
- Minha querida, não quer desabafar? Isso poderá fazer-lhe bem e estou aqui para ajudá-la. Confie em mim, vamos lá.
Então Clarice desabafou. Contou a Nicole toda a sua vida e como ela descobriu que amava Fernando.
- Meu Deus, querida... E você nunca falou nada, ou não deu a entender a ele que o amava?
- Não.
- Mas por quê?
- Nicole, depois que ele ficou viúvo, fechou seu coração para o amor. Nunca mais quis saber de outra mulher em sua vida. Por outro lado, acho que ele me ver como uma filha.
- Entendo minha querida, só que não penso como você. Acho sim que deveria ter-lhe contado dos seus sentimentos. Afinal, se não contar nunca poderá saber qual a reação dele.
- Não! Não posso. Ele educadamente diria que não quer mais viver um romance. Que seu coração não cabe outro amor. Falaria do seu amor pela esposa. Ela está morta, mas para ele está mais viva que eu.
- Não sei... Acho que você está enganada quanto ao coração de Fernando.  Ele pode estar te amando em silêncio. Já pensou sobre isso?
- Você acha isso? Não... Não acredito nisso.
- Sim minha querida. Nada é eterno. Mesmo que ele ame a esposa como diz, ele sabe que ela morreu e é claro que existe uma vaga no seu coração. Sempre existe. É só uma questão de saber tocar ali dentro e ele despertará para o amor novamente... E pelo visto, duvido muito que você já não o tenha tocado.
Clarice ficou pensativa por algum tempo e depois disse:
- Não tenho esta certeza do que de me falas. Acho que deixarei que o tempo me mostre o melhor caminho.
- Às vezes o tempo retarda suas horas. Outras vezes ele adianta suas horas. Então perdemos a oportunidade de como acompanhar o tempo. Quando tomamos consciência disso ele já nos deixou para trás. Nunca mais o alcançaremos. O tempo é um grande remédio para muitas coisas, mas às vezes ele é traiçoeiro.
Clarice fitou Nicole para dizer algo, mas desistiu. Ela parecia ter muita segurança no que falava.
Passou a noite quase sem dormir pensando em Fernando e nas palavras de Nicole.
Pela manha evitou voltar ao assunto. Preferiu se preocupar com o recital logo mais a noite.
Quando anoiteceu, duas horas antes do evento foi arrumar-se. Clarice já havia escolhido seu vestido.  Um lindo vestido longo azul turquesa. Não havia qualquer adoro. Usaria apenas um colar de perolas. Estava um pouco nervosa, o que era natural, mas seus pensamentos estavam bem longe dali. Estavam em Fernando. Às 21 horas elas foram para o teatro. Estava calma e no camarim parecia que não se importava com nada. Era como se estivesse ausente de tudo.
Aguardava o momento de entrar no palco.
- Vamos Clarice. Edmond já vai anunciá-la. Ele mandou dizer que você vai ter uma grande surpresa.
- Surpresa? O que será?
- Não sei. Apenas me pediu para dizer-lhe isso.
Levantou-se e acompanhou Nicole até próximo ao palco. De onde estava, podia perfeitamente ouvir Edmond anunciando com garbosos elogios a sua capacidade artística. As cortinas foram levantadas e Nicole disse:
- Vá agora... E boa sorte querida.
Clarice entrou sem olhar para a plateia que estava em total silêncio. Sentou-se ao piano, respirou fundo e iniciou a executar a Sonata ao Luar. Aquela foi a primeira sonata que Fernando havia lhe ensinado. Era a música deles. A música que marcava suas vidas.
Enquanto tocava se perguntava: “Fernando, onde você estar meu amor? Por que não estar aqui comigo para ver até onde você me levou? De que adianta eu estar aqui sem você?”
E quanto mais ela pensava em Fernando, mais feria as teclas vigor, cheia de desejos de estar nos seus braços. Tocava divinamente com todo seu sentimento. O som daquela sonata a embriagava como se a cada nota ela bebesse o próprio Fernando. Parecia dominada por pela música. Como se aquela melodia a transportasse a outra dimensão.
O publico estava como que hipnotizado diante daquela bela exibição. Quando Clarice terminou foi ovacionada de pé. Todos estavam emocionados com seu desempenho. No dia seguinte a critica não mediria palavras para elogiá-la.
Então acontece o que ela nunca poderia imaginar.
Ao levantar-se para agradecer os aplausos na primeira fila estava Fernando que com os olhos banhado em lágrimas aplaudindo-a de pé.
Seu coração disparou. O palco parecia não existir mais. Não conseguia se ver naquele lugar. Suas pernas tremiam e parecia não obedecer a seu comando. Seu estomago se contraiu e um frio tomou conto do seu corpo. Engolia em seco. Não podia acreditar no que estava vendo. Olhou mais atenta para certificar-se de que não estava enganada.
Era ele sim. Era o seu amado Fernando ali a aplaudi-la, não tinha mais duvidas. Seus olhos encharcaram-se de lágrimas. Queria correr até ele. Queria beijá-lo e falar do seu amor. Seus olhos estavam cravados em Fernando e ele ali de pé sorrindo para ela. Não era um sonho. Era real. Era Fernando.
Do lado do palco Edmond fala tirando-a daquele torpor.
- Ei criança. Volte para o piano!
Então ela voltou a realidade, dando-se conta que estava num recital e precisava continuar. Sentou-se novamente diante do piano e passou a tocar as músicas do seu repertório. Tocava com uma felicidade indescritível. Tocava para ele, Fernando. Parecia estar voando ao som das músicas para seus braços. Parecia estar sonhando o sonho de toda a sua vida. O sonho da noite em que Beatriz havia lhe pedido... “Faça ele feliz. Ame-o como eu o amei”.
E a cada música que executava, recordava emocionada como se deliciava ouvindo Fernando tocar piano para ela. Recordava seus passeio na pracinha e as vezes que iam tomar sorvete. Das vezes que ele chegava cansado, mas mesmo assim tinha tempo para ela. Das manhãs de sol em que ela o acordava e o convidava a passear, dizendo que o dia estava lindo e os pássaros os chamavam com seus cantos melancólicos. Toda a sua vida estava sendo recapitulada naquele momento de intensa magia.
Quando terminou, foi novamente aplaudida de pé pelo público Ela mal se continha. Agradecia com reverencias os aplausos.
Queria fazer algo que pudesse demonstrar a todos a sua gratidão por aquele homem que a ensinou a ser a mulher que havia se tornado.
Andou até a beirada do palco, estendeu a mão em direção a Fernando e o convidou a subir. Ele subiu a passos largos e ao chegar junto de Clarice apenas disse:
- Não conseguia ficar sem você, meu amor. Não conseguia. Parecia que o mundo estava em trevas sem você ao meu lado.
Clarice sorriu de alegria ao ouvir aquelas palavras e então disse segurando o microfone.
- Não sei se vão me entender. Meu francês é ainda muito ruim, mas devo a este homem tudo que sei. Ele é um homem maravilhoso e me ensinou desde pequena esta bela arte musical. Ele se chama Fernando Gadelha. O mais delicado e amoroso homem que já conheci em toda a minha vida. O homem que eu amo. O homem que vou amar por toda a minha vida.
E virando-se para Fernando completou:
– Agora você nunca mais ficará longe de mim. Um dia me tirastes das ruas para que com meu amor pudesse encher de felicidade as nossas vidas. Eu te amo Fernando.
E ali mesmo diante da plateia que voltava a aplaudi-los, ela o beijou. Foi um beijo quente de amor. Um beijo que selava a vida de uma mulher que um dia sonhou e acreditou no seu sonho. Ela nunca contou a Fernando, que no seu sonho, Beatriz havia pedido para que ela o fizesse feliz. Ela acreditou no seu sonho e agora ia realizá-lo, dando a Fernando o amor que ele tanto precisava.
- Vou assinar contrato para ir a Lisboa, Milão, e Moscou. Você virá comigo, pois nuca mais ficará longe de mim.
- Sim meu amor. Vou aonde você for. Nunca mais te deixarei sozinha.
 
Assim foi o amor de Clarice: Um amor cultivado com muito amor, nascido de um sonho.

 
 

Fim
 
Carlos Neves
Enviado por Carlos Neves em 16/09/2011
Reeditado em 16/03/2012
Código do texto: T3223395
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