Inesperado
Quando ela abriu a porta do escritório, quase deixou toda a papelada que carregava cair. Ele levantou a cabeça lentamente, depois a colocou um pouco de lado e sorriu. Dentes brancos e polidos.
- Rodrigo... O que...
- Bom dia, Geórgia. É só por um mês. Logo seu chefe estará de volta.
Ele baixou a cabeça e ela ficou olhando sem entender, atordoada. Respirou fundo e foi até a mesa onde deixou os papéis.
- Estes aqui são para assinar, estes... análise e o senhor tem uma reunião daqui a meia hora.
- Ok. Obrigado.
- Mais alguma coisa, senhor?
- Não.
Quando ela estava de saída, ele a chamou.
- O que você acha de sairmos, depois do expediente? Você deve estar confusa e eu... Eu não tenho tempo de lhe explicar agora.
- Tudo bem. Está ótimo. Vemo-nos, então.
Geórgia saiu da sala do chefe, piscou algumas vezes e sentou-se na sua mesa. Apoiou a cabeça nas mãos. Por que cargas d’água Rodrigo estava lá, atrás daquela mesa? Por que seu chefe temporário era, na verdade, seu ex-marido? Afastou-se um pouco da mesa. Foi buscar um copo d’água e tentou se concentrar no trabalho. Volta e meia olhava para a porta. Apreensiva.
O tempo finalmente passou e logo ele apareceu ao lado da sua mesa, estendendo-lhe o braço. Ele enganchou o seu de bom grado. Caminhavam até o elevador e Rodrigo percebia o tão visível desconforto de sua acompanhante.
- Geórgia, dividimos a mesma cama...
- Como você quer que eu aja? Faz três anos... Rodrigo. Três!
- Eu devia parar de ser hipócrita. Onde gostaria de ir?
- Tanto faz.
Foram para um restaurante bem conhecido. Sempre iam lá no tempo de casados. Ele adorava aquele lugar com iluminação escassa.
- Já devia saber... – Disse Geórgia.
Ele apenas riu. Foram até uma mesa, ele puxou uma cadeira para ela. Sentaram e se olharam. O garçom veio. Ele pediu um uísque. Sua bebida favorita e ela sabia disso muito bem. Geórgia não pediu nada.
- Vamos, Gê. Beba um pouquinho...
- Não, obrigada.
Enquanto ele bebericava, ela o observava. Estava bonito. Usando um terno acinzentado que lhe caia perfeitamente bem. Não que ele fosse feio ou que a sua aparência não lhe agradasse, mas hoje... Estava diferente. Provavelmente eram os anos. Algumas mulheres passavam e o olhavam, ás vezes sorriam... Mas Rodrigo estava tão absorto no uísque...
- Eu te devo uma explicação...
- Hã? – Ele a despertara.
- Uma explicação... Eu lhe devo uma.
- Ah, sim.
- Sou amigo do seu chefe.
- Ele nunca me falou sobre você.
- Nossa relação é recente e no mais, você é a secretária dele. Não seria muito legal ele contar da vida pessoal para a senhorita.
- Então eu não deveria trabalhar para o meu ex-marido também.
- Ah, Geórgia. Não complica. É só um favor. Ele queria férias eu havia acabado de deixar a china...
- Então... Você veio da china?!
- Estava morando lá desde a nossa separação. – Tomou um gole do uísque.
- E... Como é lá?
- Ah... É a china, né Geórgia.
- Como assim?
- Pare de fazer perguntas. Eu mal tinha tempo para sair. Só tive duas namoradas. – Pediu mais um uísque.
- Eram bonitas?
- Não que as chinesas façam meu tipo... Mas, sim. Com a primeira foram 6 meses e 8 com a segunda.
- Achei que tivesse casado...
- Não, não! Não faço mais isso... – Deu uma risada mostrando seus belos e alinhados dentes.
- E por que não?
- Porque não, ué.
- Entendo.
Geórgia engoliu seco e fez menção de se levantar. Ele segurou seu pulso.
- Aonde você vai?
- Embora.
- Eu disse algo que lhe ofendeu?
- Não.
- Então, por quê?
- Porque eu já escutei o que eu queria e eu simplesmente não consigo olha-lo e sorrir. Mostrar meus belos dentes, como você. Faz três anos que eu não ouço sequer alguma notícia sua. Como você consegue agir assim?
- Geórgia... Você pediu o divórcio, lembra? Naquela noite. Quando você chegou em casa, largou sua bolsa e foi para o seu quarto. Ignorou a minha presença. Aliás, você sempre me ignorou. Trancou-se lá. Nem boa noite. Eu me cansei. Aí, minutos depois, você saiu e disse que queria se divorciar. Eu perdi meu chão, mas aceitei. Pois aquilo que chamávamos de casamento não parecia nada além de uma farsa. Era ridículo.
- Por que você casou comigo? Por que naquela tarde de novembro você pediu minha mão? - Geórgia elevou um pouco o tom de voz e sentiu algumas lágrimas riscarem seu rosto.
- Porque eu pensei que eu era suficiente... Que com o tempo você me amaria e eu sustentaria nosso relacionamento e aos poucos seríamos felizes. Eu saberia esperar e eu fiz isso desde o nosso namoro. Desde sempre.
Geórgia virou o rosto e saiu do restaurante a largas passadas. Atropelou algumas pessoas. Ele a seguiu e quando alcançaram a calçada, ele a agarrou. Colocou-a próxima de seu corpo. Sentiu seu perfume que o inebriava. Ela se desmanchou em lágrimas ainda colada no corpo dele.
- Eu... Eu sempre quis ser o homem que você queria. Mas, ele nem sabia quem você era. Nem eu. Até eu a encontrar, naquele dia, sabe? Quando estávamos no segundo ano e você descendo as escadas, munida de coisas. Mal conseguia andar. E eu a olhei. Eu a descobri. Meu coração não palpitou, minha mãos não suaram, mas quando eu me aproximei... Deus! Eu sabia que era você. Eu senti um aperto tão grande e percebi que era você quem eu queria para o resto da minha vida. Mas, eu não era ele. Eu era um dos melhores amigos dele, mas não ele mesmo. Tentei substituí-lo e sei que você ficou comigo por pura conveniência porque suas amigas tinham namorados e eu carregava uma certa popularidade... Tão idiota! – Agora ele ria. Lágrimas misturadas com a risada. – Eu era mais ou menos o seu prêmio.
- Não! – Ela gritou. Virou-se e ficou cara a cara com ele. – Deixe-me ir, Rodrigo. Deixe-me...
Então a largou. Seu perfume ainda permanecia no ar. Ele voltou para o restaurante. Ela ainda deu uma olhada para trás e depois seguiu. Era verdade. Ela sabia, cada palavra. Sentiu-se horrível. Fechou os olhos. Mais lágrimas, soluços. E voltaria se pudesse, concertaria se tivesse tal poder. Teria dito não. Mas, era muito tarde. Abraçou-se. Ainda sentia o calor dele. Sentou-se na escada de uma casa qualquer e por lá ficou até as lágrimas cessarem.