O Amor de Clarice.

Este conto por ser extenso será dividido em algumas partes.
Todas as Segundas e Quintas postarei um capitulo.










O Amor de Clarice.
Parte - I



Mais um sábado como tantos outras nos 50 anos de Fernando Gadelha.
Como há anos fazia, sempre aos sábados ia a feira comprar verduras e frutas.
Dezembro estava chegando e hoje seria um dia diferente dos demais para ele. Uma um surpresa o aguardava.
Fernando perdera a esposa aos seis messes de gravidez, quando ainda estavam no primeiro ano de casados. Era uma gravidez de alto risco e ela não resistiu às complicações.
Desde então ele nunca mais olhou para outra mulher. Sentia-se em parte responsável pela morte da mulher que amava.
Pediu demissão da Universidade e passou a dedicar-se somente a dar aulas particulares de piano e dança. O que ganhava dava perfeitamente para seu sustento.
Quando saiu de casa para ir a feira, sentia que algo pairava no ar como que envolto em um manto de mistérios.
Fé suas compras costumeiras e resolveu retornar para sua casa por um outro caminho. Foi uma decisão repentina. Sempre fazia o mesmo trajeto, mas hoje algo o encaminhou por outras ruas.
Depois que andou duas quadras, viu uma menina sentada na calçada, com o rosto banhado em lágrimas.
Aquela menina tocou seu coração.
Parando diante dela, perguntou:
- Por que choras minha criança?
Ela olhou para ele com um olhar que não precisava responder com palavras. Ali ela apenas ao olhar para o Sr. Fernando dizia em seu silêncio: “Tenho fome”.
- Diga minha criança. O que está acontecendo para que te cause tanta dor?
Então a menina olhando para ele respondeu:
- Desamparo... Frio e fome.
Fernando viu os lindos olhos verdes daquela menina banhado em lágrimas e sentindo seu drama perguntou:
- Onde andam seus pais? Por que está na rua e não na casa deles?
- Já não existem mais. Fui levada para um orfanato por uma assistente social e lá só havia mais sofrimentos. Fugi de lá ha três dias. Como o que cato nas latas de lixo, disputando com os cães o que encontro de melhor. Tenho dormido num beco enrolada em folhas de jornais, acordando a cada minuto com medo de marginais.
Não seria melhor voltar para o orfanato? Pelo menos lá poderia se alimentar e dormir com mais tranqüilidade.
- O senhor não sabe o que aquele orfanato. O marido da senhora diretora leva as meninas para dormir com eles. No dia que ia ser a minha vez de dormir com eles, fugi de lá. Não volto mais para aquele orfanato.
- Mas devia denunciá-los...
- E morrer de diarréia como já aconteceu com quem se atreveu a denunciar?
Fernando ficou pensativo e depois de tirar uma maçã da sua sacola e oferecer a menina perguntou:
- Como se chama?
- Clarice – respondeu mastigando a maçã.
- Quantos anos você tem Clarice?
- Vou fazer 8 anos no dia 11 de janeiro.
- Queria te ajudar, mas é complicada a sua situação. Não sei o que devo fazer.
- O senhor é um bom homem É igualzinho como sonhei com o senhor esta noite.
- Como pode ter sonhado comigo se nem me conhecia?
- Então... Quando fui me deitar, orei ao meu anjo da guarda pedindo ajuda. Mamãe sempre dizia que nosso anjo da guarda nos protege.
- Sim... E onde eu entro nesta historia?
- Uma linda mulher apareceu no meu sonho e disse para eu vir para esta rua e esperar pelo senhor que ia aparecer carregando uma sacola e vestindo calças cinza. Ai ele me mostrou o senhor.
- Se sabia que eu ia aparecer, por que chorava?
- Estava demorando muito e eu pensei que tinha sido só um sonho como os outros. Por isso estava chorando.
- Lindo sonho, mas não sou de acreditar em sonhos. Deve estar tentando me agradar...
- Mas é verdade... Ela disse se o senhor duvidasse que eu dissesse que foi a Beatriz que me apareceu em sonhos.
Ao ouvir o nome de Beatriz, Fernando levou um grande choque. Beatriz era o nome de sua falecida esposa.
Sr. Fernando ficou pensando enquanto procurava se refazer do choque. Como esta criança poderia estar mentindo? Tudo parecia acontecer com muitas coincidências e havia algo de diferente nela. Falava com segurança. Tinha um olhar sereno, cheio de ternura que inspirava confiança.
Quando se sentiu refeito do susto, havia tomado uma decisão.
- Me dê a sua mão e venha comigo. Vou cuidar de você. Terá casa comida e escola. Farei de você uma grande mulher.
Um sorriso tomou conta de Clarice. Levantou-se e segurou a mão daquele homem em que sentia ser seu amparo. Uma certeza instalou-se nele. Agora sabia que ele ia cuidar dela e sua vida mudaria. Pensou nas outras crianças do orfanato que não tiveram a mesma sorte que ela. Isso a incomodou.
De mãos dadas, saíram os dois caminhando e conversando como velhos conhecidos.
Ao chegar em casa, ele deu-lhe uma toalha, um sabonete novo e uma escova de dentes ainda na embalagem.
- Tome. Vá se banhar. Depois escovar os dentes e então venha comer algo. Tem bolo, pães e leite na cozinha. Eu vou ao comercio e logo estarei de volta. Quando eu voltar farei o nosso almoço.
Clarice nem respondeu. Pegou tudo e foi direto para o banheiro que ele indicou.
Quando terminou de se banhar, foi comer bolo e tomou um copo de leite. Depois que acabou, lavou as louças sujas que estava na pia e foi sentar-se no sofá da sala para esperar seu protetor.
Algum tempo com um sorriso estampado nos lábios, Fernando chegou trazendo varias sacolas.
- Venha cá. Sente-se aqui perto de mim.
Então ele começou a retirara das sacolas vários pacotes e caixas entregando-os a Clarice.
- Pode ir abrindo e jogar os papeis mesmo no chão. Depois eu recolho tudo.
A cada um que Clarice abria deixava escapar exclamações de emoção. Eram calcinhas, vestidos, bermudas, pijamas, perfumes, escova de cabelos... Enfim, tudo que ela ia precisar.
- Não sabia o numero do seu pé e então comprei esta sandália. Espero que tenha acertado.
- É lindinha – disse ela cheia de felicidades enquanto experimentava a sandália.
- Deu certo?
- Sim. Exatamente do tamanho que calço.
Clarice não parava de remexer nos presente. Segurou uma bermuda e perguntou:
- Posso vestir esta bermuda vermelha agora?
- É sua, minha querida. Pode vestir o que quiser.
Clarice correu para se trocar e em poucos minutos voltou sorridente vestida na bermuda e uma blusa estampada de margaridas.
- Está linda Clarice.
Ela sorriu e correu para ele. Abraçou-o forte e beijo seu rosto para então dizer:
- Vai cuidar de mim mesmo? Nunca vai me abandonar?
Seu coração feliz estava cheio de receios que aquele sonho terminasse a qualquer momento. Ela queria se sentir-se amparada e amada. Precisava disso como precisamos do ar que respiramos.
- Nunca te deixarei sozinha. Vou mover montanhas para que fique sempre ao meu lado.
Os olhos de Clarice estavam encharcados de lágrimas. Desde que seus pais morreram naquele trágico acidente, não se sentia tão feliz. Queria que esta felicidade durasse para sempre e a ajudasse a esquecer a dor da perda dos seus pais.
- Como devo chamar o senhor?
- De Fernando... Apenas Fernando. Não quero tomar o lugar do seu pai. Que ele e sua mãe vivam sempre nas suas lembranças e no seu coração.
- Tá certo então. Fernando – sorriu ao dizer isso.
Então Fernando foi mostrar a ela seu quarto. Mudou os lençóis e os dois arrumaram as roupinhas no armário.
Em seguida Fernando foi até ao telefone. Lembrou-se de uma aluna que poderia ajudá-lo a manter Clarice em sua casa.
A Sra. Zilda Garcia era uma de suas alunas mais dedicada. Esposa de um desembargador poderia ser agora a solução para Clarice.
Ao telefone Fernando pediu para atendê-lo ainda naquela mesma tarde. A Sra. Zilda respondeu que deveria ir a um chá às 17 horas e que antes passaria em sua casa.
Quando ela chegou, Fernando apresentou-lhe Clarice e contou-lhe toda a sua historia.
A Sra. Zilda ficou encantada com Clarice e revoltada ao tomar conhecimento dos procedimentos dos diretores do orfanato. Então disse com segurança.
- Vou falar com meu marido assim que eu voltar do chá. Pode ficar tranquilo que o senhor vai ter a tutela desta criança. Disso não tenha a menor duvida, porque eu vou me empenhar pessoalmente para que isso se concretize.
Fernando agradeceu. Estava feliz e agora existia uma razão em sua vida para voltar a viver e sorrir. Clarice.
A noite depois do jantar, convidou Clarice a ouvi-lo ao piano. Executou lindas melodias e para a sua surpresa ouviu da criança:
- Que lindo! Você me ensina a tocar piano? Diz que me ensina, vai.
Fernando sorriu e disse que a ensinaria, sem parar de tocar. Algum tempo depois, Clarice dormia no sofá. Ele a pegou nos braços e a levou para seu quarto. Beijo-lhe a testa e disse:
- Boa noite minha princesa. Tu és um anjo que Beatriz me envio, para que minha vida voltasse a ser alegre e cheia de felicidades.
Ao sair deixou um abajur aceso no canto do quarto para que ela não ficasse no escuro.
A vida de Clarice começava naquele dia a sofrer uma grande transformação.
E assim aconteceu.

*****

Continua na próxima Seman
a
Carlos Neves
Enviado por Carlos Neves em 10/09/2011
Reeditado em 16/03/2012
Código do texto: T3211863
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