O destino da garota que observava o céu!!!!!!!_parte 2
No outro dia, levado pelo desejo de revê-la e pela curiosidade que dizem as más línguas matou o gato, segui o mesmo caminho e a encontrei no mesmo lugar de antes. E lá estava meu pequeno anjo mais uma vez entretida entre o céu, o livro e a folha de papel. Nesse dia, no entanto, tornando-me um suspeito observador, sentei-me na beira da calçada, decidido a saber por quanto tempo aquele ritual duraria. E durou até as primeiras estrelas surgirem no céu. Quando a luz do sol já não era suficiente para a leitura ou a escrita, ela permaneceu lá até o último raio de sol se extinguir, extremamente atenta as primeiras estrelas que a escuridão revelava.
E assim fiz todos os dias por uma semana, e já não sabia explicar o estranho desejo que me impelia a ir vê-la, a curiosidade ainda existia, mas era muito mais do que curiosidade o que me atraía. Eu não sabia na época, mas, já estava perdidamente apaixonado.
No sétimo dia da minha estranha perseguição, não a vi!
Nesse momento muitas coisas passaram pela minha cabeça, a mente de um leitor ávido e romântico é terreno fértil, e logo mil e uma possibilidades foram cogitadas. Desde a loucura de ter imaginado tudo, passando pela crença de que ela realmente fosse um anjo até o terrível destino dos enamorados romancistas, a morte.
Fazia já meia hora que nada acontecia no telhado, meu coração repassava cada possibilidade e minha mente as estudava racionalmente, quando a porta da casa se abriu e eu vi meu anjo. Trazia um pedaço de bolo na mão e um sorriso tímido no rosto. Aos poucos foi se aproximando, descalça agachou-se na minha frente e disse: É para você!!!!
Seguiu-se então uma catarse de sentimentos em tão poucos segundos. A alegria de vê-la viva, a tranqüilidade por saber que não estava louco, o desejo irracional de tomá-la em meus braços, o calor do sorriso, o constrangimento e a confusão diante da situação. Tudo isso aliado a um coração que batia descompassadamente ao perceber que amava! Com ar de bobo apaixonado e a voz ainda meio tímida, comecei uma frase gaguejada:
- NNãaa....o en....tendo...
Ao que o sorriso dela se abriu um pouco mais em resposta ao meu visível atrapalho, e uma voz de contralto firme, porém doce, respondeu:
- Para comemorar, seu bobo, já que faz exatos 7 dias que você vem me observar!!!!
Se antes havia dito que estava constrangido, naquela hora quis enterrar minha cabeça no asfalto. Ela sempre soube que a observava. E aquilo me deixava numa situação de observador suspeito, quem sabe até caso de policia, teria ela chamado a mesma??? E, ela estaria apenas tentando ganhar tempo até eu ser surpreendido e preso? Até eu chamaria a policia, eu tinha sem dúvida o perfil de um maníaco em potencial...
- Pode pegar o bolo. Insistiu ela. Não está envenenado ou algo assim. E com aquele sorriso que tudo iluminava estendeu-me a mão.
- Tão pouco chamei a policia. Prazer meu nome é Estrela.
Levantei-me ainda aturdido e me apresentei devidamente. Aqueles primeiros instantes de conversa deveriam ser atrapalhados e cercados de desconfiança, porém, meu pequeno anjo, tinha o dom da oratória, aquele poder de fazer as pessoas beberem em suas palavras e esquecerem qualquer sentimento que possa servir de empecilho ao bom a andamento da conversa.
Enquanto ela falava animadamente, como uma criança, pude contemplá-la melhor. Não deveria ter mais de 1,65m, seus cabelos castanhos caiam em cachos na altura dos ombros, emoldurando um rosto redondo com olhos curiosos de um castanho claro e uma boca volumosa sem ser desmedida. Realmente era um pequeno anjo caído do céu na minha vida. Não fosse pelas roupas julgaria saída de uma daquelas novelas de época, no entanto, um dos lados bons da modernidade é a ausência de vestidos que só deixavam a mostra o colo e os braços. Machado de Assis se vivesse nos dias de hoje, com certeza, não prenderia suas atenções a tão pouco do corpo de uma mulher. A minha, vestia tão somente uma bermuda e uma camiseta, deixando a mostra o suficiente para me despertar não somente o coração.
Conversamos até tarde, ali mesmo na beira da calçada, enquanto comíamos despreocupadamente a fatia de bolo com as mãos. Soube que morava com a mãe, a qual recentemente veio a falecer, deixando-a sozinha. Não possuindo outros parentes, vivia de uma pequena herança e dos aluguéis que agora administrava no lugar da mãe. Não quis fazer faculdade, mesmo tendo passado em todas que se inscreveu. Queria apenas viver a vida daquele jeito, sem muitas preocupações ou ambições. Era uma alma que eu via transparente diante de mim, simples de entender e fácil de amar. Pelo menos foi a doce ilusão que eu tive. Hoje sei que nenhuma alma é simples de entender e nenhum amor fácil de viver. É por isso que apenas corações fortes amam verdadeiramente, os fracos ou covardes, vivem de um amor em outro e fingem ser felizes, mesmo que chorem na solidão de suas camas frias.
Enfim, aquele tão esperado momento chegou. Aquele instante único em que apenas duas pessoas apaixonadas entendem, quando tudo cala, o universo silencia e espreita os dois, os sorrisos silenciam em constrangimento, os olhares se cruzam, mas não se desviam pelo contrário é como se uma força magnética, a qual os físicos chamam de Lei da Atração, os atraísse. Estávamos tão próximos que sentíamos a respiração do outro na face, e quando o tão esperado tocar de lábios estava prestes a acontecer, levantei-me indignado, e perguntei com certa ousadia e frieza:
- Você ia me beijar? Realmente ia me beijar? Você acabou de me conhecer, nem sabe quem sou ou de onde vim...não conhece meus sentimentos e intenções. Seria tão leviana??? Tão...tão... As palavras me brotavam a boca e já sentia o amargo gosto do arrependimento, tarde demais para freia-las...TÃO VULGAR???
Imediatamente quando quis me corrigir e olhei para ela totalmente odioso de mim mesmo...lágrimas já maculavam aquela face!
Na minha concepção romântica e distorcida de mundo, uma mulher não poderia ceder tão facilmente sem mostrar o mínimo de recato perante um homem desconhecido. Ora, se fizesse isso comigo o faria com qualquer um e essa idéia me atormentava, mas, vulgar... vulgar foi a pior palavra que poderia ter usado.
Sem saber o que falar, tentei me explicar e abrandando a voz e as palavras, perguntei a ela:
- Você acabou de me conhecer. Por que me beijaria? Ao que a resposta não poderia ter me desarmado mais.
- Porque gosto de você, sei que vai parecer loucura, mas desde que você começou a me observar, passei a me sentir menos solitária. Meus olhos podiam estar nos céus, mas meu coração e meus pensamentos estavam em você, no misterioso homem que se sentava na calçada e me observava.
Nesse momento quando ela parou de falar, o rosto ainda rubro do choro e os olhos marejados e transbordantes de tanta inocência e paixão, foi mais que o suficiente para que todo meu autocontrole fosse por terra e não mais podendo me conter a beijei. E essa era a sensação que meu anjo produzia a sensação de poder tocar os céus. Ao término do beijo, ficamos assim parados a nos olhar, visivelmente apaixonados um pelo outro. E, quem rompeu o silêncio mágico do momento fui eu. E a primeira coisa que falei foi, conte-me tudo sobre você.
- Por que se senta no telhado?
- Ora porque não sentar??? Prefiro ler ao ar livre do que trancafiada dentro de casa.
- O que você lê?
- Leio de tudo que seja bom e agradável. De Machado a Agatha Christie, passando pelo suspense de Stephen King e a realidade viva de Jorge Amado. De versos e poemas de Vinicius de Moraes as informações mais irrelevantes e até sem sentido das revistas. Leio porque gosto de ler. Lendo posso encontrar outros mundos os quais as pessoas dizem inexistentes ou fantasiosos e eu considero apenas perdidos, esquecidos ou ocultos.
- O que escreve?
- Uma carta.
- Para quem?
- Pra você.
- Todos os dias?
- Sim, escrevo e reescrevo, tento achar as palavras certas mas, nunca as encontro, então geralmente acabo rasgando ao fim do dia e no por do sol seguinte escrevo outra.
- O que você escreve nessas cartas?
- No momento certo você saberá. Esqueça a carta. Há algo mais acerca do que queira interrogar-me, senhor delegado?
Estava extremamente curioso, sobre o que ela escrevia, logicamente que não eram cartas para mim, aquilo não passava de um capricho, um modo de não me responder a pergunta. Entrei na brincadeira e não a fatiguei mais com o assunto. Porém uma última pergunta restava, por que olha tanto para o céu? Por um momento ela ficou lívida, mas rapidamente se recuperou e deu-me a resposta mais óbvia possível.
- Porque cada por do sol é único! – E com um beijo rápido e um sorriso, deu-me boa noite e entrou. Deixando-me estranhamente confuso e apaixonado.