A Rosa na Lapela
O ano era 1930. A cidade, São Paulo. Carlos Eduardo tinha acabado de arranjar seu primeiro emprego em uma loja de tecidos no bairro do Brás. Como morava em outro bairro, todas as manhãs pegava o primeiro bonde e depois seguia à pé até a Rua Almirante Barroso.
Em poucos meses se tornou um dos melhores vendedores da loja, devido
à simpatia e carisma com as clientes, características que o apelidaram de Senhor Duarte, uma alusão à Marcelo Duarte, galã de cinema dos anos 30.
Em certa ocasião encontrou dentre os tecidos um pequeno bilhete escrito num papel azulado, dentro de um envelope, escrito "Ao Senhor Duarte", pois poucos clientes o conheciam pelo verdadeiro nome.
Ao abrir havia um pequeno texto: "Fiquei encantada pela sua simpatia. Sou solteira e de boa família e me sentirei lisonjeada em me acompanhar num café. Com carinho, Madaleine".
Carlos escondeu imediatamente o bilhete nos bolsos do paletó, com medo de alguém ver e no fim do dia foi para casa. Ao entrar em seu quarto voltou a ler o bilhete, não uma, mas umas vinte vezes! Quem seria a tal Madaleine? As longas horas de felicidade começaram a ser alarmadas, porque, embora tentasse, jamais se lembraria ou imaginaria qual de suas clientes seria Madaleine. O curioso é que mutas delas eram senhoras com mais de quarenta, cinquenta anos. Seria Madaleine uma solteirona louca para se casar?
Os dias se passaram. De repente ao receber as correspondências da loja, uma delas estava direcionada ao "Senhor Duarte". Rapidamente a escondeu e leu posteriormente, nos fundos da loja: "Senhor Duarte. Gostaria de conversar com o senhor, mas sou muito tímida e não quero ser mal vista. Por isso, se quiser me conhecer, responda esta carta e a deixe na livraria Lírio Verde, embaixo do livro Poemas Inconjuntos. Madaleine".
Tomado pela curiosidade, Carlos escreveu que gostaria muito de conhecê-la, mas que antes, gostaria de saber mais a seu respeito. Fez conforme o combinado e se foi, embora a curiosidade quase o fizera ficar escondido para ver quem buscaria o bilhete.
Após alguns dias veio outra carta. Esta dizia: "Senhor Duarte, se eu disser como sou ou quem sou isso pode afastá-lo de mim, pois não quero desapontá-lo. Por favor, se puder venha me ver no sábado às três da tarde na Estação da Luz em frente ao portão de embarque. Estarei com um vestido verde e uma Rosa na Lapela. Madaleine"
Agora Carlos estava mais ainda tomado pela ansiedade, afinal de contas, finalmente conheceria a senhora Madaleine. Mas, suas palavras no último bilhete o deixara com um certo desapontamento. As palavras de Madaleine davam-lhe a real idéia de ser alguém que não lhe agradaria aos olhos, possivelmente ao coração também.
Entretanto, Carlos não poderia deixar de ir. A ansiedade nem o deixava dormir direito. Poderia ser o grande encontro de sua vida ou quem sabe, a grande decepção.
E finalmente chegou o grande dia. Logo na manhã do sábado do grande encontro foi até a barbearia afim de fazer barba e cabelo. Ao sair, com seu terno e colete azuis, sapatos engraxados e brilhantes, Carlos pegou o trem com destino à estação da Luz.
Ao chegar não perdeu tempo e dirigiu-se imediatamente ao local do encontro, pois, no relógio da estação faltavam apenas cinco minutos para as três da tarde. Durante o trajeto avistou sentada em um banco uma jovem muito bonita, elegantemente vestida e segurando um lenço nas mãos. Seus belos cabelos loiros contrastavam com um chapéu de época, que a deixava ainda mais elegante. Delicadamente sentada, lia o livro Poemas Conjutos, de Fernando Pessoa. Ao passar por ela, Carlos notou que a moça levantara-lhe as vistas, de forma tímida, e logo se abaixara e voltara à sua leitura. O encanto pela moça fora tão grande que Carlos, por instantes havia se esquecido de seu destino, mas logo lembrou-se.
Quando chegou ao portão de embarque, avistou uma senhora, aparentemente com mais de cinquenta anos, sem aliança e com muitos quilos acima do peso. A mesma usava um vestido verde-escuro, e para surpresa e decepção de Carlos, havia uma rosa branca, presa em sua lapela.
Carlos não sabia o que fazer. Possivelmente aquela era Madaleine, não havia o que negar. O vestido verde, a flor na lapela e os dizeres da última carta. Sim, aquela seria Madaleine!
Entretanto, Carlos não poderia desapontar Madaleine. Ele fora ao encontro por livre e expontânea vontade ou curiosidade e deveria, pelo menos ser cordial para com a "moça". Aproxiou-se dela e, respeitosamente disse: senhora, é de grande satisfação para mim conhecê-la. Tomou-lhe uma das mãos e a beijou com ternura". A senhora o olhou dos pés à cabeça, dizendo-lhe "encantada, nobre cavalheiro, mas a que devo tal satisfação em conhecê-lo?" Carlos: "De acordo com a epístola, eu a deveria encontrar exatamente nesse local, dia e horário". A senhora então respondeu: "acho estranho, senhor, pois estou aqui a aguardar meu filho que chegará de viagem dentro de uma hora. Há alguma confusão aqui, porque uma doce jovem, que está agora sentada ali atrás me deu essa rosa e pediu que a colocasse pois alguém viria para buscar". Carlos, tomado de surpresa virou os olhos para o banco e viu a bela moça, pela qual havia passado olhando a conversa dos dois e sorrindo copiosamente.
Com delicadeza, Carlos despediu-se da senhora e pegou a rosa. Dirigindo-se ao banco, finalmente Carlos conhecera a bela Madaleine.
Madaleine era uma nobre moça filha de um professor de música e orfã de mãe. Ambos permaneceram conversando por horas e Carlos não conteve a dúvida e resolveu perguntar à moça por que ela tivera aquela atitude de confundí-lo, fazendo-o pensar que Madaleine fosse outra pessoa.
Madaleine prontamente lhe respondeu: "Sabe, algumas pessoas costumam se deixar levar somente pela aparência física. Eu quis ver qual seria a sua postura, se agiria como um cavalheiro e de forma respeitosa iria até a pessoa com as características ou se ali mesmo sairia sem sequer saber quem era a moça, com a flor na lapela. Essa sua atitude me fez ter certeza de que se tratava da pessoa a quem quero conhecer".
Após alguns dias, Carlos foi conversar com o pai de Madaleine, pedindo a mão de sua filha em noivado. Poucos meses depois os dois se casaram. Mudaram-se para a cidade de Santos, onde Carlos montou sua própria loja de tecidos.
Permaneceram casados por mais de cinquenta anos, até que Carlos veio a falecer do coração com setenta anos. Madaleine teve três filhos homens e uma filha, a qual herdou a loja de tecidos do pai. Os irmãos foram trabalhar em uma companhia ciderúrgica de Cubatão anos mais tarde. Madaleine morreu três anos após a morte de seu marido. Quando estava para morrer não deixava de contar aos netos como conhecera Carlos e como os dois foram felizes. Sempre dizia que seu esposo fora honesto desde o dia que os dois se conheceram e que havia se apaixonado por ele desde a primeira vez que fora na velha loja de tecidos da Rua Almirante Barroso.