Um caso de amor

32 anos , alta , esquelética , cabelos longos , negros e oleosos , semblante pesado com um ar de morbidez e jamais fora tocada por homem algum . Erimineide não era uma jovem de grandes ambições . Filha de mãe solteira , foi abandonada na frente de uma igreja , numa noite cinzenta de inverno ; ao término do culto foi encontrada e , posteriormente adotada por uma daquelas fiéis fervorosas senhoras , a quem aprendeu a chamar de mãe . Sempre foi criada com limitações , num estilo de vida cativo e bitolado . Não chegou a concluir os estudos e vivia na barra da saia da mãe , juntas iam aos cultos e a todas as atividades referentes a sua crença , todos os dias . Dona Creuza , mãe de Eri , morria de orgulho de ter assim , uma filha tão polida e dedicada , mas reconhecia que a filha estava num estágio crítico , o que algumas pessoas chamam popularmente moça velha , um caso patológico de ausência marital , então achou-se digno providenciar um bom rapaz que fosse também membro da igreja , para ser o pretendente de Eri , o fato é que a jovem era , digamos , um tanto desprovida das peculiaridades tipicamente femininas , Erimineide nunca aprendera a ser graciosa , tornou-se então difícil a tarefa almejada , mas ela jamais desconstruiria suas esperanças . O que não sabíamos até então , é que ela nutria uma afeição demasiadamente intrínseca , por um certo Genivaldo - que não tinha sido mencionado até então por não estar incluso no ciclo interativo das duas mulheres , na verdade o homem em questão era até avulso a essas coisas religiosas - vizinho de ambas , era avistado em situações casuais e além de ser leigo em assuntos de fanatismo religioso , vivia uma relação de concubinato com uma outra senhorita que não vai entrar nesta história ; por esses motivos Eri guardava esse segredo amoroso bravamente nas profundidades do seu ser .

Mas até a mesmice do cotidiano um dia se altera . Subitamente dona Creuza se ausenta deste mundo e vai ocupar seu lugarzinho - comprado com muito sacrifício , diga-se de passagem - sabe-se lá aonde , obrigando a pobre orfã a tomar um rumo na vida . Poucos dias sucedidos do fatídico episódio , um dos membros da irmandade , movido pelo dever caritativo , ofereceu à moça uma ocupação em seu comércio e Erimineide fora então exercer o ofício de organizadora de defuntos em seus respectivos caixões , na única funerária da cidade . A princípio teve dificuldades , afinal , era seu primeiro emprego , mas com o tempo acostumou-se , ganhava o suficiente para se manter e nem trabalhava muito , na maior parte do tempo se ocupava em decorar a bíblia - nunca se sabe quando vai ser preciso argumentar com alguém e ela aprendeu , desde cedo , a memorizar obrigatoriamente tudinho , ao pé da letra , inclusive - , enfim adaptada a nova vida sentia-se satisfeita , trabalhava e frequentava "o salão" , quase não precisava mais de uma casa .

Nesse ritmo , passaram-se os anos e a mesmice novamente transformou-se com nova visita da morte . Erimineide , agora já uma senhora , preparava-se para mais um velório quando surpresa , reconheceu o corpo daquele que fora seu único desejado . Não chorou nem se entristeceu de forma alguma e num impulso incontido , sentiu o gosto do seu primeiro beijo .

Lorene Dias
Enviado por Lorene Dias em 20/08/2011
Código do texto: T3172391
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