Uma única lágrima
Ela estava de costas, ainda não o tinha visto.
“É engraçado”, ele pensou, “que seja justamente neste lugar que vamos nos reencontrar. Logo neste lugar onde eu sempre esperei encontrá-la”.
Ele se aproximou calmamente, tentando convencer sua mente a ignorá-la, a não falar com ela, as memórias do passado atormentado cada passo seu.
Mas lá estava ela, andando calmamente até que, subitamente, girou sobre os próprios pés, o encarando.
“Não vou falar com ela, a cicatriz ainda não se fechou, não vou falar com ela”, ele pensou.
- Oi.
Ele disse.
- Oi.
Ela respondeu.
E foi no momento em que ambos os olhares se encontraram que ele viu, naqueles belos olhos cor de mogno, um pedido velado de perdão. Os cabelos, da mesma cor, balançavam um pouco ao suave vento de inverno, presos por uma pequena boina de lã.
- Eu te desculpo.
Ambos falaram olhando para qualquer lugar, menos do outro. E se abraçaram. No momento em que se abraçaram, ele sentiu novamente a textura de seus cabelos, e aquele cheiro, aquele perfume que ele aprendera a associar a ela e somente ela.
E então se olharam nos olhos, e ela sorriu o mesmo sorriso tímido que sorrira logo após seu primeiro beijo, o mesmo sorriso que o deixara apaixonado.
E naquele olhar estava contida cada memória dos dois, cada momento em que pensaram um no outro, cada mágoa e cada felicidade.
Ambos tentaram dizer qual coisa, mas sem necessidade de mais palavras, trocaram um beijo. E mais um.
“Isto é um sonho”, pensou ele. Mas não acordou.
Foram para a casa dele. Lá ela se na cama dele, e simplesmente observaram um ao outro, como se todo o amor do mundo se encontrasse ali, naquele local.
A porta do quarto estava aberta e a família dele, circulando pelo corredor, constantemente parava e observava os dois.
Então, com um pequeno movimento de seus pés ele fechou a porta, dando aos dois privacidade. Nesse momento ele olhou nos olhos dela e disse:
- Isso tem que ser um sonho.
Ela sorriu, e o beijou. Um simples “selinho”, e depois mais um e por fim um beijo de verdade.
Ela ficou de pé, e ele novamente observou toda a beleza de seu rosto. A pele alva com pequenas sardas espalhadas pelas bochechas, os cabelos cheios e ondulados.
Ele passou a mão por seu rosto, usando o dedão para acariciar a lateral de sua face, delicado como se tocasse no maior tesouro do mundo.
“É um sonho”, pensou ele novamente. E se beliscou. Nada aconteceu. Se beliscou de novo e, novamente, nada aconteceu.
Então, pela primeira vez, aceitou em sua totalidade a realidade daquele momento.
Trocaram mais um beijo, e mais um.
Todas as mágoas pareciam deixadas pra trás naquele beijo, que caberia como definição de um beijo apaixonado...
Um celular tocando.
Ele acordou. Era de fato um sonho. E pela primeira vez em muito tempo, ele chorou. Uma única lágrima, na qual estavam contidas todas as mágoas que ele desculpara e fora desculpado. Uma única lágrima que continha todas as palavras que ainda precisavam ser ditas e todos os caminhos que ainda precisavam ser trilhados. Uma única lágrima.