O vestido
Sou uma estilista famosa. Não nasci rica e construí sozinha a minha fama. Eu desenho e costuro vestidos de noiva. O meu trabalho, pra mim, é o que há de mais importante, afinal, é o que me mantém ocupada, é minha única distração, é o que eu de fato amo fazer.
Moro em um duplex, na bela e movimentada Nova York. Não tenho filhos ou um marido com quem eu tenha que dividir o espaço. Meu salário é bastante satisfatório, e hoje vivo a vida que sempre quis viver. Mas não posso dizer, em hipótese alguma, que sou completamente feliz.
Uma vez eu conheci a felicidade. Curiosamente, ela tinha o nome da única pessoa que realmente amei. Ele fazia com que meus sorrisos não fossem em vão. A minha felicidade era o único motivo de tudo parecer simplesmente perfeito, mesmo quando o mundo parecia desabar. O céu escuro era o cenário, e a chuva a sonoplastia perfeita para as tardes que passávamos juntos, nos esquecendo de que nossos corpos eram fisicamente separados, e nos lembrando apenas de amar, incondicionalmente, um ao outro.
Não importa como acabou, o que importa é que eu deixei que tudo se esvaísse, o erro foi meu. Perdi o meu grande e único amor, e jamais consegui esquecê-lo. E absolutamente nada, em todo esse universo, consegue sequer me trazer o mínimo da tranqüilidade que a sua voz suave me trazia. Nada consegue me fazer sorrir de verdade. Nada consegue trazer a minha força, a minha vida, a minha essência de volta.
Eu cheguei a cogitar a possibilidade de jamais vê-lo outra vez. Posso dizer inclusive, que pensei ter conseguido afastá-lo, finalmente, dos meus pensamentos. Mas a vida é realmente imprevisível.
Na semana passada recebi um telefonema de minha secretária. Ela disse-me que havia agendado, para o dia seguinte, um horário para uma nova cliente conversar comigo, para discutir e encomendar seu vestido de casamento. A cliente foi ao meu escritório com o noivo, eu a atendi e ela pediu-me o desenho para esta semana.
Mas vejam só a quão grande é a ironia do acaso: agora estou aqui, no meu apartamento, em meu ateliê, sentada em minha mais confortável cadeira, tomando uma xícara quente de capuccino, debruçada sobre a mesa, na tentativa inútil de concluir o trabalho. Já vai ser a 14ª vez que terei que desenhar o vestido da moça. Eu mal consigo concentrar-me, pelo simples fato de que toda vez que estou a fazê-lo, minhas lágrimas se misturam com a tinta da caneta, transformando todo o desenho em um aglomerado confuso de borrões, tal como o emaranhado de angústia, desespero e tristeza que passou a controlar-me por inteiro no momento em que tomei consciência do verdadeiro significado daquele vestido.