AMOR DE SUPERMERCADO
Os dois não eram tão jovens assim; na verdade, caminhavam em direção à terceira das idades, aproximando-se dos 60 anos. Não tinham por que lembrar a primeira vez que se viram, nenhuma diferença isso faria. Mas nunca esqueceram aquele encontro no supermercado. Compravam a mesma mercadoria, uma daquelas que se escolhe por unidade – o tomate – quando, despretensiosamente suas mãos se tocaram, um leve esbarrão, o suficiente para que seus olhos penetrassem um no outro. Um pedido de desculpas, acompanhado de observação minuciosa da singeleza e perfeição das mãos e das unhas daquela meiga mulher, ficaram na mente do solitário homem. Que voltou e retornou ao supermercado, na esperança de reencontrá-la. Mudou os horários, os dias da semana, freqüentou até mesmo outros supermercados, e, por ironia da vida, não a viu mais. Um mês, dois, três meses, não foram tempo suficiente de provação para que os dois voltassem a se encontrar. Não sabia nada daquela mulher, onde morava, se tinha alguém por companhia, se ao menos, também, havia pensado nele, se lembrado do primeiro olhar, do toque nas mãos, da mesma forma como ele não pudera jamais esquecer. Perdem-se os anéis, ficam-se os dedos. De súbito, muito tempo depois, no mesmo supermercado, eis que os dois se veem, surpresos e acovardados pela timidez, pela falta de informação, pelo desconhecido. O homem solitário teve tempo de notar no carrinho de compras daquela linda mulher uma bola de futebol, ao que imaginou ser um presente para o netinho dela. Num relance estúpido do destino, ele a perdeu de vista, meio a outras pessoas. Percorreu uma a uma as gôndolas, os espaços entre os mostruários, porem, num passe de mágica, ela havia desaparecido. Desnorteado e tomado por forte emoção e intensa raiva de si, por não haver ido ter com ela, deixou transparecer em seu rosto uma úmida lágrima de pesar – ele não era mais criança para passar por aquilo. Empurrando sem cortesia seu carrinho de compras, desesperançado e desgostoso da vida, num repente, pelo colorido da bola, aquele sofrido homem avista o carrinho, num canto, com mercadorias, mas sem seu dono. Um bilhete junto à bola trazia um endereço. Não titubeou como da primeira vez. Gentilmente, passou pelo Caixa as compras que havia nos dois carrinhos, no seu e no daquela inesquecível mulher. Procurou pelo bairro, pela rua, o endereço como última esperança. Entregaria a compra – talvez a mulher houvesse deixado a compra por uma emergência qualquer – e teria, enfim, a oportunidade para conhecê-la. Põe-se a chamar no número indicado no bilhete, uma modesta casa, numa vila de subúrbio. Atende à porta um pequeno garoto de uns dez anos de idade, avisando que ali moram ele e seu avô, um idoso de 86 anos, doente e viúvo. Sem saber o que dizer, o homem que procurava sua musa da melhor idade, entrega ao garoto as duas compras que trouxera, especialmente a bola. Atônito, ele não sabia exatamente o que estava fazendo, muito menos os ditames do destino, até que, ao retornar para seu veículo deparou-se com a linda mulher que o aguardava. Ela apenas disse: “eu sabia que você viria, tinha certeza de que traria e entregaria as duas compras, mesmo eu não estando para recebê-las. Faço isso todos os meses, a compra para o menino e seu avô, sem saber que um dia eu encontraria alguém com a mesma sensibilidade para compartilhar a alegria da doação. Sem interesse, sem promessas, só esperança”. Os dois se entreolharam silenciosamente, e o homem pode, finalmente, segurar as mãos macias e lindas de tão encantadora mulher. Um sorriso e um convite: “Posso lhe oferecer uma carona?”. Ao que ela prontamente respondeu: “uma carona, pode, pois seu coração já me foi oferecido e aceito, há alguns meses”.