Chuva de Lágrimas
Chove intensamente. Na penumbra do quarto, Júlia acaricia a boneca de pano. Deitada, observa a tênue luz se esvair pelo ambiente. Sozinha, recorda os tempos de criança, as brincadeiras com as primas, na casa da avó. Em suas lembranças, um mundo mais azul.
Júlia traz o coração amargurado. A traição visitara cedo os sentimentos adolescentes. Aos quatorze anos, o primeiro amor e a primeira desilusão. Da cama, escuta os pingos de chuva no telhado. Pede aos céus a sua infância.
Um repentino relâmpago ilumina o recinto e a faz levantar a cabeça. Caem-lhe as lágrimas. Lentamente, puxa para si a coberta. A chuva traz um forte vento. As árvores balançam os galhos. Aumenta a angústia de Júlia.
Uma trovoada ressoa. A menina encolhe-se sob a coberta. O intenso frio maltrata-lhe a pele. Com dificuldades, busca algo sob o travesseiro. Sob o abajur, lê o papel amassado. Em caixa alta, a mensagem inaceitável. Um adeus.
Onde ele estaria? Com quem? O que sentiria? O amor era traiçoeiro. Foram semanas de mel, numa felicidade de sonhos. Mas logo lhe veio o abismo. A garota dobra o papel. Pega o celular. Nas mensagens, sonhos de amor. E agora, pesadelos de solidão.
Com aperto no peito, dirige-se à janela do quarto. Os grossos pingos caem no vidro. O vento balança as folhas das árvores. Na calçada, uma leve correnteza. De onde está, observa um casal, no outro lado da rua. Tomam banho de chuva. É a prima Rosane. Quando crianças, brincavam na casa da avó. Cursaram juntas as séries primárias.
Rosane andava com Paulo André. O garoto moreno da rua de cima. Aquele de cabelos ondulados e olhos verdes. Júlia sentiu quentes raios lhe cortarem a alma. No jogo, um blefe.
Felizes, chutam as águas do asfalto. Carinhosamente, Paulo André beija Rosane. Abraçam-se.
Da janela, Júlia a tudo assiste. A chuva, enfim, estaciona. Mas os olhos da garota decidem não ser o momento de parar. Deixam cair suas gotas, continuando a chuva que esfria a cidade, mas que no quarto incendeia o seu inverno pessoal, o seu frio amargo.