Dádiva

Lembro-me das vezes em que trancada em seu quarto, aos prantos, pedia-me para aliviar a sua dor, nem que para isso fosse preciso tirar-lhe a vida, os acontecimentos que vivenciara haviam ensinado a ser fria, a duvidar de tudo e de todos. Toda aquela angústia e insegurança tinham um nome: TRAIÇÃO! Havia provado o seu gosto amargo. Estava desiludida. Aquilo era demais pra ela. Não era possível! Como aquele ser que vi nascer, crescer, viver, lentamente se desfalecia? Eu a criei a minha imagem e semelhança. Tive que suportar a sua ausência, a rejeição e deixá-la aprender com seus erros. Certamente ela voltaria para seu aconchego, para seu Deus. Por amor a deixei ir. Mal sabia que o sofrimento a estava fortalecendo, que os momentos de expiação a amadureceria. Eu a conhecia sabia da sua força. Voltaria a ter esperança. Seus olhos voltariam a brilhar. Aos poucos fora recuperando a fé, deixando de lado o estado de vítima. Nesse momento, milagrosamente agi em sua vida.

O dia com o qual ela sonhara incontáveis vezes havia chegado. Era uma noite de sábado, porém algo em seu íntimo revelava que não seria apenas uma noite, mas um marco em sua vida. Estava tudo perfeitamente planejado por mim: o baile, o encontro e por fim a esperança de alcançar o que tanto pedia, mesmo quando algumas vezes, seu coração maltratado relutava a aceitar. Foi quando ele apareceu. Vestido de terno. Uma combinação impecável. Seu jeito elegante e conquistador ocuparam todos os espaços, enchendo os seus olhos e o seu coração. Ele a olhava de uma forma árdua e intensa, como ninguém a havia olhado. Penetrava sua alma. Julgava ter visto aqueles olhos. Em algum momento, em outro lugar, em outra existência talvez. Lentamente dizia palavras que inundavam o ambiente de harmonia. Aquilo não podia estar acontecendo. Todos os receios caíram por terra. Aquele encontro de almas abalou a sua estrutura. Era verdade! Suas preces haviam sido atendidas. Naquela noite o amor a envolveu. Entregou-se aquela sensação única, aquele sentimento puro a fez pensar na vida, no perdão, no merecimento. Dúvidas? Ah! Ela estava ocupada deveras para atormentar-se com isso; envolvida naquele olhar, na música que tocava e os embalava, nos braços de quem viria a ser o pai de seus filhos.

O amor veio enfim. Todas as noites, não mais em prantos, mas em profunda paz, em êxtase, comprovo a sua gratidão, quando em seu quarto direciona as suas orações pela dádiva recebida.

Jann Maia
Enviado por Jann Maia em 11/07/2011
Reeditado em 13/07/2011
Código do texto: T3088372
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