A última canção
Toda noite ele ia até lá para observá-la, mas acima de tudo, para ouvi-la. Em toda sua vida, ele jamais havia ouvido uma voz tão encantadora. Nem mesmo as vozes todos os anjos chegavam se quer aos pés da doce freqüência soada pelo vibrar de suas cordas vocais. Nem mesmo o canto de todas as aves poderia sequer ser comparado à doçura e encanto do som que ao ser liberto dos lábios dela, o hipnotizava e o deixava a cada noite mais apaixonado.
A beleza de sua voz fazia juízo a própria beleza de cada traço dela. Seus cabelos eram vermelhos, longos e ondulados; seus olhos eram de um azul tão cristalino que chegavam a refletir a luz do bar, como se fossem dois pequenos diamantes; seus lábios pareciam ter sido desenhados pelo mais talentoso artista, além de estarem sempre cobertos por um batom vermelho tão vibrante que contrastava com sua pele extremamente clara.
Ao final de cada apresentação, os olhos dela procuravam sempre por apenas um alguém, que a fazia sentir-se completa de alguma forma, a cada vez que esse alguém atirava a seus pés uma rosa vermelha que havia beijado. Esse alguém era ele.
Isso se sucedeu por cinco anos. Eles nunca haviam trocado uma sequer palavra. Durante cinco anos os dois permaneceram amando-se em segredo, conversando e trocando juras de amor por olhares. Embora houvesse uma platéia considerável, ela cantava apenas para ele, e ele, ouvia não só com os ouvidos, mas com o coração, como se estivesse disposto a oferecer à ela não apenas uma rosa, mas toda a sua vida.
Porém, aquela noite seria diferente. Ele estava decido a declarar todo o seu amor, mas, infelizmente, mal sabia ele que aquela seria sua última canção. A apresentação fora interrompida por um estrondo. Dois homens adentraram o bar. Um deles pulou o balcão, enquanto o outro, armado, intimidava a platéia e abria a mala para que o primeiro depositasse o dinheiro. Ainda não havia uma tragédia, até que Ele resolveu tomar uma atitude. Ele arremessou seu punho sobre o rosto daquele que intimidava os demais. Entretanto, para sua triste surpresa, os dois estavam armados. O outro sacou a arma e apontou em sua direção. A rosa caiu. Ela não podia deixar que aquilo acontecesse. Antes que o gatilho pudesse ser puxado, ela correu até ele.
Ouviu-se apenas um som, apenas um estalo estridente. Era o vermelho do sangue que agora contrastava com sua pele clara. Não havia mais razão para cantar, uma vez que seu fôlego, seu último suspiro fora utilizado para finalmente dizer a ele o que seus olhos haviam gritado por todo aquele tempo. Ela tocou o rosto dele, enquanto suas mãos esfriavam lentamente, olhou em seus olhos e por fim lhe disse em um sussurro: Eu te amo.
Apenas um tiro no pulmão. O oxigênio de ambos se fora. Ela... Jamais cantaria outra vez.