Pressa

Acordou antes de o sol nascer. Levantou-se com tamanha rapidez, como antes nunca havia feito. Trancou-se no banheiro onde permaneceu por mais de 30 minutos. Era um grande dia!

O cabelo caia para um lado, ora para outro. Que diferença fazia? Pois eu lhe respondo: nenhuma. Mas para este jovem rapaz cujo nome é Rodolfo, um fio fora do lugar era capaz de impedi-lo de destrancar a porta. Na verdade, muita coisa o faria parar, como já havia acontecido no dia anterior, na semana anterior, no mês anterior.

Mas já era hora de dar um grande passo. Já era hora de esquecer que poderia se machucar com a queda e de acreditar que aquilo poderia realmente ter algum propósito. Talvez tivesse mesmo. Havia de ter!

Então que saiu pela porta do banheiro como um jato. Não por estar com pressa, pois adiantar o tempo era tudo que não queria naquele momento. Vestiu-se rapidamente sem dar tanta atenção a esses detalhes, (já havia perdido tempo demais no banheiro), mas não estava com pressa. Não comeu, não mastigou, não engoliu. Não roçou os dentes um no outro. Depois de pronto, sentou-se a cama e ali permaneceu por longos intermináveis minutos.

O despertador tocou. Era hora.

Saiu de casa sem paciência para esperar o elevador. Desceu as escadas tropeçando no ultimo degrau. Chegou à garagem e entrou no carro, ainda mais rápido que antes. Mas ainda assim, não estava com pressa. Fitou o volante, o espaço vazio ao seu lado. Imaginou-a por um segundo, sorrindo, contente pelo simples fato de estar ali, junto a ele.

Olhou-se no espelho do retrovisor e não conseguiu se reconhecer. Não conseguia encontrar esse cara no passado, com medo de dar o próximo passo. Ligou o motor quando fingiu ser corajoso e depois fingiu ter se reconhecido. Fingiu saber o que estava fazendo quando fingiu que podia compará-la com qualquer outra pessoa que conhecera.

Chegou à faculdade e sentou-se em uma das mesas, sem notar se já havia ali alguém sentado. Permaneceu ali olhando fixamente o estacionamento. Esperou. Estava com pressa.

Então que ela surgiu, como ele imaginava, e caminhou distraída em sua direção. Ele começou a pensar em tudo que deveria dizer. Pensou em aonde poderia falhar, em como aquilo era assustador e em como ele queria não dizer mais nada. Depois percebeu a sua fraqueza e, quando caiu em si, viu que ela estava parada bem diante de si.

– Oi – sua voz parecia assustada, mas ela havia dito algo, ao menos.

Ele se levantou. Encarou-a de perto, ate onde pôde. Ela o encarava também. Confusa, aguardando sua resposta. Mas ele já estava respondendo, à sua maneira. Permaneceu ali por poucos segundos que pareciam eternos. Eternos o suficiente para atormentar-lhe a alma e fazê-lo correr dali. Foi o que fez, sem olhar para trás.

Chegou à sala ofegante. Sentou-se na última cadeira apavorado. Não estava com medo dela, mas de si mesmo. Não entendia, não conseguia suportar. Ali permaneceu até o fim das aulas. Assim que terminou, correu até o seu carro, encostou-se na porta e respirou como uma criança que tenta parar de chorar. Mas não chorava. Só estava com pressa.

Ficou ali até ela aparecer. Dessa vez ela fingiu não tê-lo visto, mas ele moveu as pernas sem saber como e foi até ao seu encontro.

– Oi – respondera. Sua respiração ainda ofegante.

Ela lhe deu um sorriso meigo e sincero, ele retribuiu com o melhor que pôde.

– Está tudo bem?

– Está – ah, e como estava! – Perdoe-me hoje mais cedo. Não sei o que deu em mim... Eu não esperava vê-la logo pela manhã... Eu tive prova no primeiro tempo e... – engoliu seco – estava com um pouco de pressa. Sabe como é. Mas acabei não indo muito bem, acredite. Como eu disse, estava um pouco ansioso...

Ele parou de falar quando percebeu que ela estava rindo, gargalhando, de sua tentativa estúpida de tentar se desculpar. Controlou-se e pôs as mãos delicadas e macias em seu rosto, que enrijeceu com o toque inesperado. Ela sorriu mais uma vez e o beijou.

Retribui-lhe o beijo tanto almejado, tanto sonhado. Mais um pouco ele poderia estar chorando por gratidão àquele momento. Sentiu como se tivesse fazendo aquilo pela primeira vez. Como se nunca antes soubesse o prazer de ter um corpo colado ao seu.

Para ele, a Terra lhe pareceu dar a volta no sol trezentas vezes. Aquele era o momento que deveria ser eterno. Pois o seu desejo era insaciável, insuportavelmente maravilhoso. Mas ele sabia que poderia estragá-lo. Sabia que o faria.

– Eu a... – parou de repente. Ela não compreendia, mas ainda sorria. – Eu te amo!

Seu sorriso se fechou de repente. Ele pôde ver o sol ser coberto por nuvens pretas que trariam muita água. Ele fechou os olhos e rezou para que no fim pudesse ver um arco-íris.

Talvez não. Ela se afastou e fez exatamente como ele havia feito mais cedo. Saiu correndo sem olhar para trás. Olhou-a partir sentindo-se estranho e culpado. Ele havia ido longe demais. Ah, maldita pressa!

O mundo fechou-se a sua volta. Não conseguia lembrar-se do gosto do beijo da sua amada, do prazer daquele momento que deveria ser eterno e não conseguiu se estender por 5 minutos. De repente nada havia ao redor. Ele estava só, mais ainda que antes. Porque antes ele podia sonhar com aquele momento e agora! Ah, agora ele havia estragado tudo.

A chuva começou a cair com força e as gotas faziam pressão sobre a sua cabeça. Ela trazia consigo muito mais que água. Era muito mais doloroso que a sua frieza e força. Era como se não devesse mais pertencer àquele mundo, como se devesse sumir para sempre porque nada mais poderia fazer sentido. E realmente não fazia.

Depois de muito tempo conseguiu sair dali. Dirigiu com rapidez, porém não com pressa, pela rua vazia até chegar em casa. Quando chegou o apartamento estava alagado. Literalmente um náufrago.

Fechou as janelas, as portas, desligou os telefones, qualquer coisa que pudesse ligá-lo ao mundo lá fora. Olhou a sua volta e sentiu vontade de arrumar tudo e voltar para o lugar de onde veio. Mas não tinha pressa, ou talvez tivesse, mas a vontade de anestesiar a dor era ainda maior do que fugir dali. Deitou-se no tapete e adormeceu.

As batidas na porta o acordaram de um sono profundo. Sem pressa, levantou-se e atendeu a pessoa impaciente que batia com força em sua porta.

Era ela.

Seus olhares se entrelaçaram no espaço vazio. A respiração de ambos estava ofegante, os olhos tinham certo brilho. Permaneceram em silencio, apenas ouvindo as batidas aceleradas do coração, que tinha pressa.

– Vim para dizer que sinto muito, – ela começou – que sinto ter ido embora tão depressa. Vim para dizer que compreenda o meu tempo e que entenda que não é somente pelo fato deu não saber lhe retribuir o sentimento, que significa que algum dia eu não irei. Vim para dizer que quero amá-lo também, com todas as forças que possuo dentro de mim, mas eu não sei fazer isso com pressa. Vim para dizer que espere, pois sei que sou capaz de te fazer feliz como me fez naquele instante e como me faz agora. E por fim, vim para dizer que gosto de você, talvez não da forma que queira, mas da forma que consigo agora. E, acredite, por enquanto, isso basta.

Sim, aquilo era suficiente.

Louise Hammer
Enviado por Louise Hammer em 09/07/2011
Reeditado em 10/07/2011
Código do texto: T3085184
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.