Menino velho, velho menino

Menino velho, Velho menino

Em um banco de cimento, no pátio de um prédio antigo do Fórum ficava um senhor aparentando uns 70 anos de idade contemplando os meninos, que jogavam bolinhas de gude no recreio da escola vizinha.

Um menino olhava para o homem curioso, um pássaro pousava sempre em seus ombros esperando as migalhas de pão, que por ora o velho jogava no chão.

O solitário só se comunicava através do olhar, terno, paciente, saudoso...

O menino, um dia, ao deixar passar uma bolinha por baixo da tela, que separava o pátio escolar das dependências do Fórum, trepado na tela chamava pelo senhor, que num vislumbre de inveja do menino, levantou-se devagar, apanhou o brinquedo e estendeu-o às solícitas mãos da criança.

Esse menino não tinha avô, esse velho não tinha neto, esse pássaro tinha como dono a liberdade do ar.

No dia seguinte, o menino deixou escapar duas bolinhas por baixo da tela.

O velho olhou, sentiu, pensou...O queria dizer o menino com aquela ingênua displicência?

Pegando as gudes, o velho aproximou-se mais da criança e estendeu-lhe as mãos entregando uma só bolinha.

O menino o olhou, e antes de agradecer soltou uma inquietante pergunta;

___ Como se faz um velho?

O pássaro deixou as migalhas e também quis participar pousando nos ombros daquele senhor.

___Porque pergunta?

___Quero saber o que fazia até ficar velho.

___E como se faz um menino?

A criança não reflete tanto, e rapidamente formula respostas, pois ele já as tinha quando perguntou.

___Um menino se faz brincando.

O senhor pensou, olhou bem as gudes e encarou ternamente o menino

___Um velho se faz quando percebe um menino brincar as brincadeiras que ele nunca brincou.

Respondeu o velho apertando uma das bolinhas que o menino jogara.

Reflexão

Esse texto foi criado mentalmente quando eu observava um senhor aguardando o atendimento da Defensoria Pública, e ao mesmo tempo convivendo com a ludicidade, que flui nos pátios escolares, em cada brincadeira, cada riso e maldade de criança. É preciso trabalhar isso pra que não se fique velho sem compartilhar alegrias vagabundas, como diria Rubem Alves.

Nossos sentimentos ficam velhos quando não brincamos, não absorvemos a luz do dia através da alegria de alguém, ou dos meninos. Em cada um existe um menino, em cada menino habita um pássaro, que voa, mas necessita de pouso para um dia saber o que faz um velho.

Mônica Ribeiro

02/07/07

Mônica Ribeiro
Enviado por Mônica Ribeiro em 08/07/2011
Código do texto: T3083652