O VENTO TRAZ UM CHEIRO DE MAR E FLORES

Saí pela madruga, tinha um cigarro entre os dedos da mão esquerda, na mão direita segurava o volante do carro, o calor era insuportável. Ia pelas ruas pensando nela, somente nela. Não via os caminhos por onde seguia, mas ia como um vagalume em curto-circuito sozinho.

Quando era criança, já possuía esse encantamento pela noite, minha mãe dizia: a noite foi feita pra dormir, cuidado com a noite, ela costuma matar quem por ela se aventura. Menino, quem troca a noite pelo dia fica doido.

Coisas desse tipo.

Com a vida fui descobrindo outras coisas sobre a noite; a liberdade que a noite proporciona.

Pela manhã, na rua, quando vou acender o meu cigarro, percebo os olhares me fuzilando, as pessoas começam logo a se abanar, se afastam com um ar de desespero, me sinto completamente deslocado. Dizem que o cigarro mata. Eu penso que a vida mata, por isso mato todos os dias minha sensibilidade, lendo processos, conversando conversas de superfície, sem nunca me aprofundar em nada.

A noite me redimo das insensibilidades do dia, leio poesias, fumo meus cigarros em paz, sem ser lembrado a todo minuto do câncer de pulmão que me espreita, consigo ser apenas eu. E é a noite que posso pensar nela e pegar o carro tentando achá-la em algum lugar.

Não sei como ela me achou, nem por onde entrou em mim, só sei que chegou completando tudo, esverdeando o mundo com um olhar calmo. Aparecia sempre à noite, sumia de dia. Não suportava mais o dia, tudo era monótono e sem sentido. Acordava esperando a noite que a trazia. Muito tempo vivi esse amor, entregando meus pensamentos, minhas ações.

Todas as noites a encontrava, vinha linda, tinha um cheiro de flores misturado a cheiro de mar, que inebriava meus sentidos, vinha vestida de ilusões e de sonhos. Eu ficava quase sem ação com medo de me mover, de dizer alguma coisa que a fizesse sumir.

Uma noite, ela não veio, outra noite, ela não apareceu, várias noites depois, constatei que ela havia ido embora, talvez para sempre. Me sentei na cama, acendi um cigarro e me pus a chorar como um menino. Pensei na vida que levaria sem ela, que vida miserável seria a minha. Tentei me religar com ela pelo pensamento, porém algum ser despoetizado desligou minhas chances de sintonia, meus chamados foram rejeitados e minha voz se calou.

Fico pensando, ela sozinha, em alguma nuvem, sem mim, impedida de se mostrar à noite, talvez triste, aprisionada talvez.

Agora passo minhas madrugadas procurando por ela, às vezes penso em desistir, me canso de doer. Tenho vontade de me deixar para trás, me esquecer em algum lugar, tomar nova roupagem, abandonar a lembrança dela em alguma rua. Porém, ao pensar nisso, me vem uma dor maior, a dor de perdê-la.

Chego em casa, abro a porta, o vento traz um cheiro de mar e flores, de mar e flores.

Nadja Claudino
Enviado por Nadja Claudino em 06/07/2011
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