O homem invisível
Quando meu irmão chegou minha vida acabou. “Ele é muito bonito”. Isso parecia uma reza lá em casa. Como se não bastasse contar um vez só. Tem que repetir, chega dá uma tristeza na gente. “Parece Totozinho pequeno”. “Parece o avô, o cabelinho não é?” Minha mãe passando a mão em sua cabeça, minha tia caída de amor. E toda hora um elogio. Queria sumir daquele lugar. Nem era tão bonito. Essas pessoas são muito bestas, parece que é cega. A cabeça vermelha, sem cabelos, branquelo e todos dizendo que é bonito. Não acho! Eu sou muito mais bonito. Eles que são cegos.
A pior coisa era quando chegava uma visita. “Nossa, mais é a coisa mais fofa do mundo”. “Esse cabelinho, fininho, parece algodão”. É nada, nem cabelo tem, gente sem olho. Pensa que caio nessa. Até outro dia eu era bem tratado. Agora nem banho minha mãe me dá. Fico no banheiro sentado um monte de tempo sem ninguém aparecer nem pra passar sabão. Com o bebê não, uma catrupia atrás, como se fosse difícil dar banho num nenê. Tudo é ele.
Até quando tá dormindo, ela fica perto olhando toda besta, como se não existisse criança no mundo. Ainda bem que ela fecha a porta, senão entrava lá e arrancava aqueles cabelinhos sem graça. Vive com ele no colo, arruma todo, coloca roupinha azul com penteadinho. Fica parecendo menina de tão cheiroso. Vai pra praça. Só pra exibir, mostrar, falando toda hora a mesma história. Na sala assisto televisão, mas nem consigo prestar atenção. Gostava dos desenhos. Agora nem dou risada, vou pro quarto e tento dormir.
Não porque estou com sono. É so pra sair dali. Porque fico invisível durante o dia e a noite. Quando começo a esquecer da criança. Chega ela animadinha com ele no colo dando de mamar. Fazendo cara de prazer e ele dormindo de mentira no colo dela. Mamando e a mão alisando os cabelinho sem graça.
Pergunta pra mim se já comi. Nem ligo, comer pra quê se ninguem fica vendo eu comer. Comer sozinho, nem da graça. Gostava quando colocava comida na minha boca. Até contavam histórias pra me enganar. Fazia aviozinho. Com aquele barulhinho afogado com dos dentes de cima pegando nos lábios de baixo. Hoje em dia não tem jeito, nem fingir posso que não estou com fome. Se fizer isso morro de fome, Porque os aviozinho nunca mais apareceu.
Visto qualquer roupa. “tá lá na gaveta” quem não sabe que tã lá? Nem escolho, pego qualquer uma, as de cima, a primeira que aparece, nem combino mais. Ta ruim viu. A vida ficou muito ruim. Na hora que todos tão na sala, sento entre minha mãe e meu pai, a conversa gira em torno da mesma coisa, me canso vou brincar um pouco na cozinha, embaixo da mesa de carrinho. Fico triste, já que ninguém notou minha rovolta. Nem reagir consigo, fico raivoso e nada. Nem me chingar minha mãe chinga, nem sequer me maltrata, não tem nada no mundo que eu faz eu ficar feliz como era.
Se minha mãe continuar fazendo isso, juro que vou embora. Vou pra casa de minha tia, sei que ela vai gostar e minha mãe vai ficar bem triste e vai me buscar querendo volta. Eu não vou voltar. Vou ficar pra sempre. Até eu ficar grande e não precisar mais que alguém me olhe. E nem vou deixar bilhete. Vão ficar um tempão ligando pra todo lugar. Desesperado de medo de nunca mais me ver. E minha mãe vai chorar muito, a noite toda até ela saber que eu ainda gosto de colo e de que passe a mão nos meus cabelos, penteando com partido de lado, igual ela fazia. E esse bebê vai crescer sem nunca saber que tinha um irmão bem mais bonito que ele. Só to esperando ficar com coragem. Só estou esperando ficar com coragem.