UM CONTO QUASE DE FADAS

Ela amanheceu com um raio de sol no olhar, um sorriso novo no rosto e um jeito de quem havia sonhado um maravilhoso sonho de felicidade e magia, enfim, ... estava radiante...

Ele acordou atrasado, fechou o ziper do jeans que amanhecera em seu corpo, calçou meias e tênis. Correu ao minúsculo banheiro, na pia lavou o rosto enquanto com as mãos molhadas ajeitava os cabelos. Saiu apressado abotoando a camisa que apanhara no chão junto com o recorte de jornal de anúncio de empregos, correndo entre os becos estreitados pelos barracos da favela onde morava.

Ambos estavam à procura de algo importante e significativo para suas vidas, e a vida os faria encontrar, talvez nesse dia de busca...

Numa dessas coincidências do destino, ela voltava da livraria onde fora comprar alguns livros de poesias, ele ia à busca de seu primeiro emprego e,... caminhando cada qual submerso em suas divagações, se esbarram e os livros dela caem espalhando-se no chão, juntamente com a bolsa que trazia pendurada ao ombro. Eles se abaixam para apanhar e nesse instante os olhos se encontram, suas mãos se tocam e uma estranha sensação nascia nesse mágico momento...

Ele se desculpa, ela sorri e agradece. Ele acaba de juntar os livros (Cecília Meireles, Florbela Espanca, Murilo Mendes, Pablo Neruda, Fernando Pessoa, Nina Costa,...) desconcertado, os devolve a ela. Ela agora, caminha com os cabelos voando ao vento, e voltando o rosto para vê-lo mais um pouco, dar-lhe mais um sorriso e, em seguida, desaparece no meio da multidão...

Ele continua ali, parado, com o recorte de jornal na mão, olhando-a sumir no vazio, com a impressão de que o destino havia lhe preparado uma armadilha e ele caíra.

Volta-se para seu objetivo do dia, - arrumar seu primeiro emprego-, mas antes de continuar sua jornada, observa que no chão havia ficado um livrinho cor de rosa, com uma caneta atada a ele e na capa, as iniciais L. C., em letras ornamentadas.

Abriu e leu:

“Meu Diário, 03 de maio de 2008.

Este diário pertence à Laura Clarence, 15 anos, sonhadora, amiga, apaixonada pela vida. Filha de Judith Clarence e Marcos Angelos Clarence Junior nascida em 20 de junho de 1993. Tipo sanguíneo: A positivo; touro com ascendente em leão; galo no horóscopo chinês. Hobby é ler e escrever poemas; comida favorita é lasanha, sorvete; grande sonho: viver um grande amor...”

Ele virou a página e viu a foto de uma linda menina de 15 anos vestida de debutante, fixada com clipes coloridos e os dizeres abaixo da foto escritos:

“Esta foto captou minha imagem por um instante ,... mas minha essência está livre, pelo jardim, e corre descalça sobre a relva, solta ao vento, flutuando na felicidade de meus 15 anos...

Eu transcendo essa imagem que sua retina observa e tenta capturar... Se quiser deter-me, segure o vento ... estarei nele...”

(L. C.)

Ele guarda no bolso de sua calça jeans aquele livrinho e prossegue em seu rumo. Depois desse dia, seguem-se muitos outros dias em que ele sai à busca de emprego, mas religiosamente passa naquele lugar, na esperança de reencontrar aquela menina e devolver seu diário... Porém, não só isso, intenta vê-la novamente, e tentar capturá-la no vento, quem sabe?!!!... Laura Clarence, Lauuuraa... Lauuuuraaaa... não conseguia esquecê-la.

Depois de muitas buscas, ele consegue emprego de boy numa agencia de detetives particulares, e desempenha muito bem seu trabalho. Mas, não queria ser pra sempre boy, faz cursos noturnos e acaba se especializando em investigações e em três anos se torna investigador da agencia, muito bom por sinal, apesar de seus apenas 21 anos.

Tinha agora uma sala só sua, uma plaquinha na porta com seu nome escrito, uma mesa com sua fotografia, alguns objetos pessoais que faziam o ambiente ser mais seu. Dentro de sua gaveta, alguns papéis, bloquinhos para anotar, canetas e um livrinho cor de rosa, que de vez em quando ele retirava e lia alguma página e ficava imaginativo, olhando para o vazio, buscando a imagem daquele rostinho de 15 anos olhando para trás e sorrindo, aqueles cabelos voando ao vento, aquela doce figura...

O chefe entra e diz:

--- Desce das nuvens rapaz! Tenho um trabalho para você. Um cliente muito importante ligou e quer que vá neste endereço agora pela manhã. O casal precisa encontrar uma pessoa, e todos estão ocupados. Então, você está determinado para esse serviço. É só você se identificar na recepção do hotel, que estarão esperando. Seja discreto. Deste trabalho depende sua promoção.

--- Sim chefe, serei! Vou agora mesmo!

E sai animado com esse primeiro grande trabalho de investigação que lhe fora confiado. Chega ao Hotel PLAZA, se anuncia na recepção e, depois do telefonema, alguém o manda subir até a suíte nobre. Aperta a campainha e um casal o atende. A jovem senhora, gentilmente oferece um chá, o esposo pergunta se não seria melhor um drinque. Mas Cristiano não aceita nada, está ansioso por começar logo seu trabalho.

O homem fala:

--- Você é muito jovem, será que vai conseguir resolver o que precisamos?

Ele responde:

--- Senhor, minha profissão é esta, me preparei para isso! Não falharei...

Então o casal expõem o que os aflige e o que desejam:

--- Perdemos algo muito valioso para nós, e precisamos encontrar... disso depende a saúde, a sanidade de nossa filha... já gastamos muito com investigadores e não conseguimos nada, mas seremos generosos com quem conseguir encontrar esse objeto de valor inestimável... Será que você realmente é capaz de conseguir isso, meu jovem? Pergunta, ansioso, o senhor.

--- Sim. Pode descrever esse objeto para mim, senhor? É de ouro? É uma jóia?

--- Não é de ouro, é de papel,...mas vale como uma jóia...

--- É algum documento antigo: escritura, manuscrito, mapa, pergaminho,...?

--- É manuscrito, mas não é antigo.

--- É de um vulto histórico, de algum museu, de alguém importante?

--- É um livro que faz parte da nossa vida, um diário.

Ele para e reluta em perguntar como é esse diário, mas precisava ser profissional:

--- Como é esse diário, senhor?

--- É um livrinho pequeno cor de rosa, com uma caneta atada a ele, as iniciais L. C. na capa. Foi perdido numa praça perto de uma livraria neste endereço. A pessoa que perdeu é nossa filha e desde este dia, ela não foi mais a mesma... perdeu a alegria de viver, este diário é muito importante para ela e para nós. Qualquer vestígio, qualquer coisa, uma mínima informação que você nos trouxer, meu jovem, ser-lhe-á muito bem recompensada.

Essas últimas informações fizeram-no ficar surpreso, atônito, - seria ela? Ou seria uma brincadeira maldosa do destino? -, uma angústia cresceu dentro dele que, com voz atropelada, perguntou:

--- Onde está sua jovem filha, dona do diário?

O Casal, triste, respondeu:

--- Nossa filha, desde que perdeu este diário, perdeu também a alegria de viver. Nós voltamos para a Europa, buscamos tratamentos diversos para trazer a alegria de viver de volta a ela, mas nada funcionou. Não sabemos mais o que fazer... Resolva isso, meu jovem, e será muito bem recompensado. Lhe garantimos...

Depois desse diálogo, ele se despede do casal, e vai embora sem saber o que fazer. Retorna ao escritório, a sua sala, a sua mesa, a sua cadeira, ao diário guardado na gaveta... então decide simplesmente devolvê-lo e esquecer aquele sentimento que trazia dentro de si por 3 anos... Ele conclui que era um sentimento agora mais impossível que nunca, ela era uma jovem rica e ele não era ninguém... Pega o diário, coloca-o dentro de sua pasta e vai para casa, decidido a entregá-lo aos pais de Laura. Foi uma longa noite aquela, Cristiano não conseguiu dormir... largou a cama mais cedo que de costume, arrumou-se, pegou a pasta, desceu os becos estreitos da favela onde morava, com sua mãe dizendo: ‘Vai cum Deus meu filho!!!‘

Pegou dois ônibus até chegar no centro, caminhou devagar até chegar em frente ao hotel PLAZA, entrou e se anunciou na recepção, subiu até a suíte onde estava o casal hospedado, apertou a campainha da suíte e foi atendido por eles que o esperavam ansiosos. Cristiano tira da pasta o diário de Laura e pergunta:

--- Por acaso é este o livrinho cor de rosa que vocês tanto procuram?

Maravilhados e radiantes de felicidade, eles, entre lágrimas e risos, respondem:

--- Sim!!! Como achou? Somos muito agradecidos, meu jovem!!!... Peça o que quiser!... Diga!... Vamos, rapaz!!!

Ele responde:

--- Não é nada!... Diz isso e sai correndo para que o casal não veja sua perturbação. Vai para o escritório e pede demissão.

Marcos e Judith exultando de felicidade interfonam para a recepção pedindo um taxi e vão para a clínica onde a filha se encontra, chegando lá, mostram-lhe o diário. Uma fagulha de luz se acende nos olhos da jovem e um sorriso ilumina seu rosto... ela estava de volta daquele estado de inércia e catatonismo que a depressão a deixara. E dia após dia Laura recobrava a felicidade e recuperava o desejo pela vida. Três meses depois, ela estava completamente bem e desejosa por encontrar aquele que devolveu seu diário.

Os pais a levam na agencia de detetives particulares para ‘conhecer’ seu bem feitor, e ela está visivelmente radiante de felicidade e uma expectativa enorme por esse encontro, ... mas quando chegam, descobrem que ele não trabalhava mais lá e Laura cai em pranto, e nesse momento, os pais descobrem que o mais importante não era o diário, mas o motivo de sua súbita cura, era aquele jovem... a menina declara aos pais seu secreto amor e, eles, querendo ver a filha bem, aceitam sem nenhuma objeção...

Então, no escritório, lhes é fornecido o endereço de Cristiano, e eles partem a sua busca. Sobem os estreito becos entre os barracos da favela onde ele morava. Chegam, depois de muito procurarem, em um pequeno e humilde barraco onde uma senhora estava lavando roupa na bica em frente a porta escancarada.

Eles perguntam:

--- É aqui que mora Cristiano Onofre da Silva, senhora?

A velha e sofrida mulher responde:

--- Sim, sinhô! Ele fez alguma coisa errada, Dr.?

Acudindo negativamente com a cabeça, eles perguntam onde está o rapaz e quando a mulher fala que o filho está lá dentro, Laura sai correndo para vê-lo. Eles se encontram frente à frente enfim,... e parece que o tempo para, eles se olham, o mesmo olhar; as mãos se tocam, as mesmas sensações; eles se abraçam, uma revolução acontece naquele momento; sem palavra se beijam, em um beijo profundamente desejado e esperado por três anos..., e parece que a favela toda pára e festeja o amor de Laura e Cristiano, o Rio de Janeiro todo está em festa, o mundo sorri..., porque ali se concretizou o amor dos dois... em um conto quase de fadas...

(Irene Cristina dos Santos Costa - Nina Costa, 28/07/2011)

Nina Costa
Enviado por Nina Costa em 28/06/2011
Reeditado em 21/04/2012
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