Alucinógeno
Trancado em seu quarto, Bob se encontrava em uma profunda tristeza. Não era um rapaz de beleza notável. Para não faltar com a verdade, não se encontrava de forma alguma tal objetivo na representação dele. Levara um sonoro fora da garota que mais amava. Ouviu a mesma dizendo que era apaixonada por outro cara. Seu time do coração havia sido rebaixado para a terceira divisão. Descobrira que sua mãe tinha um caso com o carteiro. Tudo conspirava com o acre sabor do desgosto contra o pobre energúmeno.
- Vida linda que pedi aos astros e às estrelas. O papel da minha vida! Belíssima atuação de um desiludido frente às adversidades. Vida longa ao rei, esse rei, destronado! – proferia Bob com voz baixa e pessimista.
Sentado ao lado da porta do quarto, ele mirava o relógio, por entre um movimento ocular e outro, desafiava a cama, a cômoda, a televisão empoeirada, os tênis imundos e por fim, a foto de Clara, estampada na tela do celular. A imagem da linda jovem ia se distorcendo junto ao efeito das lágrimas do pobre apaixonado.
- Como se não bastasse o mundo ferrando minha vida, da única que eu esperava afeto, hoje me engano. Clara... Por que não me escolheu? Meu... Meu amor não é puro? Não sou homem para suas necessidades? Por que essa maldita dependência de você? – dizia Bob no contínuo do seu lamento.
Quase se engasgando em meio às palavras, Bob lançou o celular contra a parede com a força de um gorila, chorando compulsivamente. Seus olhos ficaram tão vermelhos que por momentos, pareceram rubis. Até que um barulho estranho corta seu choro. O ruído vinha da janela, como se alguém tentando entrar. Bob secou os olhos e o rosto com a camiseta e se dirigiu à janela para ver o que era. Ao abri-la, se depara com um homem encapuzado e de óculos escuros, que trazia na mão um saquinho estranho.
- Hei filho! Gostaria de comprar umas balinhas? São apetitosas, te garanto! Só por dois mangos! – ofertou o homem, com um sorriso sacana.
-Qual é seu velho?! O que você esta fazendo aqui? E como chegou aqui? Sai fora!Hoje não estou com saco para conversar com ninguém! –replicou Bob irritado.
- Azar o seu de deixar uma escada perto da sua janela. Até parece que já estava me esperando. Vai comprar essa joça ou não? Dois mangos! Nem mais, nem tão pouco menos! – disse o homem agitando o saquinho na frente e Bob.
O dia do garoto estava tão ruim e amargo que ele acreditava que nada mais parecia importar. Fitou o saquinho por segundos, enquanto o dia ia dando lugar a noite. Mordeu os lábios, passou a mão no rosto cheio de espinhas e meneou com a cabeça de um lado a outro. Os movimentos foram interrompidos por uma frase vinda do vendedor inesperado.
- Armaggeddon em Júpiter! Vamos morrer! Flores no seu enterro, em meu enterro! Cantarolamos a vida! OU me compre esse saco de balar fedidas ou me empurre dessa escada rumo ao inferno! – profetizou o homem encapuzado em tom de deboche.
-Se eu comprar essa porcaria, você dá o fora? – disse Bob puxando o dinheiro do bolso.
- Você que manda, garoto feioso! Quem sabe as balinhas não dêem um jeito na sua cara doente! HAHAHAHAHAHAHA!!! - sacaneou o vendedor.
Bob se encheu de raiva com o último comentário do homem. Então puxou o saquinho das mãos do vendedor, enfiou o dinheiro na mão dele e o empurrou da escada da janela. Ao cair no chão e machucar um braço, o homem ainda falou.
- A gratidão humana é o encontro do sol e da lua! Tão maravilhosos e nunca o veremos. Paz meu querido... Alguém pode me ajudar aqui?
Bob jogou o saquinho no chão e se sentou na cama. Ainda pensava em Clara. Nem sua mãe, seu time, suas espinhas ou sua feiúra apagavam a linda moça de cabelos longos e lisos e de pele branca. Muito menos inesquecível era a palavra negativa se desenhando em câmera lenta nos lábios carnudos de sua amada.
- Se eu pudesse te esquecer... Clara... Ao menos... Não saber quem você foi e o que me fez... – pensava Bob cabisbaixo.
Voltava a olhar para o saquinho de balas como forma de escapar, mesmo que momentaneamente de Clara. Pegou o saquinho e viu que realmente eram balas. Balinhas vermelhas aparentemente normais.
Sem rodeios, comeu duas e se deitou na cama, jogando o olhar para o teto. As balas não tinham nada demais. O gosto era doce e só. Segundos depois, Bob se sentiu sonolento, mas não chegou a adormecer. Até que um novo ruído, agora vindo da porta, ressoava.
Não querendo se levantar, Bob apenas disse para o desconhecido que para abri-la. A porta se abre e justamente quem aparece é Clara. Sim, a menina da vida de Bob. Calças jeans apertadas lhe torneavam as lindas pernas e uma camiseta igualmente delineava o resto do corpo.
Ao balançar os longos cabelos , ela começou jogou seus olhos azuis porcelana em cima de Bob. Esse então se levantou rapidamente e branco como um fantasma, começou a falar.
- Cla... Clara... O que esta fazendo aqui? Pensei que você tinha ido para o interior!
- Ainda não bobinho! Vim aqui, porque você não me deu tempo de dizer mais uma coisa a você. Você saiu tão rápido que nem me deu oportunidade de continuar... – respondeu Clara segurando as mãos de Bob.
- Continuar? Não entendi... Continuar o que? – balbuciava Bob, se tremendo todo com o toque das suaves mãos de Clara.
- Você está muito tenso Bob. Relaxa. Eu não vou te matar. – dizia Clara passando a mão no rosto de Bob.
Depois desse encontro inicial, Clara acendeu um cigarro, se sentou no chão e começou a brincar com o cabelo calmamente. Ao mesmo tempo que tentava entender porque Clara estava ali, Bob se encantava com a feminilidade da garota, a característica que simplesmente o conquistou. A garota que ele tanto amava e que lhe dera um chute nos fundilhos, agora estava em seu quarto sem mais nem menos, como se tudo estivesse normal. Ele permanecia imóvel, assustado e incrédulo, dando a impressão de que Clara era um fantasma, ou um cadáver fresco.
- Não deve demorar muito... Ele disse que chegaria logo... – comentava Clara entre uma baforada e outra.
“Ele?” pensava Bob. Quem seria esse individuo que logo chegaria? Quem poderia ser e porque Clara o anunciou? Será que era o mesmo cara que a conquistou e a roubou de suas mãos.
- Quer ajuda para respirar Bob? Você esta morrendo em pé! Quando ele chegar, você já vai estar morto! Qual é?! – zombava Clara em tom desdenhoso.
- Quem é ele? Quem é ele Clara? E por que você está tão estranha? O que esta acontecendo? Se tudo isso é só uma curtição com a minha cara, por favor vá embora! Já me fez sofrer uma vez! De novo não! – gritou Bob saindo do transe.
Clara então se levantou, deu uma última tragada no cigarro, jogou-o no chão e durante alguns minutos encarou Bob. Logo depois saiu do quarto. Sem conseguir entender e sem forças e motivos para ir atrás dela, Bob se deitou novamente e colocou o travesseiro no rosto.
Dessa vez, ele adormeceu. Minutos depois ele acordou, olhou para um lado e depois ao olhar para o outro viu novamente Clara sentada no chão, fumando seu cigarro e olhando para ele. Bob pulou da cama e esbaforido perguntou.
- Você ainda está aqui? Não tinha ido embora?
- Eu? Claro que não! Eu estava aqui o tempo todo Bob! Você está bem?Estava tendo algum pesadelo? - respondeu Clara rindo.
- Não! Não! Não! Não! Não é possível! Eu não estou ficando louco!Deve ter uma explicação! Não! – gritava Bob arrancando os cabelos desesperado.
Sem se encontrar, Bob se atirou em Carla, segurou seus braços e encostou o rosto no perfumado pescoço dela. Ao sentir a respiração doentia de Bob em seu pescoço, Clara começou a falar, sem fazer força para se soltar.
- É por isso que você sempre ficara sozinho... Namorar um horroroso como você? Fracassado... O mínimo que você deve fazer é nunca mais sair desse quarto deprimente...
Ao ouvir tudo o que Clara disse com uma voz sombria e deliciosamente feminina, Bob a soltou e de cabeça baixa, não disse uma só palavra. A porta novamente se abre e mais uma pessoa aparece. Era o pai de Bob que chegara do trabalho.
- Ele chegou! – cantarolou Clara batendo as mãos e se levantando do chão.
- Pai? Como ela sabia que era você que ia chegar? – perguntava Bob duvidoso.
O pai de Bob olhou para ele, foi em direção à Clara e a beijou escandalosamente.
- Será que é por isso? – disse o pai de Bob em tom sarcástico.
- Era isso que faltava eu te dizer Bob! Seu pai é o cara por quem estou apaixonada! Mas como você é tão covarde e saiu correndo, não deu tempo de falar.
Bob foi tomado por uma fúria incontrolável. Sem pensar, saiu correndo do quarto, desceu as escadas e rumou à cozinha, onde encontrou sua mãe e o carteiro mortos no chão. Antes que ele pudesse ensaiar outro movimento, seu pai e Clara aparecem na cozinha abraçados.
- Filho... Eu estou meio ocupado com a Clara... Você poderia limpar o sangue que jorrou na minha arma?
Revoltado com todos os acontecimentos presenciados, Bob pegou a arma e atirou no pai. Clara saiu correndo pela sala, mas Bob não a perseguiu, pois logo após matar o pai, decidiu se suicidar.
No momento do tiro, Bob acordou. O tempo todos estava dormindo sentado ao lado da porta, onde havia estado o dia todo. Porém ele acreditava que tudo aquilo não era um mero sonho. Correu para a janela e viu a escada colocada perto da mesma. O celular estava quebrado no chão. Então Bob pensou que tudo era mesmo real, que tudo estava acontecendo.
Um ruído ressoa da porta. Bob abre e Carla aparece. Tomado pelas recentes lembranças e acreditando que tudo aquilo estava para acontecer, Bob agarrou Clara com força, empurrou-a contra a parede e começou a bater violentamente a cabeça dela contra a parede. A cada batida, batia com mais e mais força, até que a parece se banhou em sangue. Clara perdia a consciência até que caiu morta no chão, com a testa toda ensangüentada e os olhos abertos como de peixe morto. Com as mãos cheias de sangue, Bob dava pequenos tapas no próprio rosto para saber se estava sonhando ou se a morte de Clara era real. Ainda tentando confirmar o fato, ele vê um papel no bolso da calça de Clara. Depois de pegar o papel, ele começa a ler.
-“ Simplesmente não posso te namorar por um motivo muito triste. Tenho uma doença muito rara e que vai me matar em questão de dois meses. Se for para fazer um cara infeliz, não queria que fosse você, por isso menti dizendo que gosto de outro cara. Bob, sempre te amei e sempre vou te amar... Me perdoe...
Clara
Bob largou o papel no chão e começou a rir incontrolavelmente. Não acreditava que acabou de matar a mulher que mais ama, e que aquilo não era um pesadelo e sim a realidade.
Já fora de seu bom senso e raciocínio, pegou o maço de cigarros que caiu do bolso de Clara, acendeu um cigarro e começou a fumar perto do cadáver da amada, em mais um banho de lágrimas, de um rapaz que só veio ao mundo para sofrer, a dor de amar alguém.