Somos todos um
- Boa noite auditório e boa noite telespectadores que acompanham em suas casas mais um Show das Nove, com Maria Mariana! (aplausos, assovios e alguns gritinhos da plateia) E hoje o programa está bombando, temos a presença do Deputado Pedro Moreno, autor do polêmico Projeto de Lei que aprova a poligamia. Também vamos acompanhar uma reportagem que mostra a difícil vida do poeta lixeiro, o seu Domingos Poeta, como é chamado lá no lixão onde vive. E para finalizar a nossa noite, o som das Fé Meninas, uma banda que está lançando o seu primeiro CD e que mistura ritmos como salsa, música gospel e funk.
(cenas rápidas mostrando a banda com cabelos multicoloridos e muitos piercings)
- E aqui sentado do meu lado, o Deputado Pedro Moreno. Boa noite, Pedro, é um prazer tê-lo conosco aqui no Show das Nove.
- Boa noite, Maria Mariana, o prazer é todo meu.
-O senhor é o autor do Projeto de Lei que aprova a poligamia no Brasil. E este projeto causou muitos comentários contra e a favor esta semana, tanto nas ruas quanto na internet e até mesmo nas discussões em plenário. Antes de saber as suas razões, gostaria de rodar um VT que fizemos para saber o que algumas pessoas nas ruas acham da sua proposta.
(meia dúzia de entrevistas rápidas, uns dizendo que apóiam a ideia e outros que não)
- Como podemos ver, o povo está dividido. Mas o que eu gostaria de saber é de onde o senhor tirou esta ideia para o projeto de lei que já está sendo chamado de “Lei Três é Bom Demais”.
- Em primeiro lugar, gostaria de agradecer pelo seu convite pra que eu pudesse esclarecer aos cidadãos brasileiros sobre o projeto de lei que propus. Todos sabem que a bigamia, ou seja, o casamento com mais de uma pessoa, além de ilegal, é crime no Brasil, punido de dois à seis anos de reclusão para quem é casado e casa-se novamente. E para quem se casa com outro já casado, a pena diminui de um à três anos. É o que diz o nosso Código Penal. Mas eu lhe pergunto, você já viu alguém ser preso por bigamia?
- Ninguém que eu conheça.
- Pois bem, nem ninguém que você não conheça também. Eu solicitei que um instituto conceituado nacionalmente levantasse para mim os dados de quantos processos judiciais de bigamia entraram em nossos tribunais nos últimos cinco anos e a resposta foi um sonoro zero. E eu pergunto por quê? Porque vivemos em um país onde ninguém se casa legalmente duas vezes no mesmo espaço de tempo, ao invés disso, a realidade é que por causa desta proibição, o homem ou a mulher acabam tendo vários parceiros sem a necessidade de formalização legal. Nós até aceitamos a união estável como geradora de direitos entre os companheiros. Sem papel algum. Atualmente o STF estendeu os mesmos direitos da união estável, ou praticamente todos, aos homossexuais.
- Não vejo o que as uniões já reconhecidas pela lei tenham a ver com o crime de bigamia.
- Então vou lhe responder com uma afirmação simples: o crime de bigamia em nosso Código Penal hoje é prejudicial para o desenvolvimento econômico e familiar do país.
- Meu Deus, mas esta é uma afirmação provocadora. O senhor poderia se explicar?
- Claro, estou aqui para isso. Vou fazer uma análise fria e objetiva de um caso hipotético, encontrado em qualquer região do país, geralmente nas periferias: um homem relativamente novo engravida a namorada, mas como foi uma gravidez não desejada, assume o filho, porém não se casa com a garota. Tempos depois, ele passa a gostar de alguém e se casa com ela, tendo outro filho. Mas o casamento não vai muito bem e então ele acaba tendo um caso extraconjugal que resulta em um novo filho. Como eu já lhe disse, não é uma situação tão difícil de se ver por aí. É bem capaz que você, Maria, ou que alguém de casa que esteja nos assistindo agora conheça outro alguém que se encaixe um pouco nessa situação. Veja, o problema hipotético nessa situação não é a bigamia legal. É a bigamia ou poligamia real. Os brasileiros coabitam não só com um parceiro sexual por toda a sua vida, mas com vários. É a nossa cultura, não importa o que as religiões preguem. Agora imagine outra situação hipotética: um homem se casa com uma mulher, os dois ainda na juventude, ambos trabalham para se sustentar e têm um filho. Tempos depois, ele traz outra esposa para casa e esta também trabalha e ajuda nas tarefas do lar. Se alguma das esposas não puder ter filhos, considerarão os filhos comuns a todos. Se alguém ficar doente, terá duas pessoas para ocupar o lugar e ser uma ajuda extra para cuidar da enferma, sem precisar se preocupar em ter de decidir entre trabalho ou família. Os filhos deste casamento poligâmico teriam um ambiente familiar com pais e mães, dependendo do caso, e não um ambiente só com o pai ou só com a mãe, como costumamos ver por aí. Nenhuma criança deveria crescer sem o pai ou sem a mãe.
- O senhor quer dizer que a solução para as famílias de pais e mães solteiros é o casamento poligâmico?
- Exatamente. Justamente porque casamento costuma gerar um compromisso maior, enquanto relações entre amantes ou ajuntados não. Estes são descartáveis. O casamento, por seu vínculo festivo, tradicional e até jurídico, faz com que se pense duas vezes antes de contraí-lo. Se alguém se casasse com uma segunda esposa ou um segundo marido (o que é um pouco mais complicado de pensar em nosso país machista) teria a obrigação legal de cuidar de um cônjuge assim como cuida do outro, e os seus cônjuges teriam a mesma obrigação para com ele e entre si.
Mas deputado, o senhor não teme a reação em peso da ala religiosa no Congresso contra o seu projeto?
Sim, mas só inicialmente. Pois até mesmo na Bíblia aparecem exemplos de servidores fiéis a Deus que tinham mais de uma esposa. Abraão, Isaac e Jacob estão entre estes e ninguém questiona que eles eram servos do Senhor. Podem até argumentar que eles foram exceções para tempos difíceis, mas hoje passamos por tempos mais difíceis ainda. Veja se na Bíblia aparece algum pai ou mãe solteiros?
- Muito bem, eu sei que na teoria tudo é muito bonito. Mas na pratica é outra coisa. E justamente por isso o nosso Deputado Pedro Moreno é tão polêmico. Ele admitiu publicamente esta semana que possui três esposas. É isso mesmo deputado?
- Esposas não, namoradas. Legalmente eu não posso ter três esposas, por isso uso o termo namoradas. Mas sim, todos nós moramos juntos já há alguns anos.
- Pois então que entrem as namoradas-esposas do deputado. Chamamos ao palco a Cecília, a Letícia e a Rosana.
(a plateia bate palmas quando entram três mulheres bem vestidas, saídas do fundo do palco)
- Olá meninas, sentem-se, por favor. Estou aqui tentando me convencer de que o casamento diferente de vocês funciona. Eu sei que vocês três são mulheres bonitas e bem sucedidas e queria ouvir a opinião de vocês sobre o assunto. Você primeiro, Cecília. Você é psicóloga, certo?
- Boa noite a todos, boa noite Maria Mariana. Sou sim, e graças ao Pedro. Foi ele quem me ajudou quando fui morar com ele, quando era mais nova. Foi ele quem descobriu a minha vocação, quem patrocinou os meus estudos e ajudou a montar a minha clínica.
- Então você era uma moça pobre?
- Sim, eu sou do nordeste, de uma região onde os pais costumam vender as suas filhas a caminhoneiros, donos de bordéis e para quem oferecer mais em troca de comida para o restante da família. Eu mesma tive uma irmã um pouco mais velha que eu que foi vendida quando eu era pequena. Senti na pele o drama de ser pobre. Antes de meu pai me vender, apareceu o Pedro e disse que me queria para sua mulher. Ele me deu sustento, educação e amor. Hoje sou o que sou graças a ele. E hoje posso ajudar a minha família no nordeste para que não precisem fazer mais o que fizeram no passado. Por isso eu penso, se o Pedro fizesse o que fez comigo com mais outras moças, como eu poderia ficar contra ele? É justo eu querer o bem somente para mim?
(aplausos da plateia)
- E você, Letícia, também concorda com a proposta do deputado porque foi pobre? Antes nos conte qual a sua profissão?
- Boa noite, Maria. Eu atuo hoje como advogada criminal. E não, o meu caso não foi igual ao da Cecília. Eu me casei ainda jovem com outro homem, grávida do meu primeiro namorado. Ele não queria casar, foi pressão das nossas famílias. Mas foi um erro: ele era violento comigo e com o nosso filho. Chegava bêbado em casa e descia a porrada. Naquela época não existia a lei Maria da Penha. Eu não via solução para o meu caso a não ser o divórcio. Foi quando procurei ajuda do Pedro, que era vereador da minha cidade. Ele me deu todo o apoio que eu precisava. Me ajudou em tudo o que eu precisava e acabou surgindo um grande carinho entre nós, que depois virou amor. Ele expôs a sua filosofia para mim e me apresentou a Cecília, que me acolheu como se eu fosse uma irmã. Ambos me trataram tão bem e me ajudaram com o meu filho e com a minha educação que hoje eu não tenho receio de dizer abertamente a todas as mulheres de que homem bom é para ser dividido. Eles estão em falta no mercado e por causa disso muitas se vêm obrigadas a se sujeitarem a cafajestes, crápulas e calhordas violentos e machistas. Pois eu digo que estes têm que aprender a lição de tratarem bem as mulheres do jeito mais difícil, quando não houver mais nenhuma disponível para eles.
(aplausos entusiásticos da plateia)
- Bem, percebo que todas vocês têm uma personalidade forte, mas todas são a favor do casamento poligâmico?
- Sim.
- Sim.
- Sim.
- Mas eu estou curiosa, assim como acredito que a maioria dos meus telespectadores também deve estar se perguntando em casa. Como fica a questão do sexo entre vocês? Vocês todos dormem no mesmo quarto, na mesma cama? Existe um rodízio entre vocês para ver quem fica com o Pedro? Rosana, por favor.
(risos da plateia)
- Boa noite, Maria Mariana. Não, nós não dormimos no mesmo quarto. Cada uma de nós tem o seu espaço, a sua privacidade, o seu quarto, embora moremos na mesma casa como se fôssemos irmãs. Na verdade, eu sou irmã de verdade da Cecília. Aquela que foi vendida pelo pai para um puteiro. Eu não tenho vergonha de contar a minha história, eu comi o pão que o diabo amassou. Até que a Cecília e o Pedro me encontraram e me resgataram. Hoje, administro uma ONG que luta justamente para combater a exploração sexual infantil, prática tão banalizada em nosso país. E quanto ao cronograma com o Pedro, geralmente temos uma noite por semana com ele somente para cada uma de nós, uma noite livre para fazermos o que quisermos a dois. Podemos sair de casa despreocupados pois sabemos que os nossos filhos estarão em boas mãos. No mais, quando o Pedro tem alguma viagem de negócios, aquela de nós que tem a agenda livre o acompanha.
- E haja fôlego, hein, senhor Pedro Moreno? (risos) O nosso papo está interessantíssimo, mas o nosso horário já se encerrou e eu tenho de chamar os comerciais. Para terminar a entrevista com o Deputado Pedro Moreno, autor do Projeto de Lei que libera a poligamia, e suas três adoráveis esposas, vou lhe fazer uma última pergunta: qual seria a reação das suas esposas caso o senhor anunciasse que levaria uma quarta mulher para casa?
- Eu confio nelas, Maria Mariana. Tenho certeza de que elas a aceitarão com o mesmo carinho que eu as aceitei. Aliás, se você quiser se juntar a nós em uma experiência inovadora, está convidada desde já a jantar lá em casa no próximo fim de semana. O que acha?