Clara a Camponesa
Clara a Camponesa
Lembranças
Haviam se passado 16 anos após a morte de Nelson, marido de Elisa e mesmo depois de tanto tempo, ela jamais o esquecera. Lembrava de cada momento vivido com ele e tinha saudades. Uma saudade tão intensa, que lhe fazia chorar.
Era uma mulher linda e respeitada na sociedade. Olhos verdes como duas esmeraldas lapidadas, cabeços pretos bem escovados, pele clara e macia como um pêssego, voz dócil e, sobretudo a mãe de um dos rapazes mais cobiçados da cidade: Richard Abdulmassih Sukevicius.
Richard tinha apenas dois anos quando seu pai morrera em um acidente de carro próximo à Campinas. Fôra viajar a trabalho, pois como era prefeito de Belo Horizonte, sempre se reunia com diversos prefeitos de outras cidades para apresentar suas propostas aos demais governantes da região sudeste.
A caminho da grande cidade, o carro que dirigia, acabou se chocando com um caminhão da empresa de Roberto Albuquerque, um antigo amigo da família. Apenas Nelson morrera.
Mediante a situação, Elisa tivera de suportar a dor de perder o homem que mais amava e agora, teria que cuidar de seu filho que dependia totalmente dela para viver. Quando criança, Richard sempre perguntava à Elisa sobre seu pai. Quando isso acontecia, lhe dava um aperto no coração que a sufocava. Dizia-lhe então que havia ido viajar e demoraria mais algum tempo para voltar. O pobre menino, triste e sem saber do que realmente havia acontecido dizia: “Mãe, mas esta viagem está muito longa. Quero ver o papai logo.” Elisa sem saber o que fazer, tentava mudar de assunto. Porém sabia que mais cedo ou mais tarde seu filho teria de saber toda a verdade.
Quando Richard completou treze anos, Elisa decidiu lhe dizer tudo o que havia acontecido com o pai. Ele ficou extremamente abalado e chorou muito durante várias semanas. Com o passar dos anos, soubera superar a perca e hoje com vinte, apoiava a mãe que ainda deprimia-se facilmente quando lembrava de Nelson
Elisa estava no quarto, deitada olhando para o teto. Era aproximadamente 8h00 da manhã. Levantou-se e foi em direção ao criado. Pegara um álbum de fotografias e começou a vê-las. Eram fotos do seu casamento. Estava com os olhos cheios d’agua, quando alguém bateu na porta. Tentou enxugá-las e fora abrir.
- Bom dia mamãe! – disse Richard dando-lhe um abraço.
- Bom dia meu filho!
- O café já está na mesa!
- Já vou descer.
- O que houve com a senhora? Parece que estava chorando! E esse álbum... – Richard pegou o álbum, abriu e viu as fotos do casamento da mãe. Triste, ele continuou – Oh mamãe, a senhora chorava pelo meu pai, não era?
Elisa não disse nada. AS lágrimas voltaram a cair sobre sua face.
- Mamãe, eu sei que não está sendo nada fácil para a senhora. Mesmo depois de 16 anos o sofrimento ainda está visível em seu olhar. Mas ele está olhando por nós. E tenha certeza que ainda se faz presente ao nosso caminho e ao nosso lar. Não fique mais triste, eu estou aqui, pra cuidar da senhora e poder protegê-la aconteça o que acontecer.
Elisa já se sentia melhor com as palavras do filho. Ele era o único que conseguia acalmá-la diante de uma situação tão difícil como aquela: a superação da perca de um alguém tão querido.
- Estou esperando a senhora lá embaixo para podermos tomar o café.
- Já vou Richard e obrigada.
Lembrava à todo instante de Nelson e não poderia esquecê-lo jamais, pois ele havia feito parte de sua felicidade mesmo por pouco tempo. Ela desceu as escadas e encontrou Richard já servindo seu café da manhã:
-Mãe não agüentei esperá-la e já comecei...
-Oh filho, não se preocupe, fique a vontade!
-O que a senhora fará hoje?
-Estou pensando em terminar de costurar alguns vestidos!
- A senhora e o seu Hobby...
Elisa riu.
- mãe, quando o Eduardo virá passar as férias conosco?
-Ah Richard, creio que logo, já que estamos em dezembro. Ele está muito atarefado com a faculdade, terminando as provas e trabalhos que restam...
-Realmente o curso de medicina tem tirado todo o tempo de meu primo.
-Mas não se preocupe. Sua tia Márcia me disse que daqui alguns dias ele estará aqui!
Enquanto tomavam o café da manhã, Richard se alegrava por finalmente estar passando as férias com a mãe. Era um belo rapaz de 18 anos, cabelos pretos e lisos, olhos pretos, másculo com feições que lembravam ainda mais o pai. Era difícil para Elisa olhar o filho e não se lembrar de seu eterno amor. Richard cursava Direito na capital, mas todos os fins de semana ia até a fazenda ver a mãe. Adorava a tranqüilidade do campo e aproveitar cada momento ao lado da pessoa que mais amava. Apesar da idade, nunca havia namorado. Era um tipo de rapaz que desejava encontrar a pessoa certa. Vivia idealizando a princesa encantada embora ainda não a conhecesse.
-Mãe, acho que vou dar um passeio pelos arredores da fazenda para distrair um pouco.
-Vá mesmo meu filho...
Richard deu um beijo na mãe e pegou seu cavalo: Âmancio.
-E ai amigão, vamos passear um pouco?
Adorava os animais. Era um rapaz rico, embora de humildade admirável.
Começara então a passear pelos arredores da fazenda. Passou pela estrada, por entre árvores que balançavam levemente devido a brisa do vento e os raios de sol já estavam surgindo. Parou um pouco e decidiu sentar-se para apreciar calmamente a beleza da natureza tão próxima. As flores o cercava: tulipas, rosas vermelhas, margaridas onze-horas... Parecia ser um recanto de flores. Mas, sua mãe não havia comentado nada a respeito destas flores tão lindas próximas a fazenda. Então, pensou que alguém morava ali próximo para cuidar tão bem de flores tão delicadas. Richard escrevia sempre que tinha tempo. Adorava escrever poemas sobre a vida e a natureza. Era um típico poeta árcade-romantico que apreciava a vida, os amores tranquilos e tendo as belezas semeadas por Deus ao mundo, como cenário. Pegou um pequeno papel do bolso e uma caneta e logo começou a escrever:
"Apreciando a vida com alegria
A brisa do vento a mim transmite
Contentamento de poder apreciar
A maravilha do mundo que por aqui persiste
Oh, vasta natureza...
Tantas flores, árvores, verde calma
Ao lado de um belo riacho
A felicidade enobrece minh'alma
A mim resta apenas
A metade de uma donzela
Que seja terna como eu, ame a natureza
Para que esta seja o palco de nossa vida bela!"
Ainda faltava algo para completar a felicidade de Richard e ela residia em sua musa, inspiradora de tantos versos que ele escrevia à noite, mesmo sem conhecê-la. Decidiu andar mais um pouco apreciando a tranquilidade dos arredores da fazenda e logo avistou um humilde casebre. Um senhor saía dele, despedindo-se de alguém e Richard ficou olhando de longe. Parecia ter de 45 a 50 anos e ser trabalhador.
Quando o senhor saiu, Richard foi se aproximando do casebre, adorava conhecer pessoas novas e se deslumbrou ao ver que um casebre tão humilde era tão bem cuidado, permeado por flores tão perfumadas, um pomar repleto de árvores frutíferas, uma horta com legumes, uma cerca tão bem feita... Ficou deslumbrado... Viu roupas no arame, e entre elas, vários vestidos de chita e saias brancas. Logo, pensou que havia alguma mulher cuidando daquilo tudo tão bem. Nisso, Richard viu uma linda moça saindo do casebre estendendo ainda mais roupas no varal. Era branca, cabelos castanho-claro, parecia ter de 17 a 20 anos... Ainda não dava para vê-la por completo, mas o pouco que viu, já deixou Richard deslumbrado. "Que linda moça..." E assim, decidiu se aproximar.
-Olá!
A moça deu um grito de susto.
-Não precisa se assustar.
Ela continuou calada
-Você mora aqui há tempos?
A moça continuava calada. Seu pai havia dito para que ela não conversasse com estranhos.
-O que foi? Prazer, Richard Abdulmassih. Como vai?
-Bem...
-Por que está tão calada? Está com medo?
-Não, só acho melhor manter distancia de moços estranhos.
-Não precisa ter medo de mim. Sou filho de Elisa Abdulmassih, conhece?
-Sim. - respondeu ela hesitante.
-Sou um bom moço. Se não quiser falar nada, tudo bem. Eu estava passeando pelos arredores, e encontrei um recanto cheio de flores. É você quem cuida?
-Sim, sou eu.
-Parabéns! Vejo que você é muito dedicada com as tarefas de sua casa e dos arredores. Posso saber seu nome?
-Clara.
-Clara... Lindo nome... Eu gosto muito de fazer amizades. Quase não venho na fazenda, pois faço faculdade na capital e não são todos os fins de semana que posso estar vindo visitar minha mãe. Somente nas férias mesmo. Mas, nas férias anteriores, passei por aqui e não vi ninguém habitando esse lugar.
-Sou nova por aqui.
-Espero que goste desse lugar. É maravilhoso estar em contato com a natureza.
-Também gosto muito.
-Mas, você mora sozinha?
-Não...
-Aquele homem que aqui estava era seu pai?
-Não...
-Quem era?
Clara hesitante disse:
-Meu marido?
Richard ficou estupefado.
-Oh, desculpe. Eu aqui fazendo tantas perguntas e você sendo casada... Me desculpe.
-Não se preocupe.
-Podemos ser amigos?
-Sim, podemos.
-Então, até a próxima Clara e parabéns pelas flores.
Ela consentiu.
(...)