A Volta
Minha última palavra foi esta: nunca mais eu voltarei aqui. E assim foi, durante dezesseis anos. Quase duas décadas longe.
O motivo talvez o mais banal de todos: uma toalha molhada. Por isso, do nada começamos a discutir sem parar. Trocamos palavras torpes, muitas ofensas.
Num momento de insensatez disse que partiria naquela mesma noite, quando ela me desafiou. Meu temperamento forte me fez fazer as malas e sair, embora enxergasse nos olhos dela lágrimas contidas.
Viajei por exatos três dias até chegar a um vilarejo distante, no qual me instalei. Lá conheci Isabel, moça simples e oito anos mais jovem que eu.
Começamos a namorar e logo ela me disse que esperava um filho meu. Seria assim mais um forte motivo para que eu permanecesse ali para sempre. Então iniciamos uma nova fase. Construimos uma casa e lá ficamos até nosso filho nascer.
Passados seis meses Isabel começou a sentir-se muito mal. Ao desespero saí no meio da noite para procurar ajuda. Uma velha senhora chamada Lurdes foi até nossa casa. Ao ver Isabel logo constatou que estava em trabalho de parto prematuramente.
Estávamos há sessenta e dois quilômetros da cidade grande e não teríamos tempo de chegar até lá. Portanto, dona Lurdes cuidou de Isabel enquanto nosso filho nascia, mas já trazendo a triste centença de que aquele bebê jamais iria sobreviver.
No dia seguinte plantei duas rosas ao lado do túmulo de Isabel e de nosso filho. Junto com eles meu coração também se foi. Não havia mais o que fazer ali. Percebi então que era hora de voltar.
Depois de tanto tempo peguei minhas malas e embarquei de volta à velha cidade de Rio Verde. Encontrei uma cidade diferente de quando a deixei. Uma praça arbonizada e vazia.
Ao chegar àquela que havia sido por anos a minha casa, avistei um garoto já crescido consertando uma velha bicicleta. De repente apareceu uma mulher madura, mas ainda muito bela, que carinhosamente o chamava de filho.
Naquele momento sobreveio a mim um misto de surpresa e raiva. Ela havia então refeito a sua vida. Por um momento pensei em voltar para o vilarejo mas tinha ciência que era hora de ir para casa.
Ao chegar, aquela mulher surpresa me reconheceu. Com lágrimas veio ao meu encontro mas a rejeitei. Como o egoísmo poderia tomar conta de mim daquela maneira? Eu saí de casa, reconstruí minha vida mas a ela não concedera esse direito.
Muito emocionada disse estar feliz em me ver, dizendo para esquecermos aquele triste passado. Nesse momento dirigi-me a ela indagando sobre o rapaz, que seria o filho de um novo relacionamento seu.
Emocionada me disse que aquele moço era meu filho, o qual havia deixado em seu ventre antes de partir.
Eu não poderia desperdiçar a segunda chance que a vida me dera. Mais que depressa a beijei e fizemos as pazes após aqueles dezesseis longos outonos distantes.
Um segredo porém estava guardado no coração da minha bela Ana, minha esposa. Na verdade, aquele moço não era meu filho. Foi fruto de um relacionamento frustrado que ela tivera quando ainda estávamos juntos, mas eu somente soube dessa história hoje, após sair do cemitério que a enterrei e ter brevemente conversado com Elaine, sua irmã de criação.
Acho que sempre soube dessa história, mas isso nunca, ou pelo menos nos dias atuais seria capaz de acabar com meu amor por ela, tampouco pelo nosso filho, que me dera quatro netos.
Conscientemente sabia que a vida havia me dado a chance de ser feliz por muitas vezes. E os trinta e dois anos que vivemos após aquela volta foram mais que suficientes para revelar o grande amor que tínhamos um pelo outro. Hoje sou um velho já cansado pela vida e pronto para também partir, mas estou feliz, por saber que a felicidade por estar muito perto, ainda que a deixemos de lado por longos dezesseis anos.