O tempo com Janaina

De vez quando vinha aqui em casa. Tinha vergonha. Ia pro quarto, ficava lá quieto, com medo de vim na sala. Bonita daquele jeito. Meus irmãos ficava tudo besta, com jeito de besta mesmo. dando atenção demais.

Chamando pra sair, falando de sua roupa, da boca, de tudo de bonito que ela tinha. Eu tinha vergonha daquilo.

Entrava no quarto e saia quando ia embora. Pra piorar ela ia até o quarto e dizia que estava indo embora. Eu só falava que sim, que qualquer dia passaria na casa dela. respondia cheio de boca que ia esperar. Meus irmaos enchia minha paciência dizendo que tinha medo de Janaína,. Eu tinha mesmo. Pra quê conversar se a gente não tem nada a dizer. Pra ficar igual bicho também não quero. Tropa de besta.

Janaina nunca saiu da terra seca. Só aqui. E mesmo assim é bonita como as mulheres da folhinha que tem o rio de janeiro no fundo. Ela nunca quis ir embora. Outro dia me disseram que tem pai rico. Não quis saber dele. Muita mágoa . Prefere ficar aqui, nos bar e ficando com um e outro. E quando aquilo não basta vai na minha casa me provocar. Até me disse que sou bonito, que deveria sair mais. Assim que não quero. Uma falta sem fundo. Eu não. E quando descobriu que tinha dinheiro. Mesmo não pegando, passou a ser igual rica. Até brinco comprou a prestação. Os homem fica doido. Já era bonita e agora com essas coisas penduradas. De vez quando parece mulher mesmo de tao grande que fica com as calças de tergal, coladinha na pele. Eu nesse quarto quando ela chega.

Quando perto dela. Pareço gente da roça, sem ter o que falar. Fica um silencio que deixa a pessoa sem graça. Sem saber também se pode dizer alguma coisa. Invento qualquer desculpa e vou embora. Sei la o que ela ta pensando de mim. deve pensar que sou besta. Eu até que não sou homem. Sei la o que passa na cabeça dessa gente. Por isso prefiro ficar aqui. Quando crio coragem vou na rua. Passo nos lugares, fico pouco também. Nada como meu quarto que tem radio e revista e livros de meu avô. Que já morreu e deixou pra mim. já li todos, e cada vez leio diferente. Igual Janaina que toda vez que vejo é diferente. Tem dia que tenho medo, já outros quero encostar nela e dizer coisas. Tudo na cabeça, nada de verdade. Tudo imaginação. Só ela é de verdade. Aparece na porta do quarto, bem altona. Com a calça colada, fala qualquer coisa com o sol da janela do corredor atrás dela. Fica mais misteriosa. Mais difícil de ver. Respondo qualquer coisa e volto pro livro, mas de mentira. O olho desce, mas a cabeça fica na assombração que veio da porta.

Um dia encontrei com ela sozinha na praça, estava olhando pra igreja. Final da tarde, as andorinha tudo descendo pra assentar nos pés de pau. Ela me chamou. Tremi todo a perna. Observou que estava de sapato novo, disse que sim, vermelho igual o céu estava naquela hora. Pergutou porque não conversava com ela de verdade. Eu disse que conversava. É que era muito sem tempo. Que todo dia tinha coisa pra fazer. Deu sorriso grande em mim. Desses que nunca esquece da gente. Fiquei de novo sem ter o que falar. Sabia fazer isso demais. De ficar tonto perto dela. Meu irmão dizia que era porque gostava dela. Dizia que não. Se a gente gosta deve ficar bem com a pessoa e não com medo. Se fica estranho é porque não gosta, ou tem medo de gostar. So pode ser isso. Mas assim, não gostando, o jeito de Janaina ficava comigo quando ia embora. Parece fantasma vivo. Dava impressão de que algum fantasma morava no corpo dela. já que nunca parecia estar sozinha. Isso durou um monte de anos. Fui crescendo, passei a usar cinto, camisa de botão igual homem. O bigode como meu pai, ralo ainda. E ela foi se desinteressando conforme eu crescia.

Fiquei com vontade de arrancar a barba, voltar a usar Shortes e passar todo tempo no quarto. Só pra Janaina continuar a me desejar desejar. Fui crescendo passava perto sua casa. Agora quase homem feito, era quase desconhecido, cumprimentava com as sobrecelhas. Pra não parecer mal educada. Não foi mais na minha casa.

Aquilo foi me dando uma dor, porque achei a vida toda que namoraria Janaina. Assim que ficasse grande e pudesse dizer a ela que não queria ficar tanto no quarto e que desejava conversar muito com ela. Palavras que tão simples, era absurda aquela idade. Que engrossava minha garganta mas não passava da boca, não forma frase. Agora quando acho que é possível dizer. Ela ficou a maior, mais séria, mais mulher. Deixou de ser uma menina e se comporta como se já tivesse encontrado algo importante. Tenho vontade de ir embora, esquecer dela, e buscar outras coisas, que pode ser de verdade e não essa penumbra que a vida toda ficou perto. Sem conseguir transformar numa palavra sequer.

Quando estou em paz, na frente de casa olhando o muro da escola chego a conclusão que nem gosto tanto assim, que tudo não passou de coisa de adolescente que sem ter o que viver ficava inventando mundo pra se confortar. Que o corpo dela colado na roupa, o sorriso, a simpatia que derrubava qualquer homem, não passava de invenção. De que de verdade eu sempre vi desse jeito porque não tinha outra coisa pra ver. Chego a conclusao que acabou. Que posso sair na noite, ir atras de mulheres. Pegar puta e também as menina da praça. Penso tudo nisso, mas logo vem Jana com toda sua beleza. E sem piedade toma conta de tudo. Tudo fica com cor de Jana, jeito de Jana. O dia fica morrendo, da cor da pele dela, amorenada . E o medo dela saber que desistir, que não quero mais. Que cresci, virei homem e larguei todos esses sonhos que bagunça a gente de crescer, de correr no mundo.

Essa semana encontrei com ela na feira. Estava fazendo compra. Quase não me reconheceu. Olhou como se não me visse. Nem a sobrancelha mexeu. Comprava muita coisa, verduras e carnes como se tivesse uma casa, um homem, uma vida. Vi que perdeu aquele olhar, que era sempre molhado, pareceu fria e sem brilho, como se o céu tivesse empurrado ela na terra. Como se tudo pesasse e não fosse leve viver . Fiquei triste.

Enquanto se afastava em direção à porta grande do mercado, via como a peso das compras entortava seu corpo, como seus passos queria parar de tão curto que ficava. No final do corredor encontrou alguém. Um homem que pegou em sua mão. Parecia amoroso pela delicadeza. As mãos dela não segurava como ele, apenas se deixava pegar. Os dois foi ficando pequeno como no final dos filmes de faroestes. Foi a ultima vez que vi Janaina.

Ariano Monteiro
Enviado por Ariano Monteiro em 24/06/2011
Reeditado em 24/06/2011
Código do texto: T3054771