Percepção

Domingo é um dia parado para Jorge que muitas vezes fica em casa assistindo os ótimos programas que dão sono durante todo o dia.

Acordando, simplesmente por acordar, Jorge levanta, olha para um lado e para o outro. O que vê não é de seu agrado. O seu quarto desorganizado o desanima ainda mais e ferozmente o desespera. Com uma grande força ele se retira e segue até a cozinha passando pela sala, com roupas espalhadas. A secura de sua garganta é proveniente da noite passada (e que noite passada). Comer não, seu estômago não aguenta comer nada. A vontade de fumar por alguns instantes até chega a aparecer mas a tormenta que sobe até sua boca logo faz a vontade ir, como tudo na cabeça de um jovem vem e vai. Pega um refrigerante e entra num orgasmo quando passa por sua língua e enche seus olhos d’água. Satisfação.

Chega no banheiro e retira a única peça do seu corpo, que cobria suas vergonhas, atirando-a sobre um cesto e logo depois deixa a água descer pelo seu corpo como tivesse purificando pelas aventuras e desventuras da noite passada.

No quarto, não olha para o lado, simplesmente escolhe, sem muita demora, roupas para sair. Passa seu desodorante e chega até a porta. Simplesmente seu pensamento é de não ter pensamento, não ter destino, não ter onde ir, é simplesmente não saber onde ir, então ir? Por que ir? Talvez o ir seja a vontade de não vê TV. Talvez o ir é a vontade de não arrumar o quarto. Ir é a vontade de ir. Se for, foi e só. Foi andando sem saber para onde ir andando pela rua vazia, depois de quatro quadras para e pensa: por que não de ir de carro? Voltando pela mesma calçada vendo algumas senhoras nas janelas pegando o sol das onze, com um olhar meio – o que faz ele voltando? Deve ter esquecido alguma coisa. Ele para pensa que deve estar doido, que a ressaca ainda faz efeito não o deixando pensar. Mesmo assim, continua seu caminho para casa e liga o carro.

No carro, na Rio Branco, pensa em comer, só pensa pois não sabe se está com fome. Olha as horas e pensa… Simplesmente falta muito o que fazer para nada fazer. O carro anda, anda e anda e quando vê estava em frente ao Parque da Lajinha e entra, já que o nada é nada, o nada poderia ser nada lá também.

Sentado na grama olhando para o lago ou lagoa, já que ele não sabe diferenciar, ele sente em suas mãos a vida, em seu rosto a vida, em suas narinas a vida. Olha a calma do lago. Calma relaxa. A noitada de ontém sai de sua memória e do seu corpo. No seu corpo apenas o relaxar com o sol na moleira e o seu reflexo sobre o lago até seus olhos.

A mansidão toma conta de tudo. Tudo fica leve. O som das crinças, que antes poderia até incomodar, agora não mais. O cantar dos pássaros já não é mais ouvido por ele. Agora é só paz. Jorge, em nenhum momento, nunca havia sentido tal experiência confortante tão constante. Por algum tempo,ali parado sentindo a vida por ser, longe de seu trabalho cansativo, longe dos estudos de todos os dias, longe do trabalho de casa. Longe. Sozinho com várias pessoas ao redor mas sozinho, apenas curtindo o melhor domingo de sua vida. Sem tristeza, Jorge, descobre a verdadeira felicidade que é, em uma coisa tão pequena e o seu valor agora imensurável.

As pessoas passam, as pessoas olham e veem um ser parado, imóvel, veem Jorge e sua parada nostálgica. Seria uma arte o estar parado de Jorge? Não. O que ele merece ele ganhou com o simples prazer de olhar o lago.

A percepção é atingida quando a sua frente vê uma formosa e delicada mulher que só o chamou atenção por entrar e parar na sua frente, só que em pé, concentrada na mesma imagem que o prendia e acalmava por tanto tempo. Ela, que estava com uma blusinha regata branca e calça jeans, olha para trás e senta ao seu lado com um suspiro de paz, talvez tão grande quanto o dele, e o olha e sorri com o aparelho nos dentes superiores e os dentes inferiores, tortos. Era o sorriso mais lindo que alguém poderia ver. Naquele momento, Jorge descobriu outra coisa surpreendente, descobriu o que todos procuram e não encontram, o sentimento mais caro e raro que um homem poderia descobrir: o verdadeiro amor.

A Pena
Enviado por A Pena em 17/06/2011
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