O CONVITE
Naquela manhã, em seu escritório, observou o convite. A qualidade do papel e a letra tradicional em relevo exibiam a irônica semelhança com o modelo escolhido para o casamento deles. Familiar, e ao mesmo tempo estranho, o conteúdo do envelope convidava-o para as segundas núpcias de Isabel, sua ex-mulher.
A separação aconteceu de uma forma quase lógica: a distância desenhada pelos anos, o desejo anestesiado de seus corpos e o tempo que consumiu a vontade de se falarem. Isabel e Guilherme lembravam dois roteiristas que abandonam sua história.
Alguns meses antes do rompimento, recorreram à terapia de casal. Nessa época Isabel poderia ser confundida com uma cineasta irritada diante das cenas que fugiam de seu controle, enquanto Guilherme representava o papel de um coadjuvante sem brilho, dentro do casamento destroçado pelo desgaste. Permanecia ali como poderia estar em um milhão de outros lugares.
Numa tarde, durante uma sessão tumultuada, a pergunta da terapeuta dirigida à sua esposa cortou o ar pesado:
- Quem é Guilherme?
A mulher, a princípio constrangida, olhou-o espantada como se pela primeira vez tivesse notado que sua presença era real. Guilherme desviou o olhar. Era patético perceber que ele e suas vontades haviam se tornado entidades desconhecidas para ela. E sua inesperada sinceridade o surpreendeu:
- Eu não o conheço mais pra saber.
O convite ainda estava em suas mãos quando uma ligação de Isabel interrompeu suas lembranças:
- Não entendi por que me mandou esse convite...
- Quem sabe, nesse casamento, você se faça presente.
(*) IMAGEM: Google
(*) versão modificada
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