Tudo mesmo.

- São dez horas da manhã, a cidade vai amanhecendo e eu resolvi tirar o dia pra caminhar por tudo. Tudo mesmo. Antes de sair de casa, por exemplo, meu quarto tem lembranças suas, na cama eu vejo os seus cabelos jogados no travesseiro enquanto você dorme o mais belo dos sonos, eu vejo o seu rosto no espelho do banheiro se arrumando pra sair comigo mais uma noite, na poltrona ao lado da janela eu vejo seu corpo jogado descansando de um dia corrido no trabalho e por aí vai. Tudo mesmo. Eu vejo o seu rosto em tudo ali sabe? Lembranças nossas me enchem os olhos, se você chegar bem perto e olhar na minha retina vai ver sua imagem refletida, junto com as noites de amor, as brigas e os mimos. Tudo mesmo. Faz parte, é lembrança.

Acendo um cigarro logo que desço no centro da cidade, é eu sei que você odeia que eu fume mas entenda que isso acalma, numa falsa sensação de superiodade sabe como? Psicólogos vão estudar isso um dia, Freud explica. Tantas vezes te encontrei por aqui, me esperando descer do ônibus com aquele sorrisão que me encanta até hoje. Vi uma menina parecida contigo, devo estar sonhando acordada. A igreja que você me fez entrar certa vez numa tentativa de me levar aos seus padrões de religião e apaziguamento espiritual. Sento nos degraus da entrada, vejo todo mundo que passa correndo pra lá e pra cá. Lembra que uma vez eu te disse que ninguém vem ao centro à passeio? Sempre se quer chegar à algum lugar, incrível isso. Bom, vamos andando. O cigarro acabou, era meu último. Não, não parei de fumar ainda. Estou passando na frente daquele Café que frequentamos desde o primeiro encontro, um café... acho que preciso disso mesmo, vou entrar. Aquela nossa mesinha de canto, sempre desocupada, vou sentar ali. Estranho não ter você sentada aqui do lado, falando tudo sobre as suas amigas que sempre te irritam vez ou outra, sobre aquela banda que você viciou essa semana e sobre aquele filme podre que você me fez assistir mais de mil vezes só pra me ver emburrada enquanto você se matava de dar risada. Pedi aquele nosso capuccino com canela, sem graça sem você pra limpar minha boca, sempre me lambuzo feito criança você sabe né? Nem consigo terminar. Vamos embora? Certo.

Do nada eu senti o corpo todo se arrepiando e o estômago deu 3 voltas pelo meu corpo até encontrar seu lugar de novo, foi aqui o primeiro beijo. Sim, estou naquele nosso barzinho de esquina, coisa simples. Não, ainda não terminaram a tal reforma, mas da janela semi oculta eu consigo ver o banco de couro, hoje já gasto pelo tempo e fuligem no meio da bagunça. O banco de couro aonde tudo começou. Tudo mesmo não é? A menina tímida sentada no bar, e eu toda alegre com minha garrafa de cerveja parando do seu lado e perguntando as horas.. as horas! Hoje eu relembro e dou risada, mas convenhamos que valeu a pena. Uma hora depois e alguns drinks e o primeiro beijo rolou naquele sofá ali. De lá pra cá foram mil e uma aventuras, muitos drinks, muitas brigas, muito amor e muita história juntas.

Acho que aqui, aonde tudo começou, é o melhor lugar pra terminar meu dia de lembranças suas. Perceba que o dia foi seu hoje, não meu. O dia todo, todo mesmo. Tudo lembra você, tudo mesmo.

Está rindo porque? Alô? Viu, a ligação ta ruim, ta num túnel é? Hahaha. Que saudades do seu sorriso, vi ele refletido no óculos de sol de uma menina que passou correndo aqui agora mesmo acredita? Que? Olhar pra trás?

Milésimos de segundos depois, viro-me. Linda, com aquele sorriso cativante, os cabelos caindo no rosto delicadamente como da primeira vez na mesa do bar, o celular na mão trêmula e pequenas lágrimas no rosto.

- E você me seguiu o tempo todo? Viu tudo isso em terceira pessoa aí atrás?

- Vi tudo, tudo mesmo.

Um sorriso me bastou, beijo sem fim. Amor verdadeiro.

Lorrayne T
Enviado por Lorrayne T em 11/06/2011
Código do texto: T3027182
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